Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 253 - 262, maio 2017
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F) AUTOCOMPOSIÇÃO, INTERESSE PÚBLICO E DIREITOS INDISPONÍ-
VEIS
É preciso interpretar com cuidado a expressão “quando não se ad-
mitir autocomposição” (art. 334, § 4º, II, do CPC). Isso porque, direitos que
admitam autocomposição não são, necessariamente, direitos disponíveis,
já que os direitos indisponíveis, que admitam transação, também podem
ser objeto de mediação (art. 3º da Lei nº 13.140/15).
12
Ou seja, o conceito
de autocomposição é mais amplo do que o de direitos disponíveis.
13
Além
disso, nem todo interesse público é indisponível, o que, inclusive, justifica
os inúmeros acordos celebrados pelos entes públicos e também por suas
autarquias, incluindo o INPI.
14
Significa dizer que, mesmo em situações que envolvam interesses
públicos e direitos indisponíveis, os litigantes podem, em tese, transacio-
nar, não fazendo sentido o juiz descartar desde logo a audiência.
15
Exemplificando: a) em ações envolvendo poder familiar – direito
indisponível –, é possível convencionar algumas obrigações daí decorren-
tes, tais como alimentos e visitação; b) em demandas sobre erro médi-
co envolvendo menores, pode-se transacionar sobre os valores devidos,
ouvindo-se o Ministério Público
16
; e c) no caso das recuperações judiciais,
que, via de regra, englobam interesses públicos e direitos indisponíveis,
cabe destacar a paradigmática decisão proferida pelo Dr. Fernando Via-
12 Concordamos com Ravi Peixoto quando afirma que, no caso do art. 334, § 4º, II, do CPC/15, não há menção
à indisponibilidade dos direitos (e sim à autocomposição), “porque ela não pode ser confundida com a vedação
da transação”. (PEIXOTO, Ravi. A nova sistemática de resolução consensual de conflitos pelo Poder Público – uma
análise a partir do CPC/2015 e da Lei 13.140/15.
Revista de Processo
. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº. 261,
nov./2016, p. 473).
13 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; MELLO, Ro-
gerio, Licastro Torres de.
Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil
. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 353.
14 OLIVEIRA, Rafael de Oliveira Rezende; MAZZOLA, Marcelo. Mediação na Administração Pública.
http://genjuridi-co.com.br/2016/04/06/mediacao-na-administracao-publica/. Acesso em 19.01.17.
15 Processo nº 0169482-15.2016.4.02.5101 (2016.51.01.169482-2), 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de
Janeiro: “1 - O Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 3º, §§ 2º e 3º, privilegiou as soluções consensuais dos
conflitos, mediante a colaboração das partes. Por isso fixou, no artigo 334, caput, ser necessária a realização de
audiência prévia de conciliação ou de mediação, para os demandantes comporem seus interesses, antes de o feito
efetivamente começar a ter seu mérito apreciado. No presente feito, porém, entendo não ser cabível a realização de
tal ato, eis que nele figura como parte ré um ente público (INPI), que já se manifestou através do OFÍCIO CIRCULAR
n. 00006/2016/GAB/PRF2R/PGF/AGU, de 17/03/2016, da Procuradoria Regional Federal da 2ª Região, arquivado
na Secretaria deste Juízo, sobre a impossibilidade de autocomposição, impondo-se a utilização do preceito do § 4º,
inciso II, do art. 334, do CPC/2015, sem prejuízo de eventual acordo durante a tramitação do processo.”
16 Não concordamos, portanto, com o seguinte despacho proferido em ação dessa natureza: “Defiro J.G. Conside-
rando tratar-se de
direitos indisponíveis
, revelando-se inviável a autocomposição, deixo de designar audiência de
conciliação, na forma do art. 334, §4º, II do NCPC. Assim, citem-se e intimem-se, de ordem, por OJA de plantão, se
necessário for (...)”. Processo nº 0015993-13.2016.8.19.0004, em curso na 8ª Vara Cível do Rio de Janeiro.