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Revista FONAMEC

- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 384 - 406, maio 2017

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Isto sugere que os homens, na luta desigual pela realização de suas

necessidades, disputem e conflitem na medida em que, em detrimento

do sentimento comunitário, alguns acabem usufruindo mais e melhor da

riqueza que o trabalho produz e que a todos haveria de pertencer.

É exatamente por isso, por reconhecerem-se conflituosos, que os

homens logo trataram, até para evitar o risco da extinção, de estabele-

cer mecanismos restauradores da ordem, ou, como diria Tercio Sampaio

Feraz Junior

1

, mecanismos de decidibilidade dos conflitos que marcam a

sociedade humana.

Modernamente, um desses mecanismos ganhou o pomposo nome

de o devido processo legal, através do qual se promete a todo homem o

direito de ter o conflito em que se envolveu resolvido, segundo um pro-

cedimento previamente fixado e garantido pela força do Estado, caso ne-

cessário. Surge, nesse contexto, o Estado-Juiz,

uma espécie de terceiro

sujeito

, que, tentando se colocar acima dos interesses em jogo, diz quem

tem “razão” no litígio, com base na reconstrução do fato conflituoso, o

que conduziria, no dizer de Malatesta

2

, o espírito humano a se apoderar

objetivamente da verdade.

Comparado às experiências anteriores, o advento do devido pro-

cesso legal e do Estado-Juiz se constituem, historicamente, num marco

civilizatório, numa conquista da maior importância para a humanidade.

E isso fica definitivamente claro ao se analisar o modo como as so-

ciedades humanas anteriores resolviam seus conflitos.

Veja o que diz Paul Veyne sobre a sociedade romana, por exemplo:

Suponhamos que um devedor não quer pagar o dinheiro que

tomou emprestado; ou ainda que temos como única fortu-

na um pequeno sítio, ao qual nos apegamos porque nossos

ancestrais ali viveram ou porque a região é agradável. Um

poderoso vizinho cobiça nosso bem; à frente de seus escravos

armados, invade a propriedade, mata nossos escravos que

tentavam nos defender, nos mói de pancadas, nos expulsa e

se apodera do sítio como se lhe pertencesse. O que fazer? Um

moderno diria: apresentar queixa ao juiz (litis denuntiatio),

obter justiça e recuperar nosso bem através da autoridade

1 Tércio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao Estudo do Direito – técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008.

2 Paul Veyne, O Império Romano, in História da Vida Privada, do Império Romano ao ano 1000, Trad. Hildegar Feist,

V.I, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p.166.