Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 384 - 406, maio 2017
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partes antagônicas”
28
,
o modelo recusa-se, na prática, a enxergar que os
homens são materialmente desiguais.
Essa “cegueira” provoca efeitos absolutamente corrosivos a essa res-
tauração, na medida em que desarma o próprio Estado-Juiz de tentar evitar
interferências que venham a realçar a diferença real das partes em conflito,
tais como o
“embargo de gaveta”
, o
“jeitinho”
e a
“corrupção”
, que marcam
a vida do Poder Judiciário, como adverte João Maurício Adeodato
29
.
Percebendo que o resultado do processo quase sempre não depen-
de apenas do mérito ou das razões dos conflitantes, o homem comum é
desestimulado a buscar no Estado-Juiz a tutela para seus direitos ameaça-
dos ou violados, o que acontece, de acordo com Cappelletti
30
, seja porque
a violação é internalizada como suportável, seja porque ele não acredita
numa decisão favorável, seja porque o mundo das disputas judiciais lhe
parece hostil, assentado sobre uma linguagem que afasta quando deveria
aproximar.
Constrói-se, dessa forma, um fosso entre as expectativas populares
e o Estado-Juiz, ampliado quando, contrariando o modelo, aqueles que
usam da força para proteger a sociedade extrapolam o poder que rece-
bem e, voltando-se contra ela, afrontam, sistematicamente, elementares
direitos civis e suas garantias, como, por exemplo, a inviolabilidade de
domicílio, a liberdade de ir e vir, a presunção de inocência e o direito à
resolução do processo no prazo razoável.
Esse fosso tende a ser cada vez maior e mais largo quando, à guisa
de decidir, o Estado-Juiz se isola completamente do mundo real e perde
contato com a realidade. Um bom exemplo desse isolamento e dessa “es-
quizofrenia” pode ser ilustrado pela decisão que segue abaixo:
Indefiro a antecipação de tutela.
Embora os autores aleguem ser portadores de AIDS e objeti-
vem medicação nova que minorem as seqüelas da moléstia,
o pedido deve ser indeferido pois não há fundamento legal
que ampare a pretensão de realizar às expensas do Estado os
exames de Genotipagem e a aquisição de medicamentos que,
28 Mauro Cappelletti & Bryant Garth.
Acesso à Justiça
.
Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris, 2002, p. 15.
29 João Maurício Leitão Adeodato.
Para uma Conceituação do Direito Alternativo
.
In
Revista de Direito Alternativo.
N. 1, São Paulo: Acadêmica, 1992, p. 157 e seg.
30 Op. cit.