Nesta quarta-feira (13), o Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, o Fórum Permanente dos Direitos Humanos e o Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE), todos da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), realizaram o encontro Direitos Humanos e o Acesso à Justiça: Uma Análise do Caso Acari.
O evento aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
A presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, doutora em Direito Público e Filosofia Jurídico-Política pela Universidade de Barcelona e professora do Mestrado Profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), desembargadora Adriana Ramos de Mello, pontuou: “É uma alegria poder estar aqui em mais um encontro proposto pela EMERJ, em um evento conjunto entre o Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, o Fórum Permanente dos Direitos Humanos e o Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia, onde vamos abordar Direitos Humanos e o Acesso à Justiça: Uma Análise do Caso Acari. Lembrando que o Brasil foi responsabilizado internacionalmente, através de uma sentença prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, pelo desaparecimento forçado de onze jovens na favela de Acari. É claro que gostaríamos de estar aqui celebrando avanços na pauta dos direitos humanos, mas, infelizmente, nós ainda nos vemos em uma situação bastante complicada, sobretudo no direito de acesso à justiça, porque sabemos que muitas pessoas enfrentam barreiras e obstáculos no seu direito de acesso à justiça. O caso da favela de Acari é bastante representativo da demora do Judiciário brasileiro, mas não apenas do Judiciário, e sim de todo um Sistema de Justiça, incluindo as polícias civil e militar, a Defensoria Pública e o Ministério Público.”
O presidente do Fórum Permanente dos Direitos Humanos da EMERJ e mestre em Cidadania e Direitos Humanos: Ética e Política pela Universidade de Barcelona, desembargador Caetano Ernesto da Fonseca Costa, destacou: “O evento de hoje me chama atenção em dois sentidos. O primeiro, acredito que essa discussão acerca do chamamento de hoje tem um sentido simbólico muito forte por ser realizada aqui dentro da EMERJ e, como nós sabemos, a Escola é o braço acadêmico do Poder Judiciário no estado. Eu acredito que, de alguma maneira, o Poder Judiciário tenta abraçar todos aqueles que sofreram com a perda daqueles onze jovens. O segundo ponto é que o evento traz para o futuro uma projeção e a possibilidade de uma reflexão dos juízes, desembargadores e de todos que trabalham na área do Direito sobre a questão principal que está sendo discutida aqui, que é o acesso à justiça, dentro de uma reflexão sobre aqueles que são discriminados, seja pela raça ou pela condição social.”
Palestrantes
A pesquisadora da Enfam e juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) Ana Claudia Gomes de Melo reforçou: “Eu queria agradecer o convite feito pela EMERJ. É uma honra estar aqui para conversarmos sobre esse caso tão marcante, mas que não é um caso isolado. É um caso que aconteceu em 1990, mas que ecoa até os dias de hoje, porque continuam acontecendo situações semelhantes. O nosso trabalho, intitulado Entre a Dor e a Resistência: O Caso Acari e a Urgência de uma Justiça Interseccional, faz um exame crítico da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma decisão bem recente. Nós analisamos a sentença quanto à pertinência e à aplicação dos protocolos de julgamento com perspectiva de gênero e raça do Conselho Nacional de Justiça e também em relação à Recomendação nº 44/2023, que é o pacto do Judiciário pela utilização de uma linguagem simples. As principais violações indicadas na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos foram: a violação ao direito à vida, à liberdade e à integridade pessoal (arts. 3, 4, 5 e 7 da CADH); a violação dos direitos da criança (art. 19 da CADH); a falha na investigação e punição dos responsáveis, caracterizada pela morosidade processual; o uso de estereótipos de gênero, raça e classe nas investigações; e a violação à Convenção de Belém do Pará, por não prevenir e investigar violência contra mulheres.”
A juíza auxiliar da presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN), especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), Ana Paula Barbosa dos Santos Araújo Nunes, salientou: “A nossa proposta, no trabalho de pesquisa O Caso Acari e a Comunicação Estatal Excludente, é justamente um avanço e uma análise interseccional dos diversos preconceitos, transformando os protocolos de gênero e racial, assim como a recomendação de linguagem simples, em um guia de procedimento unificado. Isoladamente, o Conselho Nacional de Justiça avançou muito e temos que parabenizar por isso, pois, sem ele, muitas mudanças não teriam ocorrido, mas, isoladamente, não representa o suficiente. É necessária uma abordagem realmente integrada entre os protocolos e a própria recomendação de linguagem simples, para que, juntos e integrados em uma única matriz, eles possam realmente trazer resultados que combatam as diversas sobreposições e discriminações. Muitas vezes, uma mulher negra sofre preconceito por ser mulher, por ser negra e, muitas vezes, por ser de classe baixa ou por não ter uma comunicação considerada adequada. Essas diversas discriminações devem ser combatidas, e só serão efetivamente enfrentadas se houver um procedimento que reconheça a interseccionalidade e essas múltiplas sobreposições. O Judiciário não pode ser um agente reprodutor de discriminações, ele deve ser um agente transformador.”
Debatedora
O presidente do Fórum Permanente de Direito Penal, desembargador José Muiños Piñeiro Filho, proferiu: “Eu sou magistrado há 17 anos, mas venho do Ministério Público, onde atuei por 25 anos, principalmente em tribunais do júri. Foi no 2º Tribunal do Júri que atuei como promotor em duas chacinas: a da Candelária, ocorrida em 23 de julho de 1993, e a de Vigário Geral, em 29 de agosto de 1993, na qual 21 pessoas foram mortas. Eu conheço bem esses dois casos e, por conta deles, fui designado para falar na Organização dos Estados Americanos, na Corte Interamericana. Não fui o promotor do caso da Edmea, que conheci, porque ocorreu no 1º Tribunal do Júri, e depois veio o caso da Sheila. Essas mães, a partir de 1992, com o caso Daniela Perez, começaram a comparecer ao 2º Tribunal do Júri, em um gesto de afeto com Glória Perez, e continuaram presentes após os casos de Candelária e Vigário Geral. Houve, assim, uma aproximação, e eu convivi com várias mães de Acari, embora não tenha sido o promotor do caso, mas a convivência surgiu por conta dos julgamentos de Candelária e Vigário Geral, porque as mães de Acari se faziam presentes. Sentíamos a tristeza das mães que não sabem o que aconteceu e que não puderam enterrar seus filhos. A década de 1990 ficou marcada por grandes chacinas e violências: em 1990, em Acari, jovens que até hoje não se sabe exatamente o que ocorreu, e o Estado tem a obrigação de dar uma resposta formal; em 1993, as chacinas da Candelária e de Vigário Geral; em 1994 e 1995, Nova Brasília; e, em 1996, Corumbiara e Eldorado do Carajás.”
A coordenadora programática da ONG Criola e doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mônica do Sacramento, ressaltou: “A ONG Criola, ao longo dos seus 32 anos de existência, olha para o Poder Judiciário como um propulsor de transformações. Ainda que lentas, morosas e deficitárias, nos deparamos com situações em que uma resolução ou resposta demora 35 anos para alcançar onze famílias que tiveram violentamente suas trajetórias biográficas atravessadas e interrompidas. Mesmo para aqueles que permaneceram vivos, as trajetórias permanecem interrompidas, sem respostas, sem resolutividade, sem possibilidade de atuar e sem uma certidão que comprove o que aconteceu de fato com esses jovens. Entendendo que é movendo essas peças e construindo discussões, debates e provocações que se gera mudança, Criola, uma organização negra fundada e dirigida por mulheres negras até hoje, mulheres que frequentemente não são olhadas pela sociedade brasileira, produz conhecimento e demonstra que é preciso transformar a realidade. Ao longo de toda a trajetória da Criola, essa tem sido a preocupação central, e cada vez que nos deparamos com essas injustiças, isso se torna uma missão institucional.”
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=CGMg6NJSyV0
Fotos: Jenifer Santos
13 de agosto de 2025
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)