A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) sediou, nesta quarta e quinta-feira, a “XVII Jornada Interdisciplinar para o Ensino do Holocausto: combatendo discursos de ódio”, promovida pela B'nai B'rith Rio de Janeiro, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação.
O evento foi realizado presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura e no Auditório Desembargador Joaquim Antônio Vizeu Penalva Santos.
Abertura
“Essa jornada trata de direitos humanos e visa o combate aos discursos de ódio, que causam gravíssimas violações desses direitos. Muitas pessoas se referem à 'turma dos direitos humanos' de forma pejorativa por ignorância, pois os direitos humanos são os direitos fundamentais descritos no artigo 5º da Constituição e seus muitos incisos. Esses direitos começam com o princípio de que 'todos são iguais perante a lei', mas sabemos que, na prática, alguns são mais iguais do que outros, embora isso não devesse acontecer. A magistratura, de modo geral, procura assegurar que isso não ocorra. Estamos diariamente defendendo os direitos fundamentais, independentemente de classe social, cor da pele ou religião. Ninguém é superior ao outro por causa de sua religião, por exemplo. A jornada também visa mostrar como o nazismo se estabeleceu em um país culto e desenvolvido como a Alemanha e como, hoje, após o ataque bárbaro e covarde em Israel em 7 de outubro de 2023, com famílias inteiras sendo vítimas, Israel foi transformado em opressor e agressor, e não em vítima, uma narrativa que se repete há séculos”, destacou a desembargadora Denise Levy Tredler.
A superintendente de Avaliação e Acompanhamento do Desempenho Escolar do Estado do Rio de Janeiro Rosana Mendes afirmou: “Jornadas como essa são extremamente importantes, pois apenas aqueles que conviveram ou convivem durante muitos anos em uma família de sobreviventes sabem verdadeiramente o que foi o Holocausto. Filho de sobrevivente é, na essência, um sobrevivente também. As marcas profundas deixadas pelo Holocausto criam cicatrizes que perduram ao longo das gerações, e a geração seguinte inevitavelmente sofre e padece das mesmas dores e traumas. É essencial lembrar e reconhecer essas experiências para garantir que tais horrores nunca se repitam e para promover a compreensão e a empatia necessárias para curar e aprender com o passado”.
“Minha família possui outra orientação religiosa, mas que também resiste há milênios. Meu pai é angolano e um sobrevivente da guerra civil em seu país, que, depois disso, veio para o Brasil. Minha família sempre repete uma frase que diz: ‘a nossa história começa e termina no mar’. Isso nunca fez muito sentido para mim quando eu era adolescente, mas ao começar a explorar quem eu era historicamente, refletindo sobre as mazelas e histórias da minha família, eu sempre pensava que, apesar de tudo, minha família tem muitas coisas incríveis, e não apenas essas experiências terríveis. Não é possível que eu seja só isso. Assim, eu sempre busquei entender minha ancestralidade, reconhecendo que esse é o lugar onde eu deveria me informar para que as novas gerações pudessem contemplar aquilo que está ausente. Portanto, o nosso compromisso como Secretaria de Educação é repactuar os ensinos das histórias, das culturas e das artes”, relatou o gerente de Anos Finais da Subsecretaria de Ensino/Coordenadoria de Ensino Fundamental da cidade do Rio de Janeiro Pedro Bárbara.
O presidente da B’nai B’rith Israel Christof frisou: “O conhecimento é fundamental, pois é somente através dele que conseguimos desmitificar conceitos, quebrar barreiras e formar novas gerações. Estas novas gerações têm o potencial de renovar a sociedade com perspectivas frescas e inovadoras. Ao promover um entendimento mais profundo e crítico, o conhecimento facilita a criação de um ambiente mais consciente e reflexivo. Além disso, ele é crucial para fomentar a inclusão, a tolerância e a coexistência harmoniosa entre diferentes grupos sociais”.
“A ‘Jornada Interdisciplinar para o Ensino do Holocausto: combatendo discursos de ódio’ se apresenta como uma iniciativa fundamental que adota uma abordagem interdisciplinar. Anos atrás, havia dúvidas se a jornada era destinada exclusivamente a professores de História, mas não é, porque o ensino e a compreensão do Holocausto são importantes em diversos contextos e disciplinas. Assim, a jornada visa promover uma compreensão mais ampla e integrada, refletindo a importância de abordar o Holocausto com um olhar interdisciplinar”, finalizou a psicóloga e professora Sofia Débora Levy, diretora do Memorial às Vítimas do Holocausto do Rio de Janeiro.
Sobreviventes do Holocausto
Durante a XVII Jornada Interdisciplinar para o Ensino do Holocausto, dois sobreviventes do Holocausto palestraram para o público presente.
O sobrevivente Jorge Tredler relatou: “Cada vez que conto minha história, me emociono, mas essa é a minha missão. Através de vocês, professores, consegui chegar até os alunos, que é onde eu quero estar. Já tive muitas experiências em escolas e, quando terminava de contar minha história, muitas crianças, chorando, vinham perto de mim querendo me abraçar. Isso é maravilhoso e é o que me motiva a continuar enquanto eu puder”.
“Quando terminou a guerra, eu pensei que nunca mais haveria perseguição contra os judeus, mas vejo que o antissemitismo voltou, e voltou através de pessoas que não entendem absolutamente nada da história. Isso é o que me magoa. São aquelas pessoas que seguem cegamente o que outras dizem. É uma pena, porque eu vi os horrores da guerra”, prosseguiu Jorge Tredler.
E finalizou: “Holocausto nunca mais”.
A sobrevivente Rolande Fichberg destacou: "Gostaria de expressar minha profunda gratidão pelo convite para estar aqui hoje, representando os sobreviventes do Holocausto. Embora sejamos um número reduzido, nossa presença é vital, pois a memória histórica não deve ser apagada. Estamos aqui para assegurar que o Holocausto seja sempre lembrado, pois só compreendendo e refletindo sobre o passado é que podemos avançar com consciência e respeito. A importância de manter viva essa memória é crucial para que as lições do passado não sejam esquecidas e para que possamos construir um futuro mais justo e humano”.
Rolande Fichberg também explicou como sua família decidiu vir para o Brasil: “Nós viemos para o Brasil porque havia poucos países abertos à imigração. Meu pai foi ao cinema com meu tio e assistiu a um filme chamado ‘Meus Amores do Rio’, com Carmen Miranda. O filme mostrava as belezas do Rio de Janeiro, como o Pão de Açúcar, o Corcovado, Copacabana, o sol intenso, entre outras. Após o filme, apareceu uma mensagem da Embaixada do Brasil dizendo: ‘O Brasil está aceitando imigrantes’. Posteriormente, descobri que esse mesmo filme foi exibido em vários campos de refugiados para tentar trazer essas pessoas para o Brasil. Foi uma coincidência meu pai ter visto o filme no cinema. No dia seguinte, ele procurou a embaixada brasileira e chegamos em Niterói em março de 1947”.
Palestras
A fisioterapeuta e filha de sobreviventes do Holocausto, Mônica Schreiber, relatou o processo de sua ida voluntária a Israel após o ataque de 7 de outubro de 2023: “Quando aconteceu o massacre, eu fiquei extremamente impactada e me senti identificada com esse episódio pelo fato de ser filha de sobreviventes do Holocausto. Mas, desta vez, foi diferente porque o ataque ocorreu dentro do Estado de Israel, que foi constituído para que o povo judeu pudesse viver em liberdade, andar de cabeça erguida e fazer suas próprias escolhas. Então, no dia 9 de outubro, enviei um formulário para o Ministério da Saúde de Israel, me candidatando a trabalhar voluntariamente lá como fisioterapeuta. No entanto, Israel não é um país perfeito, e uma de suas características é ser bastante burocrático. A resposta demorou a vir, mas fui aceita com o meu currículo. Mas descobri, através de contatos no país, que não bastava essa aprovação. Eu precisava receber um convite de uma instituição, como um hospital, que comprovasse a necessidade da minha presença. Foi então que uma amiga, ex-diplomata, descobriu essa necessidade e, por meio desse contato, consegui a liberação para ir para Israel”.
A desembargadora Denise Levy Tredler, pontou: “O antissemitismo é uma forma de racismo. No Chile, o livro de Hitler é vendido normalmente. No Brasil, porém, é proibido vender símbolos e livros nazistas, pois isso não é considerado literatura. Quando uma obra apenas discrimina, é racista e dissemina ódio contra um grupo humano, isso não é literatura. Isso não educa nem informa, como toda literatura deve fazer. Ter ideias é uma coisa, ter ideias de ódio e discriminação contra um povo não é liberdade de expressão”.
Demais participantes
Também estiveram presentes na XVII Jornada Interdisciplinar para o Ensino do Holocausto: o perito criminal Nilton Thaumaturgo Rocha Júnior; os professores Fábio Koifman, Marcelo Santana, Obertal Xavier Ribeiro e Roberto Antunes; a representante da Secretaria Municipal de Educação, professora Gina Capitão-Mor; o representante da Secretaria de Estado de Educação Brunno Alves; e a atriz Clarissa Kahane.
Fotos: Maicon Souza e Jenifer Santos
22 de agosto de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)