Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 384 - 406, maio 2017
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dica feudal (que se dividia em senhorial ou dominial e direito feudal pro-
priamente dito), a ordem jurídica canônica, a ordem jurídica mercantil e
das corporações e o direito popular costumeiro aplicado aos artesãos e
aos servos, cada qual com órgãos próprios de administração e aplicação,
dotados de maior ou menor eficácia, na exata proporção de sua capacida-
de em se fazer cumprir.
Isto tornava o sistema de resolução dos conflitos “administrado”
pelo Estado um verdadeiro caos. Face à pluralidade de ordenamentos ju-
rídicos e a pluralidade, respectiva, de tribunais, uma parte poderia propor
contra a outra
a mesma questão, simultaneamente,
em diversos tribu-
nais ou
renová-la, indefinidamente
, em outro tribunal, em caso de even-
tual derrota.
Esse caos “judiciário” fazia com que, na ausência dos conceitos
de litispendência e coisa julgada, os litígios ou não se resolvessem ou se
resolvessem pela desistência, pelo cansaço ou pelo empobrecimento de
uma das partes.
Não é à toa que, desconfiados, os homens fugiam dos tribunais da
época, preferindo resolver os seus conflitos à força, como acima registra-
do, ou à base do acordo, método de resolução bastante usual e prestigia-
do a ponto de o dia de praticá-lo ser curiosamente conhecido como
“
o dia
de fazer amor
”
.
6
2. O ESTADO MODERNO E O MONOPÓLIO DE DIZER E APLICAR O
DIREITO.
Reagindo contra isso, o Estado se fez moderno e, procurando
“con-
centrar
no
governo todo poder importante”
7
, como assevera Roberto
Mangabeira Unger, monopolizou o ato de dizer e aplicar o Direito, naquilo
que ficou conhecido como jurisdição.
Agora, resolver os conflitos humanos relevantes seria tarefa exclu-
siva do Estado, cabendo a ele e só a ele escolher
quem
decidiria em seu
nome, a partir
de que parâmetros decidiria
e
como
o faria.
Os escolhidos foram os juízes ou os tribunais de justiça, utilizando-
-se de normas produzidas por autoridades independentes e instituídas
para esse propósito, destinadas, enfim, a responsabilizar quem deu causa
6 Michael Clanchy.
Lei e Amor na Idade Média
.
In Justiça e Litigiosidade: História e prospectiva
Coordenador Antô-
nio Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 139
.
7 Roberto Mangabeira Unger.
O Direito na Sociedade Moderna. Contribuição à Crítica da Teoria Social
.
Trad. Rober-
to Raposo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979, p. 212.