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"Prêmio EMERJ Consciência Negra - 2023" condecora três personalidades com Troféu Esperança Garcia

A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou nesta terça-feira (21) a cerimônia do “Prêmio EMERJ Consciência Negra”, edição 2023. Três personalidades da sociedade civil, reconhecidas em suas trajetórias de vida por ações efetivas na defesa dos direitos raciais no Brasil, foram agraciadas com a entrega do Troféu Esperança Garcia.

A comenda foi conferida à: Frei David dos Santos, fundador da EDUCAFRO, ONG com mais de 30 anos de atuação e que já auxiliou cerca de 100 mil jovens pobres, especialmente negros, a ingressarem em universidades de todo o Brasil; Flávia Oliveira, jornalista de carreira renomada e premiada que contribuiu constantemente para a análise e debate de questões sociais importantes no país; e Cristine Takuá, filósofa, educadora e figura notável que desempenha papel fundamental na promoção da educação, cultura e defesa dos direitos indígenas.

A solenidade, organizada por meio do Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais, aconteceu no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão pelo Canal EMERJ do Youtube, com tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Mesa da Premiação

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A cerimônia, que homenageia Esperança Garcia, mulher negra escravizada no Brasil no século XVIII e reconhecida pela Ordem dos Advogados do Brasil do Piauí (OAB/PI) como a primeira advogada piauiense, que dá ao troféu, foi iniciada pelo vice-presidente do Conselho Consultivo da EMERJ, desembargador Cláudio Luís Braga Dell’Orto, mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), que representou o diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo: “É uma grande honra estar aqui representando o nosso diretor-geral, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo. Tenho grande orgulho de recebê-los e recebê-las aqui nesta tarde. Este é um evento transcendente”.

O presidente do Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais, juiz André Nicolitt, doutor pela Universidade Católica Portuguesa, declarou: “É uma alegria estarmos aqui para uma homenagem pessoas que tanto admiro e são muito significativas para nós e para o Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais. É a terceira edição deste Troféu e a segunda já institucionalizada, incorporada ao calendário institucional da Escola. É importante pontuarmos a importância desta construção. Em 2013, trabalhamos para a elaboração de uma resolução para termos aqui as primeiras ações afirmativas. Essas cotas foram mantidas e ampliadas mais recentemente. A cada dia damos passos no caminho da inclusão, da diversidade e do combate ao racismo. É importante a permanência desse evento no calendário, como uma forma de reflexão crítica sobre essa data importante”.

“Neste ano, o Fórum se renovou e temos agora a presença de um magistrado indígena dentre os membros. E também, pela primeira vez, uma mulher indígena será agraciada com o troféu. Isso nos dá a certeza de que estamos caminhando bem, ainda que com tantas adversidades, mas o importante é existir, resistir e continuar caminhando”, finalizou o juiz André Nicolitt.

A vice-presidente do Fórum, promotora de justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) Roberta Rosa Ribeiro, coordenadora do Fórum de Gênero e Raça da Associação do MPRJ (AMPERJ), pontuou: “Esse momento, enquanto celebração da nossa negritude e de pessoas tão céleres, é muito importante. Meu momento aqui é de gratidão. Acho que, infelizmente, o momento não é de celebração, mas de pensar os problemas e em ações. Ainda temos dados que são muito difíceis, para dizer o mínimo. Porém, o momento de hoje é um reconhecimento dos papéis que temos e de nos energizarmos”.

A membra do Fórum, procuradora do trabalho Elisiane Santos, salientou: “Agradeço à EMERJ por poder participar desta linda homenagem a essas pessoas tão importantes e relevantes para luta antirracista no Brasil”.

Premiados

A primeira premiada da noite com o Troféu Esperança Garcia foi a filósofa e educadora Cristine Takuá, que participou de forma remota e foi representada pela advogada criminalista Juliana Sanches. O presidente do Fórum, juiz André Nicolitt, realizou a entrega simbólica do troféu.

Cristine Takuá afirmou: “Falo da minha comunidade, Aldeia Rio Silveira, no litoral norte de São Paulo. É com imensa alegria que recebo esse reconhecimento das nossas lutas, das nossas semeaduras. Digo semeadura porque sou educadora, mãe, aprendiz de parteira. E nessa caminhada, venho dedicando minha vida a pulsar escolas vivas, e o reconhecimento de que os direitos, não só dos povos indígenas, mas de todos os seres que convivem nessa morada sagrada que é a Terra, que possamos viver em paz, equilíbrio e respeito. Quando recebi o comunicado da premiação, fiquei muito feliz e honrada com a possibilidade de compartilhar minhas palavras. Aqui, em meio à Mata Atlântica, nossas lutas são muitas. Enquanto educadora e mãe, venho através do pensamento buscando fortalecer também a diversidade das culturas dos povos que habitam nosso país. Viva à diversidade dos povos. Que o respeito possa ser uma semente para cada vez mais fortalecer o nosso futuro”.

Na sequência, a homenageada com o Prêmio EMERJ Consciência Negra foi a jornalista Flávia Oliveira. O Troféu Esperança Garcia foi entregue pela vice-presidente do Fórum, promotora Roberta Rosa Ribeiro.

“Já estive aqui na EMERJ para debates e trocas de ideias muito ricos, respeitosos e produtivos, na direção de pensarmos mazelas que atravessam o Rio de Janeiro: segurança pública, violência de gênero e religiosa. Me sinto em casa, em alguma medida, para receber essa homenagem. Agradeço muitíssimo. Cumprimento também a comissão da premiação pelo reconhecimento a uma liderança, uma referência indígena. É absolutamente fundamental que a agenda da construção da igualdade racial se dê também em comunhão com os povos originários”, disse a jornalista Flávia Oliveira.

A jornalista prosseguiu: “Toda vez que ouço falar em Esperança Garcia me emociono profundamente. Particularmente, me emociono hoje por estar recebendo uma premiação que leva seu nome, em uma casa do Judiciário. Esperança Garcia foi uma mulher negra pioneira no Direito, visionária e tardiamente reconhecida. Portanto, é muito importante quando casas como a EMERJ reconhecem a relevância da figura de Esperança Garcia, dando o nome dela a um troféu para reconhecer indivíduos que contribuam para a reflexão e o engajamento orgânico. Engajamento orgânico é uma expressão que define Esperança Garcia, porque sem os instrumentos formais, ela jamais se intimidou em reivindicar a justiça, o que significa que a justiça tem que ser uma agenda não somente dos profissionais da área do Direito, do Ministério Público, dos Tribunais, para ser uma agenda de cada cidadão e cidadã. Por isso, me sinto tão honrada de estar aqui recebendo esse troféu pelo meu engajamento orgânico, a partir do jornalismo e da comunicação”.

“Estamos aqui reunidos celebrando mais um mês da Consciência Negra, mais um dia nacional da Consciência Negra, cujo protagonismo não é só masculino. Temos muito a fazer para engajamento orgânico ou institucional. Precisamos construir direitos à educação, saúde, trabalho digno, liberdade religiosa, moradia, terra, segurança pública, gênero, clima. Temos todos o papel de atuar para diminuir desigualdades e mazelas e produzir efetivamente a democracia. Meu agradecimento emocionado por esse troféu, e reafirmo meu compromisso de continuar fazendo meu jornalismo para também honrar essa escolha que fizeram pelo meu nome”, concluiu Flávia Oliveira.

O terceiro condecorado da noite com o Troféu Esperança Garcia foi o Frei David Santos, que recebeu a comenda das mãos do desembargador Cláudio Luís Braga Dell’Orto.

O Frei David dos Santos frisou: “Agradeço a todos, na pessoa de um voluntário da luta do povo negro, que há muitos anos é coordenador da EDUCAFRO-Rio, o Joelson. Quero dizer que o bonito deste momento é ser corajoso e de não ter medo dos nossos erros. Esperança Garcia foi uma mulher sábia, poderosa, potente, escravizada no Piauí. Assim que ela viu novos escravos chegando, ela descobriu que aqueles novos escravos foram adquiridos ferindo normas internacionais, e ela pegou papel, escreveu petições e entregou ao governador. Como uma escrava, ela fez isso. E assim, a pessoa mais antiga do Brasil a exercer a função de advogada no Brasil, reconhecida pela OAB, não é nenhum formado em universidades de renome, é Esperança Garcia. Uma guerreira da libertação, que tem em mim a energia para dar continuidade a essa causa”.

Encerramento

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Ao final da solenidade, o advogado Relimar Santana, representante da Ordem dos Advogados do Brasil em São Gonçalo (OAB-São Gonçalo), homenageou o juiz André Nicolitt com a entrega da placa Doutor Luiz Gama: “A OAB-São Gonçalo e o Centro de Estudos Brasil-África concedem homenagem ao doutor André Luiz Nicolitt por sua luta na construção de uma sociedade sem racismo e preconceito e pelos relevantes serviços prestados na luta contra a discriminação racial, promovendo a igualdade, valorização da população negra e sua cultura, sendo um exemplo a ser admirado por toda a sociedade, devido sua garra, luta e perseverança”.

O juiz André Nicolitt destacou: “Foi uma alegria muito grande termos essas personalidades aqui agraciadas. O racismo está presente em toda parte e, às vezes, não se manifesta claramente. O mais importante é o enfretamento dele nos mínimos detalhes. Por isso essas pessoas estão aqui, porque são incansáveis nessa luta, nos mínimos detalhes e em todos os espaços”. 

“Como disse inicialmente, esse evento é transcendente. Hoje foi uma grande reflexão. Quando o Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais se propõe a elaborar um troféu que recebe o nome de Esperança Garcia, e homenagear as pessoas que se destacam entre as pessoas negras na realização desse processo de igualdade, de convivência fraterna, do que está na Constituição da República, que temos que ser um país onde a fraternidade deva prevalecer, sem preconceitos de qualquer natureza, de raça ou religião, me chama a atenção a necessidade do processo educacional. É através dele que realmente conseguiremos fazer o nosso Brasil uma nação absolutamente soberana, que consegue ultrapassar todas essas barreiras. O racismo, e todo processo de intolerância de qualquer natureza, é preso as amarras da ignorância. São essas amarras que fazem aflorar esses piores sentimentos. Quando conseguimos abrir, e esse é um processo importantíssimo que fazemos aqui hoje, buscamos superar essas mazelas por meio de um processo de educação crítica, de oferecer oportunidades. Obrigado a todos. Foi um prazer enorme e uma grande honra”, concluiu o desembargador Cláudio Luís Braga Dell’Orto.

Durante a cerimônia também houve a apresentação de um quarteto musical que brindou a todos os presentes com performances das canções “Canto das Três Raças”, “Identidade”, “Zumbi” e “Olhos Coloridos”.

Sobre Esperança Garcia

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Esperança Garcia foi escravizada no século XVIII em Oeiras, município a 300 km de Teresina, capital do Piauí. Ela nasceu na Fazenda Algodões, que pertencia a padres jesuítas, e lá, aprendeu a ler e escrever. Porém, com a expulsão posterior dos catequistas, a propriedade acabou transferida à senhores de escravos. Esperança Garcia foi então separada dos filhos e do marido e enviada a outras terras.

Revoltada com a situação a que era cotidianamente exposta, com apenas 19 anos, em 1770, Esperança Garcia escreveu uma carta em que relatava os maus tratos sofridos pelos escravizados em uma fazenda da região e reivindicava direitos ao governador. O documento foi encontrado somente em 1979 pelo historiador Luiz Mott, no Arquivo Público do Piauí. Em 2017, 247 anos após ser redigida, a carta foi reconhecida como uma petição.

Esperança Garcia foi reconhecida pela OAB/PI como a primeira advogada piauiense. Uma pesquisa realizada pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI, frutificou no “Dossiê Esperança Garcia: símbolo de resistência na luta pelo Direito”, que aponta, dentre diversas conclusões, que ao escrever a carta, ela se reconheceu e atuou como membra de uma comunidade política. Sua reivindicação era um pedido ao que lhe era de direito segundo ordenamento jurídico da época, mas também demonstrou uma ampla consciência do seu mundo e dos limites da escravidão, utilizando as ações religiosas (batismo e confissão) como argumentos estratégicos para sensibilização.

A vida de Esperança Garcia, marcada pelo inconformismo, pela luta e pela coragem de resistir contra a desumanidade da sua época, é um símbolo da constante batalha contra o racismo e pela igualdade de raça, gênero e classe social no Brasil.

Homenageados

Frei David dos Santos

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David Raimundo dos Santos, o Frei David, é natural do Espírito Santo. Na década de 60, em meio à Ditadura Militar no Brasil, inconformado com o aumento da pobreza no país tentou ser diplomata para ajudar a mudar a situação de momento. Apenas por tentar obter informações, sofreu com o racismo. Decidiu então estudar no Seminário de Petrópolis, forma encontrada para combater o sistema então vigente e fugir de uma eventual perseguição. Ainda assim, sofreu com o racismo, mas seguiu sua trajetória religiosa. Foi então, em um evento para adolescentes negros na Baixada Fluminense, que Frei David deu o passo adiante. Ao perguntar quantos, dos mais de 100 participantes, se preparava para o ensino superior, apenas dois responderam. A partir daquele momento, ele iniciou o projeto de pré-vestibular comunitário para preparar jovens pobres para disputar espaços em faculdades. Surgia o EDUCAFRO. A ONG, que existe há mais de 30 anos, segue sua missão de auxiliar jovens pobres, especialmente negros, a ingressarem em universidades de todo o Brasil. Cerca de 100 mil pessoas conquistaram suas vagas por meio do projeto. A EDUCAFRO também participou das principais lutas e conquistas do movimento antirracista, como a Lei de Cotas.

Flávia Oliveira

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Flávia Oliveira é jornalista, com carreira reconhecida, que abrange diversos campos do jornalismo, incluindo economia, política, cultura e finanças pessoais. É uma figura importante na mídia brasileira e conhecida por sua atuação em diversos veículos de comunicação. Ao longo de sua carreira, trabalhou para diversos veículos de renome, incluindo o Jornal do Commercio e O Globo, desempenhando diferentes funções, como repórter de economia, editora de suplementos especiais e colunista de negócios.

Ela também é conhecida por sua presença na televisão, como comentarista da GloboNews, onde debate temas que abrangem economia, política e cultura. O trabalho jornalístico de Flávia Oliveira é reconhecido com diversas premiações: Prêmio Esso de Jornalismo; Prêmio Fiat Allis de Jornalismo Econômico; Prêmio Ayrton Senna; Prêmio Imprensa Embratel; Prêmio Jornalismo para Tolerância da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ); e o Prêmio Elizabeth Neuffer da Associação dos Correspondentes da ONU, em reconhecimento ao seu trabalho em reportagens e séries que abordaram questões importantes, como desenvolvimento humano e inclusão digital.

Flávia Oliveira continua a desempenhar um papel significativo no jornalismo e na sociedade brasileira, contribuindo para a análise de eventos atuais e questões sociais importantes no país.

Cristine Takuá

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Cristine Takuá é uma figura notável que desempenha um papel fundamental na promoção da educação, cultura e defesa dos direitos das comunidades indígenas, especialmente no estado de São Paulo. Ela pertence ao povo Maxacali por meio de sua filiação paterna. É graduada em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP-Marília).

Após sua formação, Cristine Takuá passou por concurso público e se tornou professora na rede estadual de ensino público do estado de São Paulo, escolhendo usar sua posição como educadora para defender a educação e os direitos das comunidades indígenas. Além da carreira como educadora, é fundadora de organizações importantes, incluindo o Fórum de Articulação dos Professores Indígenas no estado de São Paulo (FAPISP) e o Instituto Maracá, entidade que promove a cultura, arte e literatura indígena. Ela também desempenha papel importante como representante no Núcleo de Educação Indígena da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e é uma das lideranças ativas na Comissão Guarani Yvyrupa.

Como professora na Escola Estadual Indígena Txeru Ba’e Kua-I, localizada na região do litoral paulista, na Terra Indígena Ribeirão Silveira, na divisa dos municípios de Bertioga e São Sebastião, leciona Filosofia, Sociologia, História e Geografia.

Assista

Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=mA9RlLNC8Rc

 

Fotos: Maicon Souza

21 de novembro de 2023

Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)