Nesta quarta-feira (13), o Fórum Permanente da Criança, do Adolescente e da Justiça Terapêutica da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou o segundo dia da X Semana de Valorização da Primeira Infância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e da V Semana Estadual de Valorização da Primeira Infância.
O evento aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Painel I
A doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Jussara Nascimento dos Santos destacou: “Ao meu ver, existe uma lacuna, um déficit, quando a gente pensa em alguns corpos, e quando eu trabalhava no acolhimento institucional de crianças e adolescentes de São Paulo, percebi o quanto existe uma seletividade de corpos protegidos desde a primeira infância. Eu enquanto professora, coordenadora pedagógica e educadora de bebês e crianças pequenas, percebi que algo que é muito vital para a vida dos sujeitos pequenos, que é o colo, o afeto, não era distribuído democraticamente. Eu, então, escrevi Democratização do colo: Educação antirracista para e com bebês e crianças pequenas. A democratização do colo é um convite e uma convocação para os educadores e as educadoras pensarem práticas antirracistas de janeiro a janeiro na educação infantil. E algumas perguntas são feitas: você distribui democraticamente afago em cabelos crespos e lisos? Você democraticamente olha nos olhos azuis e castanhos de pessoas que têm maior ou menor concentração de melanina? Quais são os nomes ditos de bebês e crianças quando chegam? Quais são aqueles que são chamados ou tratados exclusivamente com apelidos, talvez, pejorativos?”
A psicóloga e doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Júlia Muniz de Alvarenga, salientou: “Quando coloco infâncias e adolescências no plural é porque, infelizmente, ser criança e adolescente por si só não garante que irá viver a infância e a adolescência. Então, é um privilégio viver a infância desse lugar, dessa atenção e cuidado que é direcionado. Então, crianças e adolescentes trans estão inseridos nisso, são questões específicas que atravessam, essa experiência de infância, às vezes com muito mais desigualdades que direitos, e é importante a gente olhar para essa questão.“
E prosseguiu: “É um desafio ainda pensar uma rede com todos os órgãos e equipamentos que compõem o sistema de garantias de direito, um desafio ainda que a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) vem, ano após ano, indicando que faz um levantamento sobre a população trans, vem, ano após ano, denunciando ausência de políticas públicas para crianças e adolescentes trans e, não só isso, a gente está vendo uma diminuição da faixa etária quando são dados de assassinatos de pessoas trans. Tem pessoas jovens trans morrendo que não estão acessando isso. Tem um programa de atenção especializado em saúde da população trans, que foi apresentado nesse último governo, mas que até hoje não foi assinado, que é chamado Paes Pop Trans. Isso é muito importante, porque esse documento previa o atendimento à criança e ao adolescente trans, então, essa não assinatura prejudica.”
A diretora-executiva do Instituto Vidas Negras com Deficiências Importam (VNDI) e criadora do @umapretaautistafalando, Luciana Viegas Caetano, declarou: “Quando a gente olha para crianças com deficiência, a gente precisa tirar o olhar médico e clínico e passar ao olhar social. Isso faz a gente questionar de forma mais efetiva o que é abuso e o que é terapia.”
Luciana Viegas Caetano prosseguiu: “Deficiência não é sobre a falta, deficiência é sobre adversidade humana e por que a gente entende que deficiência é sobre falta? Porque a gente tem um olhar clínico sobre a deficiência, falta saúde, falta alguma coisa, falta uma perna, falta andar, é sempre a falta sobre um padrão que existe.“
E concluiu: “As crianças com deficiência, na maior parte do tempo, têm vergonha de ter deficiência e estão o tempo todo tentando se parecer com uma criança sem deficiência porque a sociedade, os terapeutas e as famílias pedem isso, e todo mundo pede isso. O que me questiono, e gostaria de fazer essa reflexão com vocês, é até quando a gente vai submeter essas crianças a esses tipos de pensamentos, a essas infâncias? A dignidade humana é tirada quando a gente submete crianças e adolescentes com deficiência a essa ideia de que eles não pertencem a lugar nenhum, ou que eles são anjos inalcançáveis, tão inocentes, tão longe.”
A psicóloga do TJRJ e mestra em Políticas Públicas e Formação Humana pela Uerj, Tatiana Oliveira de Moreira, foi a responsável pela mediação do painel.
Painel II
O doutor em Saúde Pública pela Fiocruz e integrante da Coordenação Colegiada do Fórum Maternidades, Uso de Drogas e Conveniência Familiar, Gilney Costa Santos, frisou: “Quando a gente fala em redes, o tema das redes, e principalmente, essa interface entre redes de cuidado e garantias de direitos, é um tema que nos convoca a refletir sobre questões estruturais que empurram mulheres e crianças, como diria Fanon, para a zona do não ser, mas que ao mesmo tempo exige também de cada um de nós individualmente e de cada um de nós dentro de uma coletividade. A gente tem uma tradição dos estudos sobre maternidade de mulheres em situação de rua em um contexto internacional que emerge em 1950, mas esse tema no Brasil ganha corpo a partir do advento do plano Crack. É possível vencê-lo no contexto de 2010, quando começa a haver muitas maternidades de mulheres em situação de rua e os profissionais de maternidade começam a se questionar o que a gente tem em termos de política, o que oferece e o que vai fazer com essas mulheres que estão se reproduzindo.“
A assistente social do TJRJ e especialista em Atendimento a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Doméstica pela PUC-Rio, Gisele Bernardo da Silva, ressaltou: “Nós estamos em uma sociedade que o filho é da mulher, é assim que é visto e ela é obrigada a ficar com o filho, entregar nunca foi um direito. A lei e os valores não andam de maneira coesa e unidos. O valor de que a mulher que entrega é uma má mãe e que está equivocada ainda é algo forte e continua. Nos atendimentos, é óbvio que ela se sentia constrangida e julgada, então foi importante isso estar configurado em lei.”
A assistente social na Maternidade do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) e mestra em Política Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Nirelle Rodrigues Marinho, relatou: “A adoção precisa ser vista como produto de processos sociais que violam especialmente os direitos das meninas, mulheres e pessoas que gestam, e precisam ser questionadas. Por mais que a gente entenda todas essas questões que estão por trás, a entrega legal para adoção é um direito.“
A mediação foi de responsabilidade do psicólogo Raum Batista, coordenador técnico do Serviço Social Internacional Brasil/ABTH.
Demais participantes
A psicóloga do TJRJ Eliana Olinda Alves também esteve presente no evento.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=vtV0PlaNvCA
Fotos: Mariana Bianco
13 de agosto de 2025
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)