Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 384 - 406, maio 2017
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Em lugar da lei do homem mais forte, que caracterizou as socie-
dades romana e feudal, nasceu o que Max Weber chamou de violência
legítima, porque pública e aplicada ao final de uma atividade processual
cercada de cautelas e garantias, o devido processo legal, conduzido pelo
Estado-Juiz, garantia aplicada em toda e qualquer apuração de responsa-
bilidade pela prática de uma conduta anti-normativa.
E não poderia ser diferente. Como atesta Hans Kelsen
13
, compara-
tivamente, enquanto a regulação moral da conduta humana desencadeia
contra aquele que a viola a sanção da desaprovação social ou íntima, a
regulação jurídica é muito mais contundente porque ela e somente ela
produz consequências físicas: fisicamente, o homem é privado de sua li-
berdade ou separado de seus bens materiais, por exemplo.
Seja como for, o poder de dizer e aplicar o Direito, antes pulveriza-
do, passou a ser, assim, concentrado na pessoa de
escolhidos
. Em outras
palavras, isto quer dizer que o poder normativo e sancionador tornou-se
um privilégio de alguns e, como tal, exigia justificações ou legitimações.
Afinal, como afirma Guglielmo Ferrero,
“entre todas as desigualdades
humanas, nenhuma tem tanta necessidade de se justificar ante a razão
como a desigualdade estabelecida pelo poder”
14
,
desigualdade evidente:
por que somente alguns podem fazer as normas e aplicá-las?
As justificações, de pronto, se impuseram, a começar pela mais im-
portante delas, talvez: na medida em que o Estado monopoliza o uso da
força, controlando-a, evita, como dito, a prevalência da lei do mais forte
e, em consequência, protege o mais fraco. Além disso, são evidentes as
vantagens de ter o conflito resolvido por um modelo em que os homens
sabem, com antecedência, quem fará uso da força, qual o ato de força
lhes será imposto, como essa imposição poderá se dar e o quanto de for-
ça eles suportarão.
15
Em outras palavras isso quer dizer que o Estado, ao
mesmo tempo que concentra, limita a força que usa, subordinando-a a
um processo que não é qualquer processo, senão o
devido processo
, com
o qual se comprometeu “
não só no aspecto meramente formal, que impõe
restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo,
13 Teoria Pura do Direito, trad. João Baptista Machado, São Paulo, Martins Fontes, 1994,
in passim.
14 Apud Antônio Carlos de Almeida Diniz.
Teoria da Legitimidade do Direito e do Estado – Uma abordagemmoder-
na e pós- moderna
. São Paulo: Landy, 2006, à epígrafe.
15 É o Direito visto como um sistema de regulamentação do uso da força, tal como propõe Norberto Bobbio em
Contribucion a la Teoria General del Derecho
. Trad. Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Fernando Torres, 1980.