Nesta segunda-feira (30), o Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveu o evento Ela Sempre Esteve Aqui: A Experiência Democrática na Perspectiva do Povo Negro.
O encontro aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
O encontro foi aberto pelo presidente do fórum e doutor pela Universidade Católica Portuguesa (UCP), juiz André Nicolitt, que declarou: “A tecnologia de opressão aplicada na ditadura militar tem raízes. Por isso que eu digo que a escravidão negra é a chave analítica da história universal, na verdade, ocidental.”
A vice-presidente do fórum, coordenadora do Fórum de Gênero e Raça da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (AMPERJ), promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) Roberta Rosa Ribeiro, enfatizou: “O nosso evento vem a partir da provocação de um youtuber que, na forma de uma crítica construtiva, apresentou uma falha em relação a aquele trágico episódio que é retratado no filme [Ainda Estou Aqui], de como essa experiência da população negra é uma experiência que, desde a invasão do Brasil por Portugal, vem se renovando dentro desse racismo que é vivenciado pela população negra, se renovando em situações de violações.”
A membra do fórum, mestra em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), promotora de Justiça do MPRJ Marcela do Amaral Barreto de Jesus Amado, frisou: “A gente está aqui construindo um espaço muito importante, e eu estou muito feliz com todos os nossos palestrantes. O poder do racismo, para mim, é justamente ele entrar na nossa cabeça e falar para você, todos os dias, que você é inferior, que você não pode, que você não consegue, que isso aqui não é para você. De todas as tecnologias que o racismo adota, ocupa, abraça, essa é a mais poderosa, porque nos coloca em um lugar de impotência.”
Palestrantes
O engenheiro, jornalista e produtor cultural Dom Filó ressaltou: “Eu acredito que o letramento racial a partir dos anos do Black Rio fez com que diminuísse o gap. O que foi para mim aos 17, 18 anos, a galera com 14 e 15 anos já estava entendendo. Eles já se entendiam como negros, e isso foi fundamental. Nós buscamos as referências no afro-americano, buscamos a estética, as músicas, shaft... Criamos a nossa noite do shaft, só que nós ressignificamos o contexto do afro-americano.”
E finalizou: “Em 1988, a gente vai para as ruas e somos parados pela repressão policial, em frente ao Ministério do Exército, próximo ao monumento de Zumbi dos Palmares, e ouvimos bem forte Nós vamos caminhar até onde o racismo deixar, de Amaury Mendes Pereira, aquele militante, hoje professor doutor. Um grande militante que está aqui. Ainda estamos aqui, nós ainda estamos aqui e estamos aqui na oportunidade de dizer para vocês, de corpo presente: ‘olha, foi isso que aconteceu e ninguém está dizendo por nós, são as nossas narrativas contadas por nós mesmos’.”
O escritor, jornalista e doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Alberto Medeiros pontuou: “Nós continuamos com uma série de problemas de discriminação em várias áreas e, fazendo uma metáfora médica, para que uma pessoa se cure de uma doença grave é preciso que ela reconheça a existência dessa doença para poder tomar a medicação necessária. Nós temos visto que, aos trancos e barrancos, nossa sociedade tem começado a reconhecer a existência desse problema [racismo], o que pode nos propiciar esse otimismo. Nós temos muita coisa a fazer, mas nós estamos no caminho.“
A professora de História na Educação Básica pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) e doutora em História Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Marize Conceição de Jesus, salientou: “A gente não pode nunca deixar de entender que esse processo e luta é um processo contínuo que atravessa toda a história desse país e que cada liderança, cada organização negra ao longo dessa história vem construindo aquilo que a gente hoje consegue, de certa forma, usufruir.”
E prosseguiu: “A gente precisa refletir sobre a relação entre a democracia brasileira e protagonismo negro na luta por direitos e como a pauta negra é urgente, porque ela é a pauta da maioria da população brasileira. Como pensar a pauta negra dentro dessa democracia? E se a gente for pensar em questionar essa democracia, qual democracia, se o tempo todo a elite buscou aniquilar os saberes, espiritualidades, filosofia, modo de ser e de ver e de fazer da comunidade não branca. Então, quando a gente pensa nessa tentativa de apagamento, que ficou tão latente nas nossas pesquisas, quando vamos pesquisar a ditadura militar, a gente sabe também que esse apagamento se deu durante toda a história do Brasil. É importante estar sempre demarcando isso.”
A historiadora e mestra em História Comparada pela UFRJ Gabrielle Abreu finalizou: “O racismo também fez parte da base político-ideológica da ditadura militar. Por mais que ele seja muito pouco debatido pela historiografia, o racismo também tem lugar nesse arsenal de valores e ideologias que a ditadura usou para mascarar essa legitimidade, essa necessidade de atuar e se consolidar no Brasil. Então, a perspectiva adotada naquele momento era de defesa incontestável do mito da democracia racial, dessa ideia de que no Brasil não há racismo e não há tensões de cunho racial e, usando esse discurso, a ditadura interditou de várias formas as discussões de raça e racismo no país, partindo da premissa de que seria um tema patrocinado e introjetado por comunistas e dissidentes, a fim de promover uma cisão racial. Diante de casos de racismo, que obviamente não deixaram de existir no período da ditadura militar, o regime alegava que se tratavam de circunstâncias pontuais, que não retratavam a maneira como as relações raciais se davam no país. O antirracismo, que ganhava força desde o período do pós-abolição orientado por diferentes matizes, foi frequentemente descredibilizado e desmoralizado pela ditadura.”
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=jkHD10R6fk0
Fotos: Maicon Souza
1º de julho de 2025
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)