Nesta quinta-feira (22), o Fórum Permanente de Interlocução do Direito e das Ciências Sociais da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveu o evento “A Cultura do Estupro e seus Reflexos na Legislação e no Direito”.
O encontro aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura, com transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
A abertura da reunião foi realizada pelo presidente do Fórum, desembargador Wagner Cinelli de Paula Freitas, que afirmou: “Vivemos em uma sociedade que historicamente tem atribuído às mulheres papéis de inferiorização e subordinação, e isso não é algo recente, é uma prática antiga. O caminho é mudar e alterar esse estado de coisas. Há um clamor significativo, reflexões e ações para reverter essa situação, como os movimentos feministas e sufragistas. Muitas coisas aconteceram para que as mulheres se tornem mais empoderadas. E temos uma equação: quanto mais empoderada é uma mulher, seja no plano individual ou coletivo, menos ela fica sujeita às vulnerabilidades e aos crimes. O evento de hoje nos faz refletir sobre essa questão histórica, trágica e urgente. Falamos cada vez mais sobre o problema, mas, mesmo assim, não passamos um dia sem sermos surpreendidos por algum ato bárbaro contra uma mulher, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro, pois isso não é um problema só do Brasil. Temos altas taxas de feminicídio e somos o 5º país no ranking mundial. Precisamos falar cada vez mais sobre isso e ocupar todos os espaços para sensibilizar as pessoas, porque tudo que afronta os direitos das pessoas é uma questão coletiva”.
Palestrante
Lana Lage, membra da Comissão de Segurança da Mulher do Conselho Estadual de Direitos da Mulher do Rio de Janeiro (CEDIM-RJ), professora titular aposentada de História Social na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), foi a expositora do encontro e destacou: “Por que os homens estupram? A antropóloga Lia Zanota explora essa questão ao afirmar que a conceituação do estupro é ambígua, oscilando entre a visão de um ato que constitui um crime hediondo contra a pessoa, um crime grave contra os costumes e uma visão que minimiza ou nega sua criminalidade. Ela discorre sobre a complexa relação entre a expectativa social em torno da masculinidade e o comportamento dos homens em relação ao estupro. Segundo a antropóloga, entrevistas com oito apenados por estupro de desconhecidas revelam que muitos desses homens justificam o ato com explicações como 'fraqueza' ou 'tentação do demônio', muitas vezes associada ao consumo de drogas ou bebidas alcoólicas. Esses indivíduos frequentemente percebem o estupro não apenas como um crime, mas também como um reflexo da sua virilidade. Eles acreditam que um homem deve estar sempre disposto à conquista e que sua dignidade e moralidade estão ligadas à capacidade de aproveitar qualquer oportunidade que surja, sem recusar. Portanto, Lia Zanota identifica que, para esses homens, o ato de estuprar pode ser visto como uma afirmação da 'moral de macho', um sinal de virilidade e controle. No entanto, quando a ação é negativamente representada, é associada a ceder à tentação do mal”.
A professora Lana Lage prosseguiu: “E para a antropóloga Rita Segato, professora da Universidade de Brasília (UNB), os crimes sexuais contra mulheres e meninas devem ser compreendidos como crimes de dominação, desmitificando a ideia de que o estuprador comete violência por prazer sexual. Segato afirma: “O estupro não se baseia em um desejo sexual, não é a libido descontrolada de homens; na verdade, não é sequer um ato sexual. É um ato de poder, de dominação, é um ato político. É uma forma de apropriar-se, controlar e reduzir as mulheres por meio da invasão de sua intimidade”. Ela argumenta que o estupro é um componente do sistema patriarcal, um sistema cultural, político e econômico que prevalece em diversos países. Embora apresente variações, esse sistema se baseia na dominação das mulheres, especialmente das que são vistas como moralmente suspeitas, e utiliza essa perspectiva para justificar o controle e a violência contra elas”.
Debatedores
A vice-presidente do Fórum Bárbara Gomes Lupetti, doutora em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF), frisou: “Gostaria de expressar minha gratidão, incentivo e permanente comprometimento com este Fórum, que surge da oportunidade de ter um espaço dentro do Judiciário ocupado por pesquisas interdisciplinares e democraticamente oferecido a nós, que não integramos o corpo do Judiciário, para pensar essa instituição de maneira crítica e reflexiva. Portanto, o que os desembargadores Wagner Cinelli de Paula Freitas e Cristina Tereza Gaulia estão fazendo ao valorizar a pesquisa e permitir que tragam pessoas para problematizar, criticar e refletir não é algo trivial. Isso pode contribuir para o aprimoramento das instituições. Isso parte do pressuposto de que a instituição da sociedade (o Judiciário), muitas vezes, não cumpre o papel idealmente imaginado e, frequentemente, não podemos sequer discutir isso dentro da própria instituição”.
“Nós temos uma teoria que explica que muitas das atitudes dos indivíduos são aprendidas no seu contexto, ou seja, uma reprodução do que acontece em sua casa. Por exemplo, se um pai é agressivo, isso pode influenciar o comportamento dos filhos. No entanto, não estou dizendo que necessariamente todo filho de um pai agressivo, que agride e violenta a esposa, se tornará também um agressor. Essa relação não é automática, mas existe um contexto que pode influenciar o indivíduo a adotar determinado comportamento. Da mesma forma, pode ocorrer o oposto: o indivíduo pode entender que tais ações são bárbaras e erradas, e decidir não reproduzi-las. Portanto, quando falamos sobre criminologia, tudo é possível em termos de influência”, afirmou o membro do Fórum Cléssio Moura de Souza, doutor em Criminologia pelo Instituto Max-Planck e pela Universidade de Freiburg.
A membra do Fórum Inara Flora Cipriano Firmino, mestra em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da USP, também compôs a mesa de debate.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=Qd1WQHAuj9o
Fotos: Jenifer Santos
22 de agosto de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)