O Fórum Permanente do Direito da Antidiscriminação da Diversidade Sexual da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveu, nesta terça-feira (15), sua segunda reunião com encontro sobre “A concretização da dignidade da pessoa humana e a comunidade LGBTQIA+”.
O evento aconteceu no Auditório Desembargador Roberto Leite Ventura, com transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
O diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), destacou em sua fala de abertura: “Não poderíamos ter um tema mais relevante para esse Fórum de diversidade sexual, que está vinculado a um programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a uma resolução de antidiscriminação, que é um programa do Poder Judiciário. É um ramo do Direito que surge, a partir da constituição cidadã, que pode ser chamado de Direito da Antidiscriminação e esse Fórum vem ao encontro das diretrizes do CNJ e do Supremo Tribunal Federal. Então, falar da tutela da dignidade da pessoa humana diante da comunidade LGBTQIA+, é algo extremamente importante para todos nós. É relevante, jurídico, social e que deve tocar as mentes e os corações da sociedade”.
O presidente do Fórum juiz Eric Scapim Cunha Brandão, especialista em Direito Público e Direito Privado pela EMERJ e em Psicologia Jurídica pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e mestre em Políticas Públicas e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou: ““Eu queria mais uma vez agradecer ao desembargador Marco Aurélio pela possibilidade de criação desse Fórum, que é um instrumento muito potente de reflexão e discussão, ainda, infelizmente, tão necessárias nos dias de hoje. Um dia chegaremos ao ponto de não precisarmos mais desse Fórum, porque a garantia da dignidade da pessoa humana será, realmente, concreta para todas as pessoas”.
“É preciso que nós discutamos esse tema, porque às vezes sofremos preconceito e discriminação não só na rua, na sociedade civil e por parte das instituições, mas também dentro de casa. Quantas pessoas trans não são expulsas de casa quando expõe a sua identidade de gênero? Esse tema ainda é muito importante, porque a dignidade da pessoa humana está atrelada diretamente aos direitos humanos. Quando trabalhamos a ideia de direitos humanos, temos muito a noção sobre a inerência e universalidade dos direitos humanos, que existem simplesmente pelo ser moral, pelo ser humano que somos, mas será que a prática é universal dessa forma?”, prosseguiu o juiz Eric Scapim Cunha Brandão.
O presidente do Fórum concluiu: “A Constituição Federal, além da garantia da dignidade da pessoa humana, fala que todos os poderes e a sociedade tem a diretriz de tornar o mundo em que vivemos um local mais igualitário e justo, mas a partir do momento em que não temos a concretização dos direitos mínimos fundamentais, individuais ou sociais, não temos a dignidade da pessoa humana. Quando uma pessoa integrante da população LGBTQIA+, não tem acesso nem a possibilidade da modificação do seu prenome, nós não temos a garantia completa e eficaz desse fundamento da nossa Constituição, que é a dignidade da pessoa humana. O que importa para nós não é só a parte teórica, mas a parte prática. Em que momento das nossas vidas temos essa dignidade, temos o mínimo existencial em todos os direitos mínimos que são garantidos pela Constituição? Precisamos materializar e garantir que no dia a dia, todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou condição específica que tenha, tenham esses direitos humanos de fato concretos e eficazes. Precisamos ter consciência de que, atualmente, os direitos humanos não são universais, porque não há concretização na prática do dia a dia. Nosso objetivo com esse Fórum é analisar, para que possamos ter uma concretude desses direitos humanos. Identificar, discutir e reconstruir para moldarmos uma nova sociedade”.
Exposições
A membra do Fórum Cláudia Franco Corrêa, professora adjunta de Direito Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em Direito pela Universidade Gama Filho, salientou: “Os sistemas que amparam poder são rigidamente sólidos em práticas de discriminação. Só mudamos o sistema, dentro do sistema. Tais nuances, nos impulsiona refletir, inclusive no campo ético, quanto a dificuldade de representação nas esferas de poder, como ocorre no sistema de Justiça, por exemplo. Aqui me refiro igualmente as mulheres e aos negros e suas árduas batalhas de representação nas instituições brasileiras”.
“Temos um sistema de Direito engessado, porque a atribuição dos direitos é pensada de forma generificada. Enquanto não superarmos essa formação de compreensão do direito binário e generificado, vamos ter que continuar a criar soluções artesanais e casuísticas ou pior, quando a pessoa não é bem-sucedida, porque falta lei e o pedido é extinto porque não existe previsão na lei e essas pessoas não conseguem ter acesso ao direito. Pensar na questão da dignidade da pessoa humana com o direito a diversidade, talvez, seja o maior desafio que o Direito que nós temos terá pelos próximos anos. O pouco que nós conseguimos de direitos no Brasil para a minoria LBGTQIA+ veio exclusivamente do Poder Judiciário, de advogados e de toda uma nova geração de juízes e juízas, que compreendendo a Constituição de 88 como um projeto aberto de inclusão de novos direitos e sujeitos, têm passado por cima da inércia inconstitucional e violadora da dignidade da pessoa humana do Legislativo”, reforçou o vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-MG Alexandre Gustavo Melo Franco De Moraes Bahia, professor associado do Departamento de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A vice-presidente do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia da EMERJ (NUPEGRE) Maria Helena Barros De Oliveira, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e doutora em Saúde Pública pela Fiocruz, pontuou: “Queria agradecer ao desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo pela iniciativa de criar esse Fórum. A EMERJ é uma das Escolas de maior vanguarda e mais respeitada do Brasil e que vem se preocupando com certas questões”.
“Em um Estado Democrático de Direito, em uma democracia real, não podemos ter a violência como uma das questões preponderantes. Uma democracia real troca a violência pelo acolhimento e existem algumas questões fundamentais. Primeiro é o combate à violência. Depois a formação, para que possamos ter um país em que diremos que o outro tem todos os direitos iguais, sem diferenças e invisibilidade”, finalizou a vice-presidente do NUPEGRE.
A procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) Patrícia Carvão, coordenadora-geral de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana do MPRJ, declarou: “Em uma sociedade intolerante, ninguém está a salvo. Então, a intolerância não é ruim só para quem é da comunidade LGBTQIA+, a intolerância afeta a própria democracia, então ela nos afeta como um todo. É uma pauta que não é só da comunidade LGBTQIA+, o discurso de ódio está presente e não adianta dizermos que ele não existe e é necessário estarmos atentos para cuidarmos disso”.
“Fóruns como esse são extremamente importantes. Pode parecer contraditório, porque estamos no Século XXI, 35 anos depois da nossa Constituição cidadã, mas que lamentavelmente não entregou ainda aos brasileiros o programa que se propôs, talvez por isso aja uma resistência e uma descrença de uma parcela grande da população em relação as nossas normas, a maior delas, evidentemente, a nossa Constituição, porque muitas vezes as pessoas não conseguem ter acesso aos direitos mais básico, que estão garantidos de forma muito clara”, ressaltou a membra do Fórum Ericka Gavinho D’icarahy, subsecretária de gestão na Secretaria de Ciência e Tecnologia da Prefeitura do Rio de Janeiro e mestre em Teoria do Direito e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Ericka Gavinho afirmou em sequência: “A sociedade brasileira se tornou absolutamente violenta. Os discursos de ódio precisam ser controlados e isso é papel e dever do Estado, porque vemos que quando esses discursos se tornam comuns, eles incentivam as mais diversas violências. Os direitos não são dados, nem foram dados. Ainda temos muito o que construir. No Brasil não temos sequer uma única legislação infraconstitucional que trate dos direitos das pessoas LGBTQIA+. Há violações por parte da sociedade, mas há violações perpetradas pelo próprio Estado, o maior violador desses direitos, que sequer os garante”.
“Gostaria de agradecer ao desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo pela iniciativa de trazer esse tema à tona dentro da Escola da Magistratura, seguindo a missão da Escola e pensando na formação dos magistrados”, destacou o membro do Fórum e chefe de gabinete do diretor-geral da EMERJ, Francisco Marcos Motta Budal, especialista em Direito da Criança e do Adolescente pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Francisco Marcos Motta Budal encerrou: “O mais importante do que foi discutido aqui hoje e a tônica central, é partir do princípio de que a dignidade da pessoa humana pressupõe o conceito de humano. Acredito que resolveríamos muitas questões se tivéssemos plena consciência do conceito de ser humano. Todos nós somos iguais no conceito da humanidade e vivenciamos o mesmo ciclo da vida. Quando conseguimos fazer essa conceituação, chegamos a todo indivíduo e fazemos com que ele reconheça sua própria humanidade, para assim poder refletir e se empoderar em relação a tudo que o envolve. A partir do momento que entendemos e nos entendemos dentro do conceito de ser humano de uma forma ampla, tudo tem que passar a ser natural, para que todos possam exercer sua cidadania plenamente. Nossa existência não é menor, nem ao menos diferente, do que a existência de qualquer outra pessoa”.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=5eUrZiq5soU
Fotos: Jenifer Santos
15 de agosto de 2023
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)