O Fórum Permanente de Direito da Cidade da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou nesta terça-feira (02) o evento “O Novo Plano Diretor do Rio de Janeiro: Avanços e Retrocessos”.
A reunião aconteceu no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura, com transmissão via plataforma Zoom.
Abertura
O presidente do Fórum, desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutor em Direito pela Uerj, afirmou na abertura do encontro: “Essa é uma questão extremamente relevante e atual”.
Os Dilemas Urbanísticos nas Audiências Públicas
O advogado José Ricardo Pereira Lira, presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB/RJ), conduziu a presidência da mesa e ponderou: “Os dilemas urbanísticos nas audiências públicas parece um tema extremamente específico, mas é bastante interessante e importante, porque a audiência pública é algo diretamente relacionado a ideia de gestão democrática da cidade, que nos remete a outro conceito, que é o de função social da cidade. É muito comum em Direito tratarmos da função social da propriedade urbana ou rural, mas a função social da cidade é também um instituto ainda em construção e extremamente relevante. No nosso Plano Diretor mereceu apenas uma única referência, quando diz que no sentido das iniciativas voltadas para a solução da habitação estaria sendo realizada a função social da cidade. A título de comparação, no caso do Plano Direito de São Paulo, de 2014, ele define claramente o conceito de função social da cidade como aquilo que ‘compreende o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, justiça social, acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento socioeconômico e ambiental, incluindo o direito à terra urbana, moradia digna, saneamento ambiental, infraestrutura urbana, transporte, serviços público, trabalho, sossego e lazer’. Ou seja, a função social da cidade como uma verdadeira realização e materialização dos direitos humanos, em última análise. Precisamos ter isso em mente, porque vai nortear o debate sobre a audiência pública”.
“A audiência pública, de alguma forma, materializa a participação popular direta no processo de produção legislativa. No Plano do Rio de Janeiro, e no de São Paulo também, não tem referência, por exemplo, a plebiscitos, referendos e leis de iniciativa popular, que são formas de democracia direta não-representativa garantidas na Constituição, que tenderão a se consolidar na sociedade brasileira a partir do urbanismo. Efetivamente, o que percebemos pelo Plano Diretor é que essa construção popular está centrada em dois pontos: os conselhos municipais e a participação do cidadão nas audiências públicas”, concluiu o presidente da mesa.
A arquiteta Valeria Hazan, coordenadora de Macroplanejamento Urbano da Prefeitura do Rio de Janeiro, destacou: “Desde o século XIX o Rio de Janeiro já teve diversos planos urbanísticos para a cidade. Estamos no terceiro Plano Diretor desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. O novo plano possui diversas premissas, uma delas é a participação popular, que acredito estar bem resolvida no texto aprovado. A revisão, iniciada em 2018 já que o plano deve ser revisto a cada 10 anos, teve mais de 40 audiências públicas, nove delas do Poder Executivo, antes do envio para a Câmara Municipal. Foram muitos debates, muitas questões em dilema nas audiências públicas. Dentre os temas que trouxeram mais polêmicas, mas que encontramos um caminho, digamos, feliz estão: ordenamento territorial; outorga onerosa; operação interligada; termo territorial coletivo; a questão das áreas de especial de interesse social; dentre outros”.
“O que esperamos para os próximos 10 anos? Estamos trabalhando com regulamentações pelo Poder Executivo, seja por decretos, seja por resoluções ou resoluções conjuntas, na fiscalização e no monitoramento e acompanhamento”, finalizou a arquiteta Valeria Hazan.
Leonardo Schneider, vice-presidente do Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro (SECOVI RIO), frisou: “Somos uma cidade verticalizada, espremido entre o mar e a montanha. Temos mais de 22 mil condomínios, com média de 39 unidades por condomínio e uma média de quatro funcionários. Isso é uma característica da cidade, a quantidade de empregados de condomínios, e é um público bastante relevante. Acho que é uma questão histórico-cultural. Em outras cidades do Brasil é muito comum se ver a terceirização, mas o Rio tem a característica do empregado do condomínio, que também é a fonte de maior despesa dos condomínios, o gasto com pessoal”.
“O mercado de vendas na cidade do Rio vem estagnado desde meados de 2017, sem nenhuma grande valorização ou salto do preço do metro quadrado. Por que isso acontece? Tivemos uma grande valorização prévia aos grandes eventos esportivos, Copa do Mundo e Olimpíada, quando a cidade recebeu inúmeros investimentos e o preço subiu muito. Após isso, vivemos um momento que chamamos de ‘ressaca’. Tivemos questões de crises econômica, política, saída de investimentos e o mercado foi muito impactado. Já o mercado de locação, vive um momento um pouco diferente, com uma retomada pós-pandemia. Temos esperança, pela confiança que temos, ainda mais com a segurança de um Plano Diretor muito bem trabalhado para os próximos anos, que este ano teremos números superiores em relação ao ano passado”, encerrou Leonardo Schneider.
O advogado Frederico Price Grechi, membro do Fórum e diretor da Federação Internacional Imobiliária (FIABCI) e da SNA, pontuou: “Em primeiro lugar, quero parabenizar o Executivo e o Parlamento pela promoção da participação popular nesse Plano Diretor. É incontestável que a oportunidade da participação popular foi efetivamente assegurada, diferentemente de 2011. Isso foi um ganho e sob todos os aspectos vai legitimar este plano. Não é o melhor plano, não existe a melhor lei, mas sob o aspecto da deliberação, houve oportunidade de ouvir a população, porque no final do dia esse plano é vertido para o bem-estar da população do Rio. Também gostaria de ressaltar o destaque da agricultura urbano. Outro avanço, com muita sensibilidade, foi o Programa de Locação Social”.
“Uma observação que realmente me incomoda, é a legislação que entra em vigor na sua publicação. Isso não pode acontecer. Temos a ideia de previsibilidade, que nada mais é que a segurança jurídica. A cidade é dinâmica, determinadas atividades não são de execução imediata, e acho que nesse ponto houve um retrocesso. Acredito que temos que criar a cultura de uma adaptação da população como um todo, do mercado, de todos os agentes da sociedade civil, para podermos compreender. Temos um debate anterior e um debate a posteriori para sua melhor compreensão e evitarmos conflitos. Precisamos de um período de vacatio estendido a toda população carioca”, concluiu o advogado Frederico Price Grechi.
Os Novos Instrumentos Urbanísticos
A procuradora do município do Rio de Janeiro Arícia Fernandes, membra do Fórum e professora da Uerj, realizou a presidência da mesa e salientou: “Esse evento é mais um momento de tentativa de construção e reconstrução da cidade, que é o que o Plano Diretor pretende fazer. Em 2019 foram dois debates realizados sobre o Plano Diretor, um no âmbito da Procuradoria do Município e outro aqui em nosso Fórum de Direito da Cidade. Deles se extraíram as principais questões, e uma das grandes felicidades de quem trabalha em prol dessas alterações ou pelo menos da norma como uma tentativa de reforma do status quo, é ver que muitas dessas questões foram acolhidas pelo nosso Plano Diretor. Esperamos que esse grande projeto coletivo de cidade efetivamente se concretize”.
O procurador do município do Rio de Janeiro Luiz Roberto da Mata, que atuou na revisão do Plano Diretor, declarou: “Pude participar da elaboração do Plano Diretor, de longe, como pesquisador da matéria em um grupo de estudo, pesquisa e extensão da PUC. Gostaria de destacar cinco pressupostos que me chamaram a atenção no âmbito do Plano Diretor. O primeiro é que esses instrumentos de regularização fundiária e urbanística estão disciplinados no próprio conteúdo do plano e de suas diretrizes, junto com uma política expressa de não remoção, uma associação de regularização fundiária e não remoção. O segundo é que o plano retrata uma relação direta entre os instrumentos de regularização fundiária e urbanística com o déficit habitacional. Outro é que em diversas oportunidades esses instrumentos estão associados ao cumprimento da função social da cidade, da propriedade urbana e rural, como um próprio princípio da política pública urbana. O quarto pressuposto é que o Plano Diretor faz referência a Lei 13.465/2017 e adota a lógica do texto, sobretudo no que diz respeito a simplificação do processo de regularização fundiária. A simplificação tem seu lado bom, mas ao mesmo tempo a simplificação da Lei 13.465/2017 deixou um pouco de lado a regularização fundiária plena, trazendo para uma maior relevância uma regularização que privilegia muito mais a titulação, independentemente de uma prévia urbanização e regularização urbanística, mas o Plano Diretor indica que as obras de infraestrutura e urbanização, vinculada à própria regularização urbanística, precede a titulação sempre que possível. O quinto, e último pressuposto, é que temos uma definição muito clara das áreas destinadas a regularização fundiária, com um protagonismo muito grande das áreas de favela, uma preocupação na definição de favela e a expressão, que me marcou muito, do direito à terra nas favelas”.
Rafael da Mota Mendonça, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutor em Direito da Cidade pela Uerj, reforçou: “Temos desde a lei orgânica e do Plano Diretor anterior o princípio de coexistência de usos na cidade e isso sempre foi um problema a ser gerido, porque ao mesmo tempo em que tínhamos esse princípio havia uma quantidade gigantesca de normas. Havia um descompasso entre lei orgânica, Plano Diretor e diversas outras leis. Um dos pressupostos desse novo Plano Diretor foi acabar com isso, trazendo um pouco da regulação de uso e ocupação do solo com efetividade. Outro exemplo de inefetividade mais concreta é que temos uma cidade seccionada por linhas de metrô e trem e fica uma cidade com dois lados. O Plano Diretor anterior já apontava que isso deveria ter uma solução, uma forma de possibilitar um reagrupamento da cidade e isso nunca saiu do papel. Avançamos um pouco nesse novo texto”.
“Todas as questões aqui apresentadas são de fato muito importante para a cidade. É um tema complexo. Se alguém não foi ouvido ou não foi atendido, a cobrança tem que ser política, sabemos que lamentavelmente é assim, a cobrança tem que ser no voto. É difícil, mas temos que dar a resposta que podemos. Digo isso de um modo geral, município, estado e país”, encerrou o desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres.
O advogado Frederico Price Grechi também compôs a mesa.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=CARAEAWMzqE
Fotos: Jenifer Santos
02 de abril de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)