O Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero e o Fórum Permanente de Saúde Pública e Acesso à Justiça, ambos da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), promoveram nesta segunda-feira (19) o encontro “Políticas Públicas no Enfrentamento à Violência de Gênero contra as Mulheres”.
O evento foi realizado em alusão à comemoração aos 18 anos da Lei Maria da Penha, dos 30 Anos da Convenção de Belém do Pará, ao Agosto Lilás, conforme a Lei nº 14.448/2022, e ao Mês da Psicologia.
A reunião, que teve o apoio do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE) do Observatório Bryant Garth da EMERJ, aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
A presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, desembargadora Adriana Ramos de Mello, coordenadora do NUPEGRE, destacou em sua fala de abertura do encontro: “Eu sempre digo aos juízes e juízas novos que não podemos ser juízes sem querer mudar e transformar a realidade em que vivemos. É isso que as juízas Elen de Freitas Barbosa e Katerine Jatahy Kitsos Nygaard fazem nas comarcas do interior. Por isso, na coordenação, nosso olhar está muito voltado para as mulheres que vivem no campo e na zona rural. Embora o estado do Rio de Janeiro seja pequeno, ele enfrenta muitas questões, e temos comarcas extremamente violentas para as mulheres, além da falta de políticas públicas nesses locais. O Judiciário, seguindo o que determina o Artigo 8º da Lei Maria da Penha, que estabelece que a política pública para coibir a violência doméstica deve ser feita por meio de um conjunto articulado de ações com o Poder Judiciário, as áreas de segurança, saúde, educação e também com setores que trabalhem a renda, está empenhado nisso. São várias as áreas que precisam de políticas públicas, e as questões de gênero devem ser transversais e permear todas essas áreas. Pensamos neste evento para tratar de políticas públicas em duas áreas sensíveis: saúde e segurança. A saúde deve oferecer uma rede eficaz, com políticas de acolhimento às mulheres. A questão da segurança e proteção também é crucial. Destacamos esses dois eixos e trabalharemos os demais ao longo do ano, incluindo educação, empoderamento, trabalho e empreendedorismo”.
“A violência contra a mulher é um dos tipos de violência catalogados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na década de 90, a OMS começou a classificar os tipos de violência, e a violência contra a mulher está incluída em vários desses itens. Temos a violência interpessoal, que é aquela que conhecemos bem, geralmente praticada por um homem contra uma mulher, e a violência física entre pessoas. Há também a violência psicológica, que ocorre dentro de uma família ou em uma relação doméstica e que também se enquadra na categoria de violência interpessoal. Além disso, há a violência comunitária, em que grupos agem contra outros grupos. Com o advento das redes sociais, a violência cibernética tem ampliado a violência comunitária. Hoje, também vamos tratar da violência contra si mesma, como o autocídio e as autolesões, que são tipos de violência”, frisou a presidente do Fórum Permanente de Saúde Pública e Acesso à Justiça, juíza Renata de Lima Machado.
Mesa 1: A violência na atenção à saúde
A membra do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, psicóloga Maria Cristina Milanez Werner, mestra em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e especialista em Gênero e Direito pela EMERJ, palestrou: “O assédio sexual no ambiente de trabalho pode ser muito frequente. Em março de 2021, a Organização das Nações Unidas – Mulheres do Reino Unido divulgou um relatório com dados alarmantes. Segundo o estudo, 97% das mulheres com idades entre 18 e 24 anos já sofreram assédio sexual em algum espaço público no país. Os números britânicos refletem a realidade brasileira. Em 2019, a pesquisa do Instituto Patrícia Galvão revelou que, no Brasil, 97% das entrevistadas afirmaram ter sido vítimas de assédio sexual em meios de transporte e 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio sexual em espaço público. No Brasil, o assédio sexual é considerado crime pelo Artigo 216-A do Código Penal. De acordo com a lei, é considerado crime ‘constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função’, com pena prevista de um a dois anos”.
“Na semana passada, o Conselho Nacional de Saúde sediou a Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher, a qual eu tenho a honra de integrar representando o Conselho Nacional de Psicologia, e organizou uma mesa muito relevante, exatamente sobre o tema da violência contra a mulher e os impactos no Sistema Único de Saúde (SUS), com a presença da própria Maria da Penha e de especialistas. Na ocasião, Maria da Penha comentou sobre a criação de salas para atendimento a mulheres em situação de violência nos serviços de saúde. O presidente Lula sancionou em abril a Lei 2.221, que prevê salas exclusivas de atendimento no SUS. Essa medida pretende garantir o acolhimento das vítimas logo após a agressão, oferecendo atendimento adequado, privacidade, proteção e integridade física. Ressalto a importância da evolução da saúde no enfrentamento das questões relacionadas à violência contra as mulheres”, reforçou Cecília Teixeira Soares.
A psicóloga Uyara Bráz Soares, supervisora técnica de profissionais de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), declarou: “Inicio com as palavras e o conceito do sociólogo Muniz Sodré, que fala da potência do encontro. Ele afirma que a potência do encontro está na expansão e que precisamos cuidar dos encontros que nos ofertamos na vida, pois eles são potentes quando nos expandimos. Encontros que não nos levam à expansão precisam ser revistos, já que nosso tempo é tão precioso. É a partir desse lugar que quero agradecer por estar aqui hoje, pois é um encontro de grande expansão. Nós, enquanto mulheres, ao pensarmos juntas nessa expansão, eu acredito que estamos trilhando um caminho, porque, juntas, conseguimos nos fortalecer e pensar em propostas para um bem-estar e uma vida em que sejamos plenamente contempladas. Eu gosto muito de me apresentar neste lugar de mãe, pois é um aspecto que me define e que exige muito trabalho. Enquanto mulheres, muitas vezes não discutimos o trabalho envolvido na maternidade e no trabalho doméstico. E para estarmos aqui, quantas coisas precisamos coordenar? Então, é importante reconhecer esse papel que me compõe”.
A coordenação da mesa foi realizada pela membra do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, juíza Elen de Freitas Barbosa, do Juizado Especial Cível e Adjunto Criminal e de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher da Comarca de Três Rios e especialista em Gênero e Direito pela EMERJ, que concluiu: “Estamos aqui hoje em um evento com pessoas muito especiais, e é uma honra estar com vocês para comemorar os 18 anos da Lei Maria da Penha e o Mês da Psicologia. A Lei Maria da Penha está atingindo a maioridade, e pesquisas mostram que, apesar de ser uma lei conhecida por todos, infelizmente poucos conhecem efetivamente seu conteúdo. Informação é poder e salva vidas e cabe a nós trazer para a sociedade o que a Lei Maria da Penha efetivamente oferece em defesa da mulher vítima de violência doméstica. Sou uma grande entusiasta do trabalho em rede, e hoje temos nossa rede quase completa”.
Mesa 2: A humanização no atendimento às mulheres na segurança pública
A delegada da Polícia Civil Fernanda Fernandes, mestra em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Petrópolis e especialista em Segurança Pública pelo Coppead/UFRJ, expôs: “Não podemos deixar de reconhecer que os profissionais que integram a segurança pública são frutos de uma sociedade machista, patriarcal e misógina. Será que apenas as capacitações são suficientes para desconstruir o machismo? Quando olhamos para a segurança pública, é possível visualizar alguns agressores e autores de violência contra suas parceiras. Assim, começamos a imaginar o quanto é complexa a humanização no atendimento. Para pensar em humanizar o atendimento, também precisamos considerar a desconstrução dessa cultura. Talvez seja necessário repensar se apenas as capacitações são suficientes para cumprir esse objetivo”.
“Quando fiz a especialização em Gênero e Direito pela EMERJ, uma venda caiu dos meus olhos e um tampão dos meus ouvidos foi removido. Eu já era policial há muitos anos, estou na Polícia Militar há 21 anos, tendo entrado com 18 anos. Ao refletir sobre minha trajetória profissional, vejo quantas violações vivenciamos dentro da instituição e em minha vida como mulher, porque, antes de ser policial, eu sou mulher. Gostaria de agradecer por estar aqui e dizer que sinto muita alegria e responsabilidade, pois essas mulheres presentes são uma inspiração para mim. Certamente sairei daqui muito mais forte, pois, embora lutemos contra as adversidades, também enfrentamos nossas próprias dores e dificuldades. Hoje, quando falamos sobre o tema ‘Humanização no atendimento às mulheres na segurança pública’, o programa Patrulha Maria da Penha é um exemplo de como essa humanização é realizada”, disse a major Bianca Neves Ferreira da Silva, especialista em Gênero e Direito pela EMERJ e integrante do Projeto Mulheres de Atitude.
A membra do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, advogada Leila Linhares Barsted, coordenadora executiva da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia) e membra do Comitê de Peritas do Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará da Organização dos Estados Americanos (MESECVI/OEA), elucidou: “Muitas vezes, percebemos que, assim como na Justiça, na segurança pública também existem preconceitos significativos em relação à mulher negra que busca ajuda e à mulher nervosa, como se ela fosse capaz de chegar calma e controlada para denunciar uma agressão. O preconceito é um dos principais obstáculos que limitam o acesso das mulheres à segurança e à Justiça. As mulheres frequentemente se perguntam: ‘Será que o policial vai me atender bem?’ Essa dúvida e incerteza acabam afastando muitas delas de buscar assistência na área de segurança pública”.
A desembargadora aposentada Ivone Ferreira Caetano, diretora de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), destacou: “Eu não aprendi a desistir. Para chegar a ser juíza, desembargadora e corregedora das polícias unificadas, nada foi fácil, mas eu aprendi diretamente o que Deus queria que eu fizesse e qual era a minha missão. Precisamos entender que a maioria das pessoas neste mundo tem uma missão e não estaria aqui se não a tivesse. Sempre fiz questão de cumprir a missão que Deus me deu. Tive que estudar muito para firmar meus pés, desde o primário. O que eu sabia chamava a atenção das professoras. Percebia que havia uma falta de conhecimento sobre minha raça, pois, naqueles tempos, não havia nada”.
A vice-presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, juíza Katerine Jatahy Kitsos Nygaard, mestra em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Portucalense Infante Dom Henrique e especialista em Gênero e Direito pela EMERJ, ficou a cargo da coordenação da mesa e finalizou: “Esta parte do evento celebra importantes marcos na luta pelos direitos humanos das mulheres. Comemoramos 18 anos da Lei Maria da Penha, uma lei maravilhosa, considerada a terceira melhor lei de enfrentamento da violência contra a mulher. Entretanto, o Brasil, de acordo com todos os estudos, tem registrado um aumento significativo na violência contra as mulheres. Precisamos nos unir, mulheres e homens, e refletir sobre o que falta para que essa lei seja efetivamente implementada no Brasil. 18 anos é um tempo considerável para isso”.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=nj3iPwsYHnw
Fotos: Maicon Souza
19 de agosto de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)