Revista FONAMEC
- Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 73 - 93, maio 2017
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traduz não apenas prestação de serviços contratados, mas também a prá-
tica de encargo com repercussão social e de relevância pública. (COÊLHO;
2016, p. 90).
É sob o prisma dessa responsabilidade que deve ser enxergada
a postura do advogado perante os métodos consensuais de resolução
de conflito. De certo, é desafiadora a mudança. Necessário reconhecer
que a visão da advocacia como guerreira rumo ao combate litigioso se
mostra disseminada e arraigada por toda a sociedade. De modo ainda
mais abrangente, tem-se que a própria sociedade se estabeleceu sobre
alicerces de resolução litigiosa de conflitos. Como pondera VEZULLA,
partimos de uma cultura com “(...) longa tradição de converter os con-
flitos em litígios e abordá-los desde a posição de enfrentamento que se
resolve por meio da tentativa de cada parte de demonstrar ao juiz ou
terceiro que tomará a decisão, que seus direitos e razões são mais convin-
centes” (2014, p. 57).
Assim, a inserção dos chamados meios alternativos de solução de
conflitos, que fogem ao modelo habitual litigioso e beligerante represen-
tado pela sentença judicial representa real transformação na condução
de divergências sociais. Tal mudança é necessária e desejada. Reiterada-
mente se afirma que o Poder Judiciário carece de novos caminhos para
solucionar seu notório congestionamento e concretizar os ditames cons-
titucionais de acesso à justiça em prazo razoável. Contudo, é mister ul-
trapassar a visão organizacional e perceber que, sendo o processo mero
instrumento de veiculação do conflito, o ideal de justiça perseguido pelo
ordenamento jurídico não necessariamente exige a tradicional cognição
judicial. Com efeito, a cognição judicial não se mostra mais próxima de
justiça que a solução consensual.
Em que pese a ainda prevalente noção de segurança
1
e superiori-
dade que circunda a sentença, o modelo tradicional de enfrentamento
dos litígios na esfera judicial tende a primar pela resolução técnica, em
1 “Unidos pelo conflito, os litigantes esperam por um terceiro que o ‘solucione’. Espera-se pelo Judiciário para que
diga quem tem mais direitos, mais razão ou quem é o vencedor da contenda. Trata-se de uma transferência de
prerrogativas que, ao criar ‘muros normativos’, engessa a solução da lide em prol da segurança, ignorando que a
reinvenção cotidiana e a abertura de novos caminhos são inerentes a um tratamento democrático. (...) Assim, as
atenções continuam centradas na figura do juiz, do qual se espera a última palavra, ‘não importa qual, mas a última’.
(...) Nesses termos, os juízes creem que sua função é administrar justiça e que a realizam, quando decidem, a partir
de um conceito, simultaneamente, metafísico e determinista, que não leva em consideração, salvo raras exceções,
o que as partes sentem como o justo no litígio que vivem, a tal ponto que, em alguns casos, a distribuição de justiça
termina sendo uma violência para com uma das partes. Quando um juiz se preocupa em comparar se seu conceito
abstrato de justiça corresponde às expectativas do que é justo para as partes?” (SPENGLER; 2010,
online
).