O Fórum Permanente de Diálogos do Judiciário com a Imprensa da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou nesta quinta-feira (26) o evento “Poder Judiciário, Imprensa e Democracia”.
O encontro aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Joaquim Antônio de Vizeu Penalva Santos, com transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
Ao dar início ao encontro, o presidente do Fórum, desembargador Fernando Foch, conferencista emérito da Escola Superior de Guerra (ESG) e mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), destacou: “É absolutamente oportuno tratarmos deste tema hoje, pois temos, de um lado, um regime que pretende ser democrático conforme nossa Constituição, e, do outro lado, vivemos na era da pós-verdade, na qual imperam as fake news, o ódio e a desconstrução das instituições democráticas. Isso, evidentemente, interessa à imprensa e ao Judiciário. A Constituição do Brasil contém o seguinte preâmbulo: ‘Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil’. É claro que isso não é uma norma e trata-se de um programa e de um preâmbulo programático. Os preâmbulos programáticos indicam, portanto, o compromisso que a Constituição assume.”
Em seguida, a vice-presidente do Fórum, juíza Flávia de Almeida Viveiros de Castro, doutora em Direitos Humanos pelo Instituto Ius Gentium de Coimbra, declarou: “Reflito sobre o compromisso. Qual é o compromisso que o Poder Judiciário e a imprensa têm com a democracia? Qual é a origem desse compromisso? Como ele se materializa no dia a dia e nas tarefas que devem ser desempenhadas por ambos? Porque não é só o Poder Judiciário, que é um dos poderes do Estado e um poder público; a imprensa é o chamado quarto poder e deve estar ao lado da sociedade. Esse compromisso nos remete a um compromisso com valores, e é isso que muitas vezes falta na formação do magistrado. Não que eles não tenham valores, mas a questão filosófica e ética fica muito superficial na formação, cedendo espaço para uma formação mais técnica, focada na lei. Vez ou outra, esquecemo-nos dos valores e do nosso compromisso. Onde estão os valores e o compromisso que sustentam as funções de ambos? Estão na Constituição. Não precisamos ir muito longe; a dignidade da pessoa humana é um compromisso do magistrado e da mídia, e ambos devem zelar pela preservação dessa dignidade. Quando falamos sobre Judiciário, imprensa e democracia, uma coisa que deve ser muito destacada é que a democracia pressupõe crítica, oposição e saber ouvir aqueles que estão de outra corrente política e filosófica. É isso que nos sustenta”.
Palestrantes
O jornalista e advogado Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), reforçou: “Eu gostaria de começar lembrando que a ABI é conhecida como a casa do jornalista, mas, mais do que isso, a ABI é a casa da democracia. Ela tem as portas abertas para todas as lutas e todos os movimentos sociais. Acredito que hoje temos um público jovem acompanhando o evento, e é importante ressaltar que já vivemos no Brasil um período autoritário. Minha geração viveu quase um terço da vida sob a ditadura militar, e isso afetou diretamente nós, jornalistas, e a imprensa brasileira. Alguns jornais deixaram de existir por pressão da ditadura militar. O caso mais famoso e mais sério é o do jornal Correio da Manhã, que era um importante jornal de classe média do Rio de Janeiro, com grandes jornalistas e articulistas. Esse jornal, que era dirigido na época pela viúva do proprietário, foi violentamente perseguido a partir de 1965, quando percebeu que o golpe militar não era uma aventura rápida, mas que, na verdade, mergulhou o país numa longa noite. Assim, o Correio da Manhã começou a combater a ditadura e foi sufocado financeiramente. Seus representantes chegaram a ser presos e tiveram que se desfazer do jornal. É importante que se saiba que esse período foi marcado pela censura à imprensa, e, nas noites, oficiais do exército chegavam às redações para checar o noticiário e, com canetas, riscavam o que a ditadura considerava que não poderia ser publicado”.
“Gostaria de falar sobre a alegria, a emoção e, sobretudo, a esperança em diálogos com esta vocação. É uma honra estar aqui participando deste evento, e estou muito orgulhosa de escutar esse compromisso tão firme com a democracia, com o Estado de Direito e com os Direitos Humanos. Portanto, como dever funcional, costumo dizer que, no Estado de Direito, o direito da força deve ser detido pela força do Direito. A força do Direito deve triunfar, e quem faz com que isso aconteça é o Poder Judiciário, que é o poder desarmado da República e faz com que uma caneta possa ser triunfante em face de tanques, balas e facas. Quero expressar minha alegria de estar aqui para compartilhar algumas reflexões sobre o tema da reunião. Ao abordar a compreensão do contexto da liberdade de imprensa na nossa região, é importante ressaltar que ela traz como marca os desafios estruturais e é a mais desigual do planeta. De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), quase 34% da população na América Latina vive na pobreza e 15% na pobreza extrema. A desigualdade e a exclusão impactam de maneira desproporcional povos indígenas e a população afrodescendente. Sob a lente interseccional, meninas e mulheres sofrem formas agravadas de discriminação, e somos a região mais violenta do mundo”, frisou a ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA), Flávia Piovesan, professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Universidade de Buenos Aires e da American University e doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos pela PUC-SP.
Debatedores
O jornalista Jorge Antônio Barros, ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo de 1986, 1988 e 1994, fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), consultor da ONG Rio de Paz, assessor de imprensa do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ) e especialista em Gestão de Crises de Imagem e Reputação em Direito para Jornalistas pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-Rio), destacou: “Eu quero agradecer o convite e a grande oportunidade de estar presente em um Fórum com a jurista Flávia Piovesan de quem eu sou um grande fã e que aqui deu uma grande aula. Vocês puderam observar a capacidade dela de fazer uma analise bem fundamentada do ponto de vista jurídico. E eu destacaria da fala do amigo Octávio Costa, pessoa que eu admiro muito também, o depoimento que ele deu aqui de grande valia para a memória da imprensa, do Judiciário e, sobretudo, da ditadura. “Não podemos esquecer o que aconteceu durante a ditadura militar. Esse debate que estamos fazendo hoje sobre o Poder Judiciário, a imprensa e a democracia se tornou premente”.
O membro do Fórum, jornalista Geraldo Mainenti, diretor financeiro da ABI e mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), ressaltou: “A transparência não pode ser exigida apenas pelos jornalistas e seus veículos, ela precisa estar presente nas próprias ações jornalísticas, porque é legal e, acima de tudo, ético. Esse é um recado que gostaria de dar, um pouco na contramão do que foi falado aqui, para reflexão de todos nós. Muitas vezes, nós, jornalistas, não refletimos sobre nossas ações e estamos sempre refletindo sobre a ação do outro e condenando-a. Não ouvimos o que dizemos sobre nós e não trazemos para dentro a autocrítica”.
O membro do Fórum, advogado Armando de Souza, pontuou: “Continuo firme em achar que um dos maiores desafios neste momento é justamente encontrarmos um jeito de convencer uma parcela da sociedade de que ela tem o direito de exercer o direito constitucional de se indignar. E, para isso, o papel e a importância do Poder Judiciário e da imprensa são enormes. Fico estarrecido com o fato de a pessoa ser lesada e não fazer nada. As pessoas estão se acostumando com o fato de serem lesadas, de não reagir e de se conformar. Quando se fala que a democracia esteve ameaçada, na verdade ela não esteve; a democracia está ameaçada, e temos que estar atentos a isso, porque são muitos os desafios”.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=8s2s3BhNiXQ
Fotos: Jenifer Santos e Maicon Souza
26 de setembro de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)