A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou, nesta terça-feira (20), o evento “Literatura na EMERJ”, com exposição sobre William Shakespeare.
O encontro aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura e teve transmissão via plataforma Zoom com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
A desembargadora Ana Maria Pereira de Oliveira, membra do Conselho Consultivo da EMERJ e magistrada supervisora de Biblioteca e Cultura, responsável pela gestão da Biblioteca TJERJ/EMERJ Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, frisou: “A Escola da Magistratura tem tido a preocupação de unir o que, na verdade, nunca pode ser separado, que é o Direito e a Literatura. Nesses eventos, temos procurado trazer pessoas que são ligadas ao Direito de alguma maneira, mas que também fizeram essa ponte com a Literatura”.
Palestra
O expositor da reunião, advogado José Roberto de Castro Neves, membro da Galeria dos Conferencistas Eméritos da EMERJ, doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor do livro “Medida por Medida – O Direito em Shakespeare”, destacou: “Se eu puder identificar um problema do nosso país hoje é a falta de ética. É um problema muito grave do nosso país, de uma forma geral, em que todos os outros problemas se relacionam isso. E os maiores professores da ética são os valores que trazemos da família e a Literatura. Porque é pela Literatura que entenderemos os verdadeiros valores, os bons valores, e a ética será carregada nisso. Shakespeare é um maná de bons valores, de ensinamentos. Ele tinha uma ideia de ordem muito forte, do que era certo e errado, bom ou ruim. Portanto, desligar um pouco nossas vidas do WhatsApp, da televisão para falar sobre Shakespeare é sempre um prazer muito grande”.
“Tem algo que eu acho incrível, antes de entrar no tema, que é pensarmos no ano específico da história 1605. É o ano de ‘Dom Quixote’, de Miguel de Cervantes, e também é o ano de ‘King Lear’ e ‘Macbeth’, embora esse último tenha sido executado em 1606. Mas pensamos no ano específico da história 1605, supostamente largado, que ninguém sabe dele, temos algo incrível com tantas obras no mesmo ano. Só que a coisa é mais complexa. Todas as obras tratam de um tema: chegar à realidade por meio da loucura. A loucura como o filtro para chegar à realidade. Como sabemos, o engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha enlouquece por seu amor pelos livros, para depois chegar a verdade. Lear segue o mesmo caminho, enlouquece e depois encontra a verdade. E o Macbeth é outro que, pelo poder, mata o rei e enlouquece completamente”, prosseguiu José Roberto de Castro Neves.
O advogado disse em sequência: “Uma coisa que eu me dei conta, logo que entrei na faculdade, é que eu estava sendo alfabetizado novamente. O Direito tem isso, você recebe uma outra linguagem, uma outra forma de raciocínio e de pensar. Imagino que médicos, engenheiros passem pela mesma coisa. Nesse momento, comecei a ver várias coisas de Shakespeare de Direito. Uma coisa curiosa, como professor, é que comecei a perceber que, por vezes, quando a turma estava indócil, eu contava algo de Shakespeare e todos paravam para prestar atenção. Com isso, comecei a estudar mais e descobri várias coisas interessantes. Uma delas foi que Shakespeare, possivelmente, trabalhou como ajudante de um advogado, porque ele conhecia muitos temas jurídicos. Na Inglaterra, você não tinha uma faculdade de Direito naquela época, os advogados eram formados na prática e tinham irmandades, quatro guildas de Direito, as mesmas até hoje, em que a pessoa ficava aprendendo a vida do advogado, e as peças de Shakespeare eram apresentadas nesses espaços. Dois terços das peças de Shakespeare têm julgamentos, porque o julgamento era um recurso dramático extraordinário, em que se prende a atenção de todos”.
“Além dos prazeres da leitura, por que devemos ler, por que um advogado deve ler? Conhecer a si mesmo, se comunicar, interpretar melhor as coisas, compreender a humanidade. E Shakespeare é um abecedário da humanidade e a história da cultura, que é fundamental, porque a cultura permite identificar o que é bom”, continuou o conferencista emérito da EMERJ.
José Roberto de Castro Neves procedeu: “Para entender Shakespeare, é interessante entender a época em que ele viveu, uma época disruptiva, de muitas mudanças. Faço o exemplo por seres humanos. Essas grandes mudanças aconteceram em cinco esferas diferentes. A primeira é a invenção da imprensa móvel, com Gutenberg. Depois Colombo, com a ideia da viagem para as Índias pelo Ocidente. Temos, um pouco depois, Maquiavel, que escreve a forma como deve ser o governo em ‘O Príncipe’, uma obra fortíssima, que mudou a política. Depois, temos a revolução religiosa, com Martinho Lutero. Antes, a Igreja era a única fonte de saber inquestionável. E, finalmente, Copérnico, em que ele explica o movimento dos astros como se fosse um relógio, com uma racionalidade no universo, e que o homem faz parte dessa grande engrenagem. Então, no aspecto da comunicação, geográfico, político, religioso e até dos astros, tudo era disruptivo, tudo era novidade, era um mundo totalmente novo. E foi nesse contexto que Shakespeare viveu”.
“O Shakespeare nos traz coisas muito interessantes. Ele nunca nos dava respostas, por mais questões que suas peças trouxessem. Depois, mostrava que as coisas têm um motivo, tudo tem uma razão de ser. Também apresentava que não tem nada divino, as coisas não são impostas por uma divindade, as coisas acontecem de um jeito ou de outro porque o homem assim quis. Outro ponto importante é a ordem, e quando ela é desviada, surge o problema. Shakespeare é um mundo de sabedoria. Cada frase tem uma pérola. Constantemente citamos muito Shakespeare sem saber que o estamos fazendo. ‘Nem tudo que brilha é ouro’, por exemplo, é uma citação shakespeariana de ‘O Mercador de Veneza’, ‘Os ovos da serpente’ é outra, de Júlio César”, concluiu o advogado.
Comentários
O desembargador Renato Lima Charnaux Sertã, vice-presidente da Comissão de Concursos da EMERJ, ressaltou: “O que para mim vem com mais força nesse passeio sobre Shakespeare é como ele plural, como nos convida a refletir em cada passo dado e como, podendo chamá-lo de grande símbolo da Literatura, traz a relação do Direito com a Literatura. Como a Literatura, muitíssimo bem representada por Shakespeare, nos convida a refletir sobre nossa atuação”.
“Esse projeto da EMERJ é fantástico. É um projeto vitorioso, que nos permite uma viagem como essa, onde podemos ver essa conexão da Literatura com o Direito e, obviamente, essa matriz que vem no código shakespeariano, de mostrar que o ser humano é o mesmo em qualquer época, em qualquer ocasião. Antes de vir para esse evento, eu estava em uma reunião da Comissão de Gestão de Inteligência Artificial do Tribunal. Mas o que isso tem a ver? Tem tudo. Estamos falando de treinamento de linguagem. A IA nada mais é do que treinamento de linguagem. Estamos treinando máquinas para processar linguagem de uma maneira mais rápida e eficiente, sob o ponto de vista de acesso de informações. Mas a cultura, onde está? A cultura está nas pessoas. Não teremos a possibilidade de melhorar a prestação jurisdicional apenas tendo o assistente de IA, sem que, ao fim, tenhamos a cultura que está no cérebro humano capaz efetivamente de oferecer retorno à sociedade. Precisamos prestigiar, fazer com que o debate, a construção da nossa relação humana, jurídica, a construção da linguagem seja, de fato, algo que nos leve a uma sociedade melhor”, encerrou o desembargador Cláudio Luís Braga Dell’Orto, vice-presidente do Conselho Consultivo e magistrado supervisor de Tecnologia da Informação e de Licitações e Contratos da EMERJ.
Fotos: Maicon Souza
20 de agosto de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)