Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 384 - 406, maio 2017
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ça, idêntico direito/dever de vingar acabava de ser gerado, podendo ser
exercitado sobre qualquer parente da família adversária.
Neste cenário, o Estado Feudal pouco ou quase nada fazia para por
fim ao conflito, limitando-se, em alguns lugares, a estabelecer certas res-
trições ao exercício do direito de vingar como, por exemplo, o de fixar o
prazo de 40 dias, a contar da morte mais recente, para que a família atin-
gida pelo assassinato pudesse dar início à vingança. Para que servia esse
prazo? Para que àqueles que estivessem na alça de mira pudessem tomar
os seus cuidados defensivos.
Veja, em resumo, o que diz Marc Bloch, com especial ênfase sobre
o ato de um homem matar outro:
A Idade Média, quase de uma ponta à outra, e especialmente
a era feudal, viveram sob o signo da vingança privada. Esta,
bem entendido, cabia, em primeiro lugar, como o mais sagra-
do dos deveres, ao indivíduo lesado. Mesmo além da mor-
te... Nenhuma obrigação moral parecia mais sagrada do que
esta ....Entre os Frisões, o próprio cadáver pedia vingança,
ressequido, suspenso na casa até o dia em que os parentes,
cumprida a vingança, tivesse o direito de o sepultar... Toda
a linhagem pegava então em armas ... para punir o assassí-
nio ou apenas a injuria de um dos seus...Os poderes públicos
dedicaram-se a proteger os inocentes contra os abusos mais
escandalosos... Segundo as leis normandas de Guilherme, o
Conquistador, os crimes suscetíveis de serem expiados pelo
sangue.... eram apenas os de mortes de pai ou de filho”... de-
vendo os vingadores esperar quarenta dias para dar início à
vingança, prazo considerado necessário para que as linha-
gens adversárias fossem avisadas do perigo, mesmo porque
“o ato de um indivíduo comprometia todos os seus parentes.
4
Como se não bastasse, na sociedade feudal a divisão em classes so-
ciais era tão intensa e estratificada que cada uma delas, à exceção dos ser-
vos, fazia as suas próprias normas e dispunha de seus próprios Tribunais.
E, convenhamos, não eram poucas. Segundo Georges GurvItch
5
, o
sistema de direito na sociedade medieval era composto pela ordem jurí-
4 Marc Bloch.
A Sociedade Feudal
. Tradução Liz Silva. Lisboa: Edições 70, p. 141.
5 Op. cit., p. 313.