Nesta segunda-feira (23), o Fórum Permanente de Inovações Tecnológicas da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveu o evento IA Generativa e Engenharia de Prompt.
O encontro aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
O membro do fórum e professor titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), desembargador Humberto Dalla, ressaltou: "O objetivo deste nosso encontro de hoje é tratar de ‘IA Generativa e Engenharia de Prompt’. Muito se tem falado atualmente sobre essa interação com os motores de inteligência artificial, que se multiplicam e já fazem parte do cotidiano de todos, como o ChatGPT, o Gemini e diversas outras ferramentas disponíveis. Entretanto, algumas questões éticas e técnicas precisam ser analisadas com mais cuidado, e hoje abordaremos algumas delas. A primeira é a interação e a delegação de um ato decisório para um motor de inteligência artificial. Também discutiremos as novas regras da Comunidade Europeia, publicadas agora em junho, que tratam da aplicação concreta dos guias conhecidos como 'arcabouço de inteligência artificial da comunidade europeia', com determinações recentemente detalhadas por uma portaria."
O vice-presidente do fórum, juiz Fábio Ribeiro Porto, pontuou: "Tenho certeza de que todos hoje serão brindados com uma temática de extrema importância e relevância para o mundo atual. Precisamos discutir essa coconstrução, pois há muito tempo sustento que a inteligência artificial generativa é um super assessor qualificado, mas, como o próprio nome diz, é apenas um assessor: pode auxiliar, mas jamais substituir. Para que possamos explorar ao máximo as capacidades produtivas das novas tecnologias, a interação é indispensável. Não podemos fazer um comando único e achar que está bom; trata-se de um processo de coconstrução, uma etapa que não é linear, podendo ter diversos caminhos e ser adequada de várias formas. Por isso, é fundamental entendermos como construir prompts de maneira eficiente e qual é a melhor forma de interagir, sendo a abordagem agregativa a mais adequada, aquela em que se agrega valor à tecnologia, na qual a pessoa expõe suas necessidades e dialoga com a máquina."
O presidente do fórum, professor adjunto de Processo Penal da Uerj, juiz auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF) e magistrado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), Anderson de Paiva Gabriel, destacou: “Me parece que as escolas no futuro não vão mais fazer bancos de sentença, talvez façam bancos de prompt para sentenças, denúncias ou petições iniciais, e insisto para mantermos a consciência de que as ferramentas tecnológicas são ferramentas e não devem, em nenhum momento, substituir o ser humano. Uma petição inicial subscrita por um advogado foi escrita por um advogado, ainda que tenha sido utilizada IA em sua confecção; uma sentença, ainda que tenha contado com auxílio, em algum momento, de inteligência artificial ou alguma outra tecnologia, é uma sentença daquele juiz. Penso eu que não cabe eximimos responsabilidade, seja de qual operador do Direito for, porque contamos com o uso de IA em algum momento.”
1º Painel – A IA Generativa como Auxiliar Qualificada do Profissional do Direito
O desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) Luiz Octávio Saboia salientou: "Quando falamos em acesso, nos referimos à capacidade que nós, magistrados, estudantes de Direito e profissionais como um todo, devemos ter para compreender como a inteligência artificial funciona e opera atualmente. Essa, ao que me parece, é a grande dificuldade que hoje norteia parte da advocacia e da magistratura. Ainda não compreendemos que o papel do juiz precisará ser redefinido, na medida em que a inteligência artificial não nos substituirá, nunca estará em nosso lugar, mas possibilitará sempre um diálogo interativo. E é justamente aí que reside o ponto crucial: os assessores que não possuírem capacidade para utilizar essas ferramentas serão substituídos, não por uma inteligência artificial em si, mas por outros assessores que saibam operar essas ferramentas de modo mais assertivo.”
O secretário-geral da Secretaria-Geral de Tecnologia da Informação (SGTEC) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Daniel de Lima Haab, reforçou: "A inteligência artificial como um todo, e não apenas a generativa, que está muito em evidência a partir do ChatGPT, representa uma transformação comparável à revolução cognitiva que alterou a estrutura do cérebro humano há cerca de 70 mil anos e permitiu que o Homo sapiens alcançasse o estágio em que se encontra hoje. É uma revolução similar à agrícola, à descoberta do fogo e à prensa de Gutenberg. Assim como a prensa, mas de forma exponencialmente maior, a inteligência artificial é capaz de produzir efeitos extremamente positivos e também extremamente negativos, tanto na disseminação de conhecimento correto quanto de informações incorretas, como já observamos em alguns processos eleitorais, nos quais o viés de confirmação divide opiniões em polos opostos. Estima-se que, até o próximo ano, cerca de 90% do conteúdo on-line será gerado por inteligência artificial, uma projeção muito significativa. Além disso, está previsto para o próximo ano o lançamento do primeiro roteiro de cinema inteiramente escrito por inteligência artificial, com cerca de 100 pessoas envolvidas apenas na função de orientação do sistema."
A professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e presidente da Comissão de IA da Ordem dos Advogados do Brasil da Bahia (OAB/BA), Maria Clara Seixas, proferiu: "Eu acredito que já passamos há muito da fase de pensar ou discutir se devemos ou não usar a tecnologia, se o juiz deveria utilizá-la no seu dia a dia, se a advocacia deveria ter acesso a essas ferramentas e empregá-las tanto no relacionamento com o cliente quanto, eventualmente, na produção das peças processuais. Para mim, essa discussão já está ultrapassada. Acredito que o ponto central agora é: como vamos lidar com a tecnologia? A fluência tecnológica já deixou de ser um diferencial. No passado, profissionais que dominavam bem as ferramentas tecnológicas se destacavam. Hoje, isso já se tornou um requisito de legitimidade no exercício da função. Sempre digo que deixar de usar a inteligência artificial não é apenas uma escolha baseada em eficiência, embora falemos muito sobre isso, mas sim uma questão de evitar ineficiência. A IA trouxe uma nova medida de produtividade. Se um juiz produzir, hoje, a mesma quantidade de sentenças que produzia na era pré-inteligência artificial, provavelmente começará a ser considerado ineficiente no cenário atual."
A primeira mesa do encontro foi presidida pelo desembargador Humberto Dalla.
2º Painel - A Relevância da Engenharia de Prompt para o Uso Eficiente da IA Generativa
O juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE) Faustino Macedo relatou: “Hoje, a gente vive uma nova era, em que o banco de sentença deu lugar a uma necessidade mútua de compartilhamento de prompts. O prompt vem não mais como uma peça auxiliar ou um modelo que contém uma solução já definida para questões postas. Na verdade, o prompt, hoje, se a gente observar é uma nova linguagem operacional do conhecimento, nós estamos compartilhando conhecimento de uma maneira totalmente nova, é uma linguagem operacional diferente. É nesse contexto que a EMERJ sai na frente, a gente não está só em um evento ou webinar de ‘IA Generativa e Engenharia de Prompt’, a gente está falando do primeiro evento do judiciário brasileiro para tratar especialmente da Engenharia de Prompt; isso é mais que um seminário, é um marco histórico.”
O juiz do TJMT Vinicius Galhardo destacou: “Hoje, me parece que a nossa preocupação tem que ser focada não só em difundir conhecimento sobre criação de prompt, mas principalmente em construir a nossa base de conhecimento ou, como eu gosto de chamar, construir o segundo cérebro ou o cérebro digital. Isso era imaginável há algum tempo e hoje a gente já tem tudo isso graças à inteligência artificial.”
E, ao fim de sua palestra, concluiu: ”Qual a nossa função quanto ao Judiciário? Entregar a tutela jurisdicional de forma célere, acho que gente tem que pensar na IA, em como eu posso usar a IA para que o judiciário atinja a finalidade de entrega da tutela jurisdicional.”
O juiz do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) Carlos Eduardo Camillo salientou: ”Lembre-se: a responsabilidade é sempre do magistrado. Se o magistrado está utilizando a IA de forma incorreta, a responsabilidade vai recair sobre ele.“
E prosseguiu: “Nós somos juízes, nós decidimos vidas e para isso temos que ter responsabilidade no que fazemos. Nem todo magistrado vai ter que ser um engenheiro de prompt, mas, aquele magistrado encarregado da tecnologia da informação, deve ter autoconhecimento na Engenharia de Prompt. Agora, soluções de inteligência artificial, como o ASSIS do TJRJ, não requerem para o operador um autoconhecimento da Engenharia de Prompt, basta o magistrado saber o básico para poder utilizar a ferramenta de inteligência artificial do TJRJ, que é uma ferramenta excepcional. Nós não precisamos ser engenheiros formados em prompt, mas o conhecimento nós temos que ter.”
O diretor de Inovação e Ensino da Smart3, Walter Aranha Capanema, relatou: “A gente deve ter como um princípio fundamental o chamado Human-in-the-loop, ou seja, ter o ser humano como o item fundamental da IA, ou seja, tudo que é feito pela IA é analisado. Por isso, que o CNJ coloca o uso proibido de IA de ferramentas que não permitam uma análise humana.”
E prosseguiu: ”A inteligência artificial pode ser uma aliada da inovação ou uma cúmplice do abuso. Tudo depende de quem escreve, do que escreve e de como o sistema responde.”
A presidência da mesa ficou à cargo da desembargadora do TJRJ Katia Jangutta.
3º Painel – IA Generativa e a Engenharia de Prompt: A Interdisciplinaridade Crescente do Direito
O professor da Universidade de Montreal, no Canadá, Cristiano Therrien destacou como podemos utilizar a inteligência artificial generativa para se pensar o Direito em vários aspectos a partir da pesquisa e apresentou diferentes ferramentas para isso.
O advogado, doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-chefe de Gabinete da Presidência do STF, Gabriel Soares da Fonseca, ressaltou: “A interdisciplinaridade, que é o tema da nossa mesa, é crucial. Por exemplo, há alguns movimentos, tanto na UNB quanto na USP, de disciplinas como Direito Computável, que colocam as faculdades de Engenharia e de Direito para trazer questões normativas deontológicas para os programadores, mas também um aspecto prático de como funcionam e como esses sistemas são desenvolvidos.”
O promotor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) Pedro Mourão proferiu: “Quando a gente fala de Inteligência Artificial hoje, fala de modelos de propósito geral, mas quando a gente fala de Engenharia de Prompt e Direito, destaco dois fatores: primeiro, a tentativa de extrair conteúdo de grandes volumes documentais, de forma legítima e confiável e, de outro lado, trabalhar na camada de aplicação, que é o prompt, o entendimento desses documentos para a formulação de um juízo valorativo, esse é o contexto.”
A advogada, LLM pela Georgetown University Ana Sofia Monteiro Signorelli concluiu: “O prompt nada mais é do que a gente aprender a dar contexto, e dar contexto não para outro ser humano, mas para uma máquina.” Em seguida, enfatizou: “A Engenharia de Prompt vai fazer com que os operadores do direito se obriguem a fazer esse movimento de aprender a dar contexto, a traduzir bem e, às vezes, até a relembrar conceitos que a gente acha que sabe do Direito, mas que talvez não soubesse com tanta profundidade assim.”
A presidente da Comissão de IA da OAB/RJ, Graziela Bonfim, finalizou: “O Direito e a interdisciplinaridade são uma via de mão dupla. Nós hoje vivemos em um ecossistema digital, onde o sistema jurídico, as plataformas tecnológicas, banco de dados, algoritmos e inteligências artificiais precisam conversar entre si. Só que isso exige muito mais que um diálogo entre essas áreas, precisa de interoperabilidade. Essa interoperabilidade, dentro de um contexto jurídico, é a capacidade de integração desses sistemas de linguagens, que são humanas ou tecnológicas, a fim de trabalharem juntas de uma forma segura e eficiente; significa integração de dados jurídicos, com dados sociais, econômicos, ambientais, para que nós cheguemos a decisões mais justas e mais contextualizadas.”
A última mesa da conferência foi presidida pelo membro do fórum João Sergio dos Santos Soares Pereira.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=pkqX-9JHTew e https://www.youtube.com/watch?v=TSpciMjhHiM
Fotos: Jenifer Santos
23 de junho de 2025
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)