Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 384 - 406, maio 2017
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a garantia de uma canalização precária das relações sociais logo será ani-
mada por outros conflitos, que novas regulações deverão então tratar.”
32
Depois, e em consequência, também não percebe que
“o proces-
so tornou-se um meio para o indivíduo escapar de um meio ambiente
sem rosto e de deixar uma marca identificável no muro do anonimato
social.”
33
Em outras palavras, isto quer dizer que, litigando, o homem
numa sociedade desigual deixa de ser
invisível
: o
“penso logo existo”
34
de René Descartes se faz substituir pelo
“luto logo existo”,
bem a gosto
de Rodolf Von Jhering
35
.
Finalmente, não percebe que as pendências tem “
um valor juridi-
camente construtivo”
36
porque forçam o Estado, no mínimo, a refletir, e
se for o caso, a rever os seus padrões normativos, levando-o
“a melhor
delimitar e definir [as] normas conforme a variedade dos contextos so-
ciais e culturais nos quais elas se exprimem
”
37
. Nessa perspectiva, enfim, o
conflito
“
pode ser considerado tanto o fracasso do direito
como sua fonte
mais universal e mais dinâmica
”
38
(grifo nosso).
4. A CRISE DE LEGITIMIDADE E A MUDANÇA NA ESTRATÉGIA CON-
TROLADORA DO ESTADO.
Tudo isso provoca contestação, ordenada ou desordenada, às nor-
mas e ao mecanismo estatal de resolução dos conflitos.
Como a toda ação (ou omissão) corresponde uma reação, o fato é
que a maioria dos conflitos não são levados aos tribunais. Como salien-
ta Marc Galanter
39
, as instituições estatais resolvem apenas uma ínfima
parte não somente dos conflitos que acontecem na vida real, quase sem-
pre objeto de negociações extrajudiciais, mas, também, uma ínfima parte
dos conflitos que para elas deságuam, no mais das vezes, assim como no
exemplo medieval citado, dirimidos por acordo, por desistência ou por
abandono, negando a promessa constitucional de eficiência.
32
Idem, ibidem.
33
Idem,
p. 211.
34
Discurso do Método
. Porto Alegre: L&PM Pockert, 2008.
35
A Luta Pelo Direito
. Tradução de Sabino Junior. São Paulo: Bushatsky, 1973.
36 Georg Simmel. Apud Louis Assier-Andrieu.
O Direito nas Sociedades Humanas
. São Paulo: Martins Fontes,
2000, p. 167.
37 Louis Assier-Andrieu. Op. Cit., p. 173.
38 Louis Assier-Andrieu. Op. Cit., p.166.
39
A Justiça não se Encontra Apenas nas Decisões dos Tribunais
.
In Justiça e Litigiosidade: História e prospectiva
Coordenador Antônio Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 67
.