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EMERJ promove encontro “Reconhecimento Fotográfico Racista”

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Nesta quarta-feira (26), o Fórum Permanente de Liberdade de Expressão, Liberdades Fundamentais e Democracia e o Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais realizaram o encontro “Reconhecimento Fotográfico Racista: falsas memórias e criminalização no Brasil contemporâneo”.

A reunião, organizada em conjunto com o Núcleo de Pesquisa em Liberdades de Expressão e de Imprensa e Mídias Sociais (NUPELEIMS) do Observatório Bryant Garth da EMERJ, aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Abertura

A membra do Fórum Permanente de Liberdade de Expressão, Liberdades Fundamentais e Democracia Lúcia Frota Pestana de Aguiar, doutora em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), conduziu a abertura do encontro.

Palestras

Edson Souza

O advogado Edson Souza Júnior, pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Direito pela Unesa, destacou: “Antes de ser advogado fui policial militar por 12 anos, tendo atuando em atividades de inteligência, de seção jurídica e também na corregedoria. O que pude perceber é realmente o viés discriminatório, racista, em muitas abordagens policiais”.  

“Essa obra é um manifesto, um grito de socorro de jovens negros das periferias, que sofrem diariamente com a prática racista do nosso Estado. O sistema de justiça criminal brasileiro é realmente uma máquina de moer pessoas. Esse livro parte de uma essência importante para mim, que é a empatia. Se não tivermos uma inquietude, uma empatia com o próximo, nós perdemos nossa humanidade. Se a injustiça do próximo não nos causa constrangimento, não nos afeta, nós perdemos nossa humanidade”, prosseguiu o advogado Edson Souza Júnior.

O pesquisador da UFF continuou: “Temos diversos casos no Brasil sobre essa criminalização do negro jovem da periferia. E por que essa seletividade? O reconhecimento fotográfico hoje é, como diz a professora Janaina Matida, uma porta aperta a seletividade. Dados da Defensoria Pública apontam que foram detectados, em 2020, 58 processos de reconhecimento. Dos 50 que havia informação de cor, 80% eram negros. Desses 58 processos, 86% houve prisão preventiva. Dados do Condege, de 2012 a 2020, indicam que das 90 prisões baseadas em reconhecimento fotográfico, 81% dos reconhecimentos errôneos eram de jovens negros. Uma pesquisa recente da Defensoria Pública de nosso estado também aponta que nos processos julgados no nosso Tribunal de Justiça, entre os meses de janeiro e junho de 2021, mais de 60% dos acusados eram negros. 80% dos réus absolvidos por erros no uso de reconhecimento fotográfico passaram mais de um ano presos. Eu pergunto: como se faz para devolver um dia de encarceramento? Imagine um ano?”

“O primeiro erro é que o reconhecimento fotográfico é uma prova inominada. Não há uma normatização para o reconhecimento fotográfico, então se utiliza, por analogia, o artigo 226 do Código de Processo Penal. Isso abre margem para diversas ilegalidades, porque o reconhecimento fotográfico virou uma rotina investigativa policial. Segundo, temos um problema da própria dinâmica do reconhecimento, que já começa com o policial militar, que faz um sugestionamento. A ciência cognitiva já fala sobre isso. O sugestionamento para a vítima ou para a testemunha já afeta cabalmente o reconhecimento feito na delegacia, ela é induzida a fazer um reconhecimento falho. Já temos aí uma nulidade, essa prova já está contaminada desde o início”, ressaltou o Edson Souza Júnior.

Em sequência, o advogado afirmou: “Além disso temos a questão da nossa memória. A memória humana tem um processo de formação: percepção, captação e evocação. Então, o reconhecimento, tanto presencial quanto fotográfico, precisa da evocação dessa memória. Já há estudos científicos da área da ciência cognitiva que indicam que no momento da evocação da memória, ela já vem contaminada, justamente por essas ações endógenas e exógenas, fatores internos e externos. Outro ponto que temos, como diz a professora norte-americana Elizabeth Loftus, pioneira nesse estudo, é que nossa memória é como se fosse uma Wikipédia, qualquer um pode editar. Para quem não sabe, nossa memória não foi feita para gravar, mas sim para aprender. Portanto, nossa memória é maleável, frágil, e qualquer fator externo ou interno já implica no erro do reconhecimento. Também existem as falsas memórias, que não podem ser confundidas com mentiras. As falsas memórias fazem com que as pessoas acreditem naquele fato, um fato que, em sua grande maioria, realmente aconteceu, mas por fatores externos e internos a memória original acaba modificada. Já na mentira, não. A pessoa cria dolosamente uma história. A ciência cognitiva também entende que é possível plantar ideias e conceitos racistas desde a infância na memória de um indivíduo. Sendo assim, uma pessoa adulta, que já teve essa contaminação desde o passado, já cria um pensamento, por exemplo, de que todo negro que mora na favela é criminoso. Isso já fica intrínseco na pessoa e se reflete em um eventual reconhecimento em uma delegacia”.

“Existe agora o algoritmo racista. Estamos vivendo a era digital e o algoritmo racista está aí. Muito se fala sobre o investimento em câmeras de reconhecimento. Uma proposta que faço, que pode parecer utópica, é: a criação de centrais de reconhecimento. Já existem centrais para tantas coisas na Polícia Civil, porque não fazer uma central de reconhecimento? Justamente para acabar com isso. Coloca uma equipe multidisciplinar, com psicólogos, uma equipe para participar do alinhamento dos suspeitos. Nós vivemos em uma escravidão moderna. A escravidão foi abolida oficialmente, mas na verdade os escravos não foram libertos, eles foram abandonados à própria sorte. Por isso eles tomaram os morros e hoje nós temos as favelas. Vivemos em uma escravidão moderna. As cadeias de ferro foram substituídas por cadeias sociais. Os capitães do mato, que controlavam, vigiavam e puniam os escravos, foram substituídos pelas câmeras de reconhecimento facial e a violência policial. Os ferros quentes que marcavam os corpos negros foram substituídos pela seletividade do nosso sistema de justiça criminal. Encerro com essa reflexão. Precisamos nos sentir constrangidos e mal pela injustiça com o próximo. Com empatia, talvez possamos fazer uma mudança fundamental nessa sociedade discriminatória e racista que nós temos”, finalizou o advogado Edson Souza Júnior.

A membra do Fórum Permanente de Política e Justiça Criminal Mariana Weigert, professora do PPDG-Unesa e doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), expôs: “Esse tema é imprescindível por uma série de motivos, mas principalmente porque mais da metade da população do país é negra e ainda sofre os efeitos da escravidão, é como se não tivéssemos saído dela ainda. A criminologia positiva, que surge fundamentalmente na Itália e se dissipa por outros países, encontra em um país miscigenado como o nosso uma forma muito forte de manifestar e disseminar o seu preconceito, construindo esse imaginário de criminoso”.

“Essas pessoas têm, primeiramente, o tratamento de inocência completamente afastado, porque elas são identificadas e nunca são ouvidas nos inquéritos. Elas são identificadas e, a partir dessa identificação, não se permite a elas o exercício da ampla defesa e do contraditório em um momento que deve ser célere. Essa prática deve, efetivamente, deixar de existir em nosso país”, frisou a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Rafaela Garcez, professora da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ) e integrante do Grupo de Trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre Reconhecimento de Pessoas.

Rafael Mario Iório Filho, membro do Fórum Permanente de Transparência, Probidade e Administração Pública Desembargador Jessé Torres Pereira Junior, coordenador do PPGD da Universidade Veiga de Almeida (PPGD-Uva) e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF), encerrou: “De maneira geral, o livro nos suscita e mexe em feridas importantes do sistema de justiça no Brasil e da nossa cultura jurídica, como o racismo estrutural e estruturante, marcas infelizes da nossa realidade. O livro mostra e ressalta uma série de aspectos empíricos, como a desigualdade jurídica, um aspecto que é uma marca estruturante do nosso sistema, uma permanência de Antigo Regime, ou seja, a despeito do que estabelece a Constituição, de que todos são iguais na lei e em sua aplicação, nossa república infelizmente tem leis que tratam as pessoas desigualmente, com aplicação da lei de forma desigual e com tratamento desigual, por exemplo, de todo esse aparato das autoridades como o do sistema de segurança pública brasileira com a maioria da população brasileira”.

Lançamento de livro

Ao final do evento houve o lançamento do livro “Reconhecimento Fotográfico Racista - Falsas Memórias e Criminalização no Brasil Contemporâneo”, de autoria do advogado Edson Souza Júnior.

Assista

Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=n3FbeGus1_k

 

Fotos: Maicon Souza

26 de junho de 2024

Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)