A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou nesta terça-feira (3) o encontro “Descriminalização da Maconha: Aspectos Médicos e Jurídicos”.
A reunião, em homenagem ao desembargador Índio Brasileiro Rocha, aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
O desembargador Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes, declarou em sua fala de abertura do evento: “Gostaria de começar agradecendo a presença do desembargador Índio Brasileiro Rocha. Estou no Fórum há muito tempo, desde que era estudante, depois como advogado, defensor público, juiz e desembargador. Desde, pelo menos, 1985, acompanhei a carreira brilhante do desembargador Índio Brasileiro Rocha. Ele sempre foi uma pessoa de coração enorme e decidiu sempre de forma técnica, jurídica e atenta aos direitos sociais, como um verdadeiro juiz: técnico, preciso, justo, que busca o ideal de Justiça e de imparcialidade. Isso é algo que precisamos resgatar no Poder Judiciário. A carreira do desembargador Índio Brasileiro Rocha honra a magistratura e serve como uma lição para todos nós”.
Aspectos médicos e neurológicos causados pelo uso da cannabis
O desembargador Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes presidiu a primeira mesa do debate.
“Os Estados Unidos e o Canadá foram os dois países que, literalmente, legalizaram a maconha nos últimos anos, o que gerou um aumento no número de usuários. Hoje, os Estados Unidos têm cerca de 44% da população que já consumiu maconha e aproximadamente 25% que a utiliza regularmente. Recentemente, um estudo americano revelou que o uso de maconha é mais frequente e em maiores quantidades do que o de álcool. Assim, a maconha se tornou a droga socialmente mais utilizada não só pelos jovens, mas também pela população em geral. Esse fenômeno tem um impacto significativo na saúde mental. A maior indústria de maconha legal está localizada no Canadá e é a mesma que tenta expandir seus mercados para o Brasil. Infelizmente, acredito que estamos seguindo o caminho americano e canadense, com uma provável expansão do mercado e do número de consumidores de maconha no Brasil. No entanto, é importante destacar que essa tendência não é global. Nem todos os países estão legalizando a maconha. Na China, no Japão, nos países árabes e nos países escandinavos, isso não está ocorrendo. O mundo está claramente dividido em relação às políticas sobre drogas, e acredito que essa é uma questão que merece nossa atenção. Como professor de psiquiatria, vivencio e testemunho o impacto das drogas nos indivíduos e nas famílias. Não posso enfatizar o suficiente o quanto o uso de drogas afeta essas vidas”, reforçou Ronaldo Laranjeira, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Phd em Psiquiatria pela Universidade de Londres.
A promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e debatedora da mesa, Cláudia Barros Portocarrero, ressaltou: “Causa-me certa perplexidade o fato de, após termos enfrentado uma pandemia que nos levou entes queridos e desestruturou toda a ordem mundial, e depois de exaltar tanto o respeito à ciência — que deve, de fato, ser respeitada —, nós não estarmos ouvindo a ciência agora. Onde ficou esse discurso? Por que não estamos ouvindo a ciência? Onde ficou o discurso sobre a quantidade, questão que inclusive gerou divergências entre os próprios ministros? Essa é a minha perplexidade. Não trago respostas, apenas algumas reflexões, pois estou vendo pouquíssimas reflexões sobre muitos temas. A mim não cabe afirmar se a maconha pode ou não causar dependência química, ou se vale ou não a pena legalizá-la. Primeiro, porque não sou legisladora. Segundo, porque não sou autoridade médica e não tenho competência para tal. Sou apenas uma operadora do Direito e aplico-o conforme determina a lei. O doutor Ronaldo Laranjeira disse: ‘Quem sou eu para falar de leis? Eu não tenho a menor condição, sou apenas um médico’. Eu digo: quem somos nós para falar sobre dependência química se não somos médicos? É apenas essa reflexão que gostaria de trazer hoje”.
Aspectos jurídicos e econômicos na liberação da maconha
A promotora de justiça do MPRJ Elisa Ramos Pittaro Neves, destacou: “Se pretendemos descriminalizar o uso de drogas, é fundamental que, durante o período de descriminalização, a atuação do crime organizado seja reprimida ao máximo. Caso liberemos o uso e não combatamos o tráfico e outras ramificações econômicas trazidas pelo crime organizado, estaremos fortalecendo-o. Cada vez mais, vejo como o crime organizado diversifica suas atividades criminosas. Inicialmente, adotou o modus operandi das milícias, cobrando taxas de moradores e controlando serviços essenciais. Atualmente, expandiu para um vasto esquema de roubo de carga”.
O secretário de Segurança Pública do Estado do Rio Victor César Carvalho dos Santos, delegado da Polícia Federal (PF), salientou: “Quando falamos sobre drogas e traficantes, é comum imaginar que a droga seja a única e exclusiva fonte de receita para eles, mas isso já não é verdade há muito tempo. Portanto, a ideia de que a liberação da droga geraria uma atividade econômica benéfica para o Estado é uma ilusão. O bem jurídico tutelado pela Lei de Entorpecentes é a saúde pública. Até hoje, não vi nenhum estudo que comprovasse que os benefícios fiscais e a renda que o Estado obteria superariam o mal que as drogas causam aos usuários e, consequentemente, sobrecarregam o sistema de saúde pública. É necessário avaliar o impacto econômico da liberação das drogas sob essa perspectiva. Deve-se considerar que é dinheiro público investido e que a saúde pública deve atender a todos. Existe uma lei milenar, a da oferta e demanda: só há quem venda porque há quem consome. Portanto, entendo a decisão do STF como um incremento na demanda por drogas. A narrativa de que a liberação das drogas traria benefícios para todos não tem amparo legal ou apoio da comunidade acadêmica médica. A droga faz mal, como é evidenciado pelas portarias do Ministério da Saúde, que determinam se uma droga é permitida, controlada ou proibida, e não pela legislação. Concordo em parte que a prisão do usuário não é o caminho; ele precisa de tratamento”.
“Muitos dos usuários que buscam a facilidade da maconha têm, em grande parte, um quadro psiquiátrico que antecede o uso. Eles procuram uma substância barata e acessível para controlar a ansiedade e outros problemas mentais pré-existentes. Isso ocorre porque há uma cultura que entende que o desequilíbrio emocional não deve ser tratado por um psiquiatra e não exige que se procure um médico para avaliar o quadro mental. Isso me preocupa”, concluiu a advogada e debatedora do painel, Luciana Pires.
Homenagem
Durante a reunião, o desembargador Índio Brasileiro Rocha foi homenageado com a entrega de uma Medalha EMERJ de reconhecimento por sua trajetória e atuação e declarou: “Gostaria de manifestar a minha alegria em estar nesta casa, onde passei uma parte muito importante da minha vida como desembargador aposentado. Hoje, volto com imensa alegria a convite do desembargador Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes, que, com uma alta dose de generosidade, se propôs a realizar este encontro e proporcionar-nos este momento. Para mim, esta homenagem é uma oportunidade de retornar a esta casa para rever os amigos e manter o contato com aqueles que se interessam pelos grandes temas da Justiça brasileira”.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=Euav35LZjVU e https://www.youtube.com/watch?v=V633LZXDaDU
Fotos: Jenifer Santos
03 de setembro de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)