Nesta segunda-feira (29), o Fórum Permanente de Segurança Pública e Execução Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveu sua 31ª reunião, com o encontro “Os aspectos sociais e jurídicos das relações das milícias com a morte da vereadora Marielle”.
O evento aconteceu de forma presencial no Plenário Desembargador Estênio Cantarino Cardozo. Houve transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
O presidente do Fórum, desembargador Alcides da Fonseca Neto, destacou em sua fala de abertura da reunião: “Comparado aos anos 80, temos alguns pontos que nos são favoráveis. Hoje, nós temos a defesa e a proteção das mulheres, a defesa da comunidade LGBTQIA+ e os Direitos Humanos tem uma importância muito maior do que nos anos 80, são pontos favoráveis. Mas por outro lado, naquela época vivíamos mais tranquilos porque não tínhamos milícias e não havia mortes sórdidas e covardes como foi a da vereadora Marielle. Na minha opinião, do ponto de vista da segurança pública, nós pioramos muito”.
Conferencistas
A promotora de justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) Simone Sibilo do Nascimento, ex-coordenadora da Força Tarefa Marielle Franco e Anderson Gomes (FTMA/MPRJ), frisou: “Somos todos cidadãos que convivemos no mesmo espaço e em uma crise de civilização. Portanto, a cada pessoa que tomba, a humanidade diminui e nós nos diminuímos como seres humanos também, precisamos pensar nisso”.
“A punição dos culpados, dos violadores dos direitos humanos, dos perpetradores, é um estandarte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não podemos esquecer disso. Punir os verdadeiros culpados pelos crimes, sobretudo de letalidade violenta, é um direito das vítimas diretas e indiretas. Isso é um dever do Estado e de todos que integram o sistema de justiça”, prosseguiu a promotora Simone Sibilo do Nascimento.
A promotora Simone Sibilo do Nascimento concluiu: “Esse crime teve muita repercussão nacional e internacional e nos exigiu a utilização de técnicas, inclusive inovadoras, para fazer frente a todas as dificuldades que é investigar o crime organizado e o crime de homicídio em contexto de organização criminosa. É muito difícil produzir provas nesses contextos. A investigação do Caso Marielle foi uma das maiores investigações do Rio de Janeiro. Foi a maior em número de pessoas interceptadas, investigadas, ouvidas e de denúncias anônimas, muitas delas para desviar o rumo das investigações. Encerro com o poeta Paulo Leminski, que disse ‘não toque na minha dor, ela é a única coisa que me sobra. Minha dor será minha última obra’. Essa dor a que me refiro, e por isso lembrei do poeta, é a dor que todas as vítimas sentem durante o processo da perda, da investigação, até o julgamento e a condenação dos culpados. Nós, que atuamos no sistema de justiça, não vamos acabar com essa dor, mas podemos fazer com que ela seja atenuada, promovendo o encontro dessas vítimas com seus direitos. Ao fazer isso, estamos fazendo o reencontro com nossa missão diária. Punir os violadores dos direitos humanos é nosso dever e dever do Estado”.
“A Marielle está pressente aqui com a gente, porque o crime que ela sofreu, todos nós sofremos em parte. Mas esse trabalho da investigação foi bastante importante e todos nós tivemos um papel essencial, como a promotora de justiça do MPRJ Simone Sibilo do Nascimento, como o professor José Cláudio Souza Alves, como estudioso e divulgador desse caso e assim como vossas excelências por até julgar e fazer com que a opinião pública entendesse o processo de Direito e a Justiça que tem que ser feita em um caso como esse. E eu como divulgadora e jornalista”, afirmou a advogada Vera Araújo, repórter investigativa do jornal O Globo.
Gisela França da Costa, professora de Direito Penal da EMERJ e doutora em Direito pela Uerj, pontuou: “A milícia é uma chaga aberta a democracia nacional. E é necessário que nós repensemos a função da segurança pública e a sua configuração constitucional em nosso país”.
“Toda a segunda fase da investigação do Caso Marielle não teria existido sem uma mudança significativa na estrutura política do país. Isso revela o poder que a estrutura miliciana tem hoje e seu impacto, porque esse foi um caso politizado desde o começo. A estrutura de segurança pública de investigação aqui no Rio interferiu diretamente nesse processo o tempo todo. Essa estrutura continua e está presente até os dias de hoje, ela se monta dentro do próprio Estado. Não é uma estrutura que vem diminuindo, pelo contrário, ela tem se ampliado e avançado muito. A estrutura miliciana garante votos, dinheiro, investimento, monopólio de bens e serviços em determinados territórios. Estamos todos expostos a influência dessa estrutura. Ou se altera as forças políticas desses grupos ou não conseguiremos nada, e quem pode fazer alguma coisa é quem está com a estrutura do poder do Estado nas mãos”, declarou José Cláudio Souza Alves, professor titular da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).
O juiz Rubens Roberto Rebello Casara, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Corpo Freudiano e doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), ressaltou: “O que tem em comum entre milícias, jogo do bicho e tráfico de drogas e assassinatos como o que vitimou Marielle? Mais do que isso, o que faz com que parte da população considere esses grupos ainda com alguma positividade, que mereça aplausos ou uma naturalização? Para mim, duas coisas se somam para que isso aconteça. Primeiro, a tradição autoritária a que estamos lançados. Chamo de tradição autoritária a crença no uso da violência para resolver os mais variados problemas sociais, com uma certa desconfiança, um ódio ao saber, com uma ode à ignorância. Há uma valorização da ignorância e uma espécie de sadomasoquismo, típico de sociedades autoritárias, em que as pessoas costumam ser sádicas com quem consideram inferiores ou tem preconceitos, ao mesmo tempo em que são extremamente submissas aqueles que consideram superiores. Isso é trabalhado por Adorno, no livro ‘Estudo da personalidade autoritária”. Segundo a racionalidade que hoje é hegemônica. Chamo de racionalidade um certo modo de ver e atuar o mundo. Hoje, essa racionalidade hegemônica trata tudo e todos como objetos negociáveis a partir de cálculos de interesses que visam exclusivamente o lucro ou obtenção de vantagens pessoais”.
A promotora de justiça do MPRJ Elisa Ramos Pittaro Neves, professora de Direito Penal e Processo Penal da EMERJ, salientou: “O crime organizado e as pessoas envolvidas, em geral, atuam da mesma forma, com extrema violência, uma promiscuidade política com agentes de segurança pública e, em alguns casos, esses grupos gozam de certa simpatia com determinados setores sociais. O crime organizado, independente de ser tráfico, milícia ou jogo do bicho, tem que ser combatido em todos os setores, em todos os momentos. O crime organizado não vê raça, sexo, direita ou esquerda, ele vê oportunidade para ganhar dinheiro, ao menos essa é a percepção que sempre tive”.
“Tem um autor que particularmente gosto muito, que é o Alexandre de Sacco. Ele fala sobre essas questões que envolvem a segurança pública e analisando o que acontece no Rio de Janeiro, ele afirma que esse controle territorial imposto pelos grupos criminosos traz algumas características peculiares. A primeira é a coerção e cooptação da população. A segunda é a imposição de um regramento social, com comportamento pré-determinado por esses grupos. A terceira é a implementação de uma narcocultura, que é extremamente preocupante. A última característica é a criação das zonas de silêncio. Nesses locais não tem Estado Democrático de Direito é a lei da força, ou cede ou morre”, finalizou a promotora Elisa Ramos Pittaro Neves.
Demais participantes
Também estiveram presentes no encontro: o vice-presidente do Fórum, desembargador Luciano Silva Barreto; a advogada Maria Margarida Ellenbogen Pressburger, vice-presidente da Comissão de Defesa da Democracia, das Eleições e da Liberdade de Imprensa do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), membra do alto comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e membra fundadora e perpétua da Academia Carioca de Direito; e o coronel reformado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) Íbis Silva Pereira, membro do Fórum e mestre em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=1_wbXNc_dkM
Fotos: Jenifer Santos
29 de abril de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)