Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 384 - 406, maio 2017
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sensação de insegurança produzida pela “
cultura do medo
”
22
, como diz
Yves Pedrazzini. Em tal cultura, aprofundando os antagonismos sociais,
os pobres são segregados em espaços urbanos cada vez mais afastados e
eleitos como perigosos, acabando por desempenhar a função de manter
a insegurança “
no seu patamar mais elevado.”
23
Afinal, “
nada é tão seguro
quanto a certeza do mercado em manter a “insegurança” para vender a
segurança a um preço cada vez mais alto
”.
24
A cidade, dividida em territórios hostis e assentada sobre relações
sociais cada vez mais impessoais, anônimas e amorfas, se transforma
numa grande desconhecida, o que implica na necessidade de recorrer a
instrumentos que nos apresente a ela e nos faça entendê-la, tornando-a
“
visível
”. Esses instrumentos, que “
não são microscópios e não são te-
lescópios”
mas
(...)
“
a televisão, o rádio e o jornal
”,
25
através dos quais a
violência real, “
alimenta-se de seu brilho e exaspera-se com seu eco
”,
26
aprofundando e generalizando o sentimento de medo fazendo com que
o homem enxergue “o outro” como um potencial
inimigo
, sempre pronto
para, desafiando as normas de convivência, agredi-lo.
Sob a ameaça de risco constante os homens se “armam” para o
combate ao inimigo, assumindo com frequência a postura do que An-
thony Giddens chama de engajamento radical, ou seja, “
uma atitude de
contestação prática para com as fontes percebidas de perigo
”.
27
É preciso, pois, entender as razões dessa desconfiança ou dessa ne-
gação, como parte do esforço de restaurar a crença na capacidade estatal
de gerenciar a sociedade, o que passa, centralmente, pela tarefa de resga-
tar a confiança no Estado-Juiz ou no chamado Poder Judiciário.
Se a tarefa é essa, nada melhor do que partir de alguns reconheci-
mentos.
O primeiro deles é o de que o modelo moderno de resolução de
conflitos humanos se assenta, como adverte Cappelletti, numa irrealida-
de. Como se o conflito se desse entre duas ou mais partes em igualda-
de de condições limitadas apenas pelos
“méritos jurídicos relativos das
22 A Violência das Cidades, trad. Giselle Unti, Petrópolis, Editora Vozes, 2006, p.109.
23 Idem, p. 113.
24 Idem, p. 113 e 114.
25 Silvia Leser de Mello, A Cidade. A Violência e a Mídia, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 21, São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, p. 189.
26 E. Glissant, apud Yves Pedrazzini, op. cit., p. 69.
27 Op. cit., p.138.