O Fórum Permanente da Criança, do Adolescente e da Justiça Terapêutica da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveu nesta segunda-feira (06) a abertura do “Colóquio internacional sobre cuidado da criança e do adolescente na família extensa”.
O encontro, que marca as comemorações do centenário do primeiro juizado da infância do Brasil, é elaborado em parceria com a Associação Brasileira Terra dos Homens (ABTH), a Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude e Idoso (CEVIJ) e o Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária.
O evento aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura, com transmissão via plataforma Zoom. Houve tradução simultânea do espanhol para português, do inglês para o português e para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Mesa de abertura
O presidente do Fórum, juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, titular da 4ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, destacou na abertura do colóquio: “Eu conheci o doutor Richard Pae Kim, ele era juiz auxiliar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e estávamos integrando o Fórum Nacional da Infância e da Juventude (FONINJ). Já naquele momento, o doutor Richard era um grande entusiasta da pauta da criança e do adolescente e impulsionador. Quando se tornou conselheiro, para nós todos, magistrados da infância e juventude, a esperança foi muito alimentada e não tivemos decepção nenhuma, muito pelo o contrário. Dentro do CNJ, a pauta da infância e juventude avançou muito por conta de todos os envolvidos, mas temos certeza também pela atuação brilhante e dedicada do doutor Richard”.
“Nós temos que debater sobre toda a evolução da discussão que precisamos pensar, porque a criança passa por várias etapas. A criança pode estar apenas circulando dentro da família extensa e essa família extensa está protegendo muito mais do que qualquer outra, porque a criança está apenas circulando. A criança pode estar mais tempo com a família extensa do que com a família nuclear por algum motivo, mas nada disso pode ter violência. É uma circulação e trânsito, que não tem violência. Isso é completamente diferente de quando há violência, e aí precisamos ir para a média complexidade e dar a guarda da criança para um parente e restringir o acesso à família natural por algum motivo”, reforçou Cláudia Cabral, diretora executiva da ABTH.
O diretor do departamento de Proteção Social Espacial da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Regis Aparecido Andrade Spíndola, pontuou: “Primeiramente, eu gostaria de expressar a alegria do Governo Federal de poder estar aqui nessa mesa e discutir sobre cuidados de crianças, adolescentes e das famílias. Como muitos de vocês sabem, os últimos seis anos foram muito difíceis no que se refere à política pública de assistência social e o nosso intuito, compromisso e responsabilidade, é de fazer uma reconstrução dessa política. É uma reconstrução que passa por cada um que está aqui”.
Também compuseram a mesa de abertura: Dayse Bernardi, representante de entidades não governamentais no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes (CONANDA) e diretora e presidente da Associação de Pesquisadores e Formadores da Área da Criança e do Adolescente (NECA); o defensor público Rodrigo Azambuja, coordenador de Infância e Justiça da Defensoria Pública (CEDICA); o promotor de Justiça no Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MP-SC) João Luiz de Carvalho Botega, membro auxiliar da Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e coordenador da Comissão Permanente da Infância e Juventude (COPEI), vinculada ao Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH) do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG); a diretora-geral da Providens Fernanda Flaviana Martins, secretária executiva do Movimento Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária (MNPCFC); o secretário geral da Associação de Apoio a Criança em Risco (ACER BRASIL) Jonathan Hannay; Edson Cabral, representante do projeto Aldeias Infantis; Mônica Alkimin, membra fundadora da Global Alliance Internacional Family for Every Child e coordenadora executiva da Organização de Direitos Humanos “Projeto Legal”; a doutora Cristina de Lima; Alessandro Tuzza, diretor do escritório no Brasil da Save the Children América Latina e Caribe; e Sabina Titarenko, coordenadora do desenvolvimento da rede de parcerias do Serviço Social Internacional de Genebra e mestra em Direito Internacional e Europeu.
Mesa 1 – O cuidado de crianças e adolescentes na família extensa no Brasil
O presidente do FONINJ Richard Pae Kim, conselheiro do CNJ e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e presidente do Comitê Gestor Nacional da Primeira Infância do CNJ, destacou: “Todos nós sabemos que o direito à convivência familiar é um direito fundamental das crianças e adolescentes, não há dúvida nenhuma nisso. Nós temos uma farta jurisprudência nos tribunais, no sentido de fazer garantir a convivência familiar para crianças e adolescentes, principalmente em situações de riscos. Sabemos também que mesmo após a Constituição Federal de 88, que inseriu em nosso sistema o direito à convivência familiar no Artigo 227, no entanto, não alcançamos a compreensão una do que é o conteúdo jurídico da convivência familiar. Alguns aqui devem ter suas dúvidas no dia a dia ‘privilégio a família sanguínea ou não? O que prevalece, famílias com vínculos parentais ou deve prevalecer o vínculo afetivo?’. São algumas das dúvidas do dia a dia.”
A vice-presidente do Fórum, juíza Raquel Santos Pereira Chrispino, integrante da CEVIJ, ficou a cargo da mediação da mesa e pontuou: “Tenho certeza que será um evento de muito aprendizado para todos nós e eu já tenho aprendido muito com esse grupo”.
O diretor do Departamento de Proteção Social Especial da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome, Regis Aparecido Andrade Spíndola, também esteve presente durante a primeira mesa do debate.
Palestras Magnas
A embaixadora da aliança internacional Family for Every Child na África do Sul Suzanne Clulow foi a responsável pela primeira palestra e declarou: “Há cerca de três anos, Family for Every Child iniciou a discussão em torno do desenvolvimento de alguma orientação, uma orientação global, sobre cuidados de parentesco. Isto foi em grande parte liderado por discussões de membros do continente africano, que analisavam o papel que os cuidados de parentesco desempenhavam na institucionalização na África, e tornou-se uma conversa ampla entre os membros em todo o mundo. Por que isso é importante? Os cuidados de parentesco podem prevenir a separação familiar e fortalecer as famílias. Queremos apoiar a oferta de cuidados alternativos, dependendo do contexto em que os cuidados de parentesco são prestados, e também é uma forma de proteger as crianças que não têm qualquer tipo de cuidados parentais. Embora o cuidado de parentesco, em todo o mundo, seja a forma mais comum de cuidado fora do cuidado parental, também é notavelmente carente de apoio. É também a forma de cuidado preferida pela maioria das crianças que não vivem com os pais. A importância é reconhecida, mas muitas vezes as pessoas não têm a certeza do tipo de apoio que precisamos de oferecer às crianças que vivem sob cuidados de parentesco ou de famílias extensas. Muitas vezes há uma tendência para simplificar as soluções e quando descompactamos os cuidados de parentesco percebemos que eles têm muitas formas, tamanhos e formas diferentes e não existe um tamanho único que sirva para todos. Portanto, as exigências são diferentes para os diferentes tipos de colocação, tipos de família em que a criança cresce e para o tipo diferente de criança que é colocada nessa família. Por isso requer diversos tipos de respostas e apoio”.
"Os cuidados de parentesco fornecem uma contribuição crucial para o desenvolvimento do bem-estar e a sobrevivência das crianças em todo o mundo. É uma forma de cuidado única e complexa, e requer uma resposta sofisticada. As crianças, os jovens e os pais têm muito a contribuir para satisfazer as suas necessidades e devemos nos certificar de que os consultemos quando desenvolvemos programas de apoio aos cuidados de parentesco. Os cuidados de parentesco têm um amplo apoio comunitário e são muito aceitos na maioria das culturas, nem sempre precisam ser regulamentados ou formalizados. A formalização deve fazer parte de um processo, se for necessário, mas não deve ser um pré-requisito para as crianças serem colocadas sob cuidados de parentesco, que têm necessidades de apoio multifacetadas que precisam de ser abordadas nos diferentes setores”, finalizou Suzanne Clulow.
“Sabemos que o cuidado alternativo da família extensa é a melhor opção para crianças que devem ser separados do seu núcleo familiar de origem. Porém, na América Latina e Caribe, esse sistema não permeou suficientemente, a maioria dos países da nossa região continua com um sistema de apoio transmitido às instituições. A desinstitucionalização é uma questão pendente que temos para todos os países da região. Sabemos também que na nossa região, a mais desigual do mundo, o número aproximado de crianças e adolescentes institucionalizados é de 180 mil, mas existem poucos números oficiais sobre o número de crianças que vivem em famílias extensas. Qual a dificuldade que temos em visibilizar e formalizar esse tipo de cuidado? Acho que formalizar é a palavra-chave para pensar nessa transformação”, ponderou a diretora executiva e fundadora da Doncel Asociación Civil Mariana Incarnato.
“O tempo todo se mantém um ideal de família que não existe. Portanto, como não existe a família ideal que se espera, não são aceitas novas formas de cuidado, que têm muito a ver com o cuidado comunitário, com o cuidado de base familiar. Não é o cuidado que acontece na casa dos avós, tios ou irmãos. O cuidado de base familiar é aquele que muitas pessoas podem prestar alternadamente a uma criança ou adolescente. Neste enfraquecimento da confiança nas famílias, acredito que se perde a capacidade que temos na América Latina e no Caribe de construir um sistema de apoio verdadeiro, real e nosso à família extensa. Se não rompermos com esta forma de pensar sobre o que é familiar e também prestarmos serviços com trabalhadores formados nestas novas ideias sobre o que é uma família, então não seremos capazes de construir um sistema de apoio familiar generalizado, embora tenhamos vários bons modelos em outras regiões do mundo. Então, vamos ajudar os serviços a ampliarem suas perspectivas. Se concordamos que família significa se sentir cuidado especialmente por alguém, por que esse cuidado deve necessariamente ser convivial? Quais são as formas criativas que as famílias têm encontrado para prestar esse cuidado?”, prosseguiu a diretora executiva da Doncel Asociación Civil.
Mariana Incarnato concluiu: “A sociedade não considera que a responsabilidade parental do Estado deva ser distribuída em termos de responsabilidades. Esse é um grande problema para o sistema. Nossa região está sendo encurralada pela péssima qualidade dos cuidados alternativos que oferece. O diagnóstico é claro para nossos Estados. Os efeitos da institucionalização são devastadores. Por que então, se a convenção diz que a família é o ambiente natural de crescimento de uma criança, não fazemos mais esforços para construir estes sistemas? Acredito que a sociedade civil e os movimentos de luta não levantaram suficientemente esta reivindicação perante os Estados. E a dúvida que temos pendente é: famílias reais e famílias possíveis?”.
A moderação foi realizada por Edson Cabral.
Mesa 2 – Famílias em movimento – entre fronteiras e entre culturas
O secretário-geral da Associação de Apoio à Criança em Risco (ACER-Brasil) Jonathan Hannay concluiu: “No Brasil, a certidão de nascimento identifica os pais e avós. Na Inglaterra, apenas os pais. Portanto, existe no Brasil hoje várias possibilidades, mas que não contempla a diversidade de construções de família existentes no povo brasileiro. Quem administrativamente tem o direito familiar no Brasil? Apenas as pessoas registradas como pais na certidão de nascimento e mais ninguém. Então, apenas quem está registrado pode responder por aquela criança, sem interferência de cartório ou do Judiciário. Como isso afeta o nosso pensamento sobre o papel que a família extensa/ampliada tem na criação das crianças e adolescentes que lhe pertence?”.
Raum Batista, membro da ISS Brasil e da ABTH, a psicóloga Meredith Kiraly, professora da Universidade de Melbourne, Carolyn Housman, membra da ISS Inglaterra e da Children and Families Across Borders (CFAB), e Sabina Titarenko também compuseram a última mesa do primeiro dia do “Colóquio internacional sobre cuidado da criança e do adolescente na família extensa”. A moderação foi conduzida por Eliana Olinda Alves, psicóloga da CEVIJ.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=j8WK1r1Kj2g / https://www.youtube.com/watch?v=BQ65SeLZV5c
Fotos: Jenifer Santos e Maicon Souza
06 de novembro de 2023
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)