Nesta segunda-feira (22), a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou a terceira reunião do Fórum Fluminense de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (III FOVID-RJ).
O evento, promovido pelo Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da EMERJ, pelo Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE) da EMERJ, pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Coem/TJRJ), pela Escola de Mediação (Emedi/TJRJ) e pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Antônio Carlos Amorim, no Palácio da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Mesa de Abertura

A presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da EMERJ, desembargadora Adriana Ramos de Mello, coordenadora do NUPEGRE e da Coem, destacou: “É com grande entusiasmo e compromisso que damos início ao terceiro FOVID-RJ, um espaço de reflexão, aprendizado e articulação entre especialistas e autoridades, sociedade civil e representantes de outras instituições, como a Defensoria Pública e o Ministério Público. O tema é muito relevante: tratar da questão das mulheres e do enfrentamento da violência contra elas nos convoca a avaliar o que foi conquistado até aqui e, mais importante, a traçar novos rumos e caminhos para o enfrentamento dessa problemática que afeta milhões de mulheres em nosso país e no mundo. Esse evento é um momento significativo: 2025 marca os 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, um dos marcos mais importantes no reconhecimento e no enfrentamento da desigualdade de gênero globalmente. A Plataforma representou um compromisso de governos, organizações internacionais e das mulheres em erradicar a violência contra a mulher.”
A presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (Cocevid), desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) Nágila Sales Brito, reforçou: “Esse evento traz temas de extrema relevância social e jurídica, como o impacto da violência cibernética, a violência psicológica e seus efeitos na vida das nossas meninas e mulheres. Há um número crescente, aqui na Bahia, de estupros de vulnerável praticados principalmente por pais, tios, vizinhos e pessoas próximas, pois pensamos que o estuprador é um monstro, mas, na verdade, o estuprador é alguém do convívio da criança e do adolescente. Nós estamos assoberbados com esse tipo de problema. Vivemos em uma sociedade cada vez mais conectada, em que o espaço virtual tornou-se uma extensão do espaço público. Entretanto, as mesmas ferramentas que democratizam a informação e ampliam a participação social têm sido, lamentavelmente, instrumentalizadas para a prática de violência, perseguição e opressão.”
O presidente do XVII FONAVID, o juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE) Francisco Tojal, salientou: “Eu carrego, assim como todos vocês que estão presentes aqui hoje, um compromisso de lutar pela construção de um mundo livre de violências contra mulheres e meninas. Um compromisso porque, quando uma mulher morre, nós sabemos que toda a sociedade falhou. Foram 1.492 feminicídios no ano passado, 107 no estado do Rio de Janeiro, infelizmente nesta cidade maravilhosa, que um dia também já foi a minha casa. A minha emoção aqui hoje é ainda maior porque eu também já fui aluno da EMERJ, então, voltar para falar desse tema, que é uma das minhas missões de vida, no espaço que faz parte da construção da minha história, é duplamente motivo de emoção. Nós estamos aqui para refletirmos juntos e unidos sobre o que podemos fazer individual e coletivamente.”
1º Painel: O Impacto da Violência Cibernética na Vida de Mulheres e Meninas

A membra da Coem e juíza Luciana Fiala de Siqueira Carvalho proferiu: “Os valores de gênero estão evidenciados no campo da saúde, especialmente da saúde mental. Há uma necessidade de questionar a medicalização e a biologização da doença. Os profissionais de saúde devem romper com esse enfoque medicalizante e adotar a integralidade e a humanização no tratamento e na assistência. É importante analisar as relações de gênero para ampliar o debate sobre o sofrimento psíquico, prioridade na saúde, escutar, acolher e apoiar as vítimas. E, finalmente, chego nos caminhos: quais são as possibilidades de alcançarmos uma internet mais justa? Legislação, aprimoramento dessa legislação, responsabilização das empresas, que devem agir com transparência nas políticas de moderação e monetização. Temos que falar também da regulação das Big Techs, diante da necessidade de transparência com foco nos direitos humanos.”
A coordenadora do projeto Protocolo Eu Te Vejo da Vara da Infância e Juventude e do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc/TJRJ), juíza Vanessa Cavalieri, relatou: “Hoje, o Instagram é um grande shopping center: ou estamos consumindo algo para comprar ou, se não estamos comprando nada, nós somos o produto. A nossa atenção é o produto vendido no Instagram e, desde que a plataforma se tornou isso, o suicídio de meninas de 10 a 14 anos aumentou 200%. Isso ocorre porque, quando uma menina de 13 anos chega ao Instagram e começa a curtir vídeos de gatinhos fofos, ela passa a receber do algoritmo conteúdos de anorexia, de magreza excessiva, de cirurgias plásticas, skincare, maquiagem. E é por causa dessa destruição da autoestima das meninas que elas são aliciadas nesses grupos de misoginia. Para quem quiser entender melhor a relação entre o uso do Instagram e o suicídio de meninas, recomendo o artigo do The Economist: ‘Suicide rate for girls are rising. Are smartphones to blame?’.”
O primeiro painel do III FOVID-RJ foi coordenado pela coordenadora de Projetos Especiais da Coem e vice-presidente do XVII FONAVID, juíza Camila Rocha Guerin. A debatedora da mesa foi a coordenadora de Promoção de Equidade Racial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ), defensora pública Luciana Mota.
2º Painel: A Importância da Perspectiva Racial na Aplicação da Lei Maria da Penha

A presidente da Comissão Preventiva de Enfrentamento do Assédio Moral e Assédio Sexual de 1º Grau do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Maranhão (TRE/MA) e membra do Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA), juíza do TJMA Luana Santana, salientou: “O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial é de aplicação obrigatória em todo o Poder Judiciário brasileiro. Mas por que abordar a questão racial em uma palestra sobre gênero? Nós precisamos ter esse olhar interseccionalizado, mas, antes, para explicar, vou falar do princípio da igualdade. Entendemos esse princípio numa perspectiva formal, que é quando eu olho duas pessoas e preciso tratá-las de forma igual. Esse é o princípio clássico que conhecemos. Mas há uma visão tríplice do princípio da igualdade. Esse princípio comporta mais duas outras visões e vertentes: o princípio da igualdade numa vertente material, que muitos aqui sabem, e que exige entendermos as desigualdades sociais de raça, gênero, cor, religião e orientação sexual. E há ainda uma outra perspectiva, que é a igualdade como reconhecimento, uma terceira vertente desse princípio, que consiste em entendermos a identidade daquela pessoa.”
A coordenadora do Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem/DPERJ), defensora pública Thais dos Santos Lima, destacou: “Esse Sistema de Justiça embranquecido, como vai poder compreender, validar e julgar com equidade experiências de violências que assolam essas mulheres? Eu pretendo dialogar um pouco com vocês sobre como o racismo opera de forma estrutural a partir da inação: se não fizermos nada, o racismo permanece e perpetua as desigualdades históricas. Para começar, precisamos desnaturar esse conceito de branquitude, que é uma construção socio-histórica. Em uma sociedade estruturalmente racista como a nossa, a branquitude não é apenas cor de pele; ela é um lugar de poder e privilégios. E é a partir desse lugar que é preciso se reconhecer quando se está nele, pois também serão estabelecidas as normas e padrões universais em relação ao outro. Ele é um padrão que é, inclusive, hierarquizado.”
A coordenação do painel ficou a cargo do membro da Coem e juiz Andrew Francis dos Santos Maciel. A debatedora do painel foi a membra da Coem e juíza Katia Cilene da Hora Machado Bugarim.
3º Painel: Prevenção à Violência Doméstica: Caminhos e Desafios

A desembargadora Adriana Ramos de Mello pontuou: “A gente tem observado que as mulheres quilombolas, sobretudo as mulheres que não moram em quilombos urbanos, têm muita dificuldade de acessar os serviços, não apenas o serviço de saúde e de educação, mas também o acesso à justiça. Muitas delas nos relatam que têm que caminhar muito, uma distância muito grande, para poder acessar um fórum, uma delegacia, e isso vem impactando diretamente na vida dessas mulheres.”
A presidente da Associação de Turismo Étnico do Turismo de Base Comunitária (TBC) de Armação de Búzios e diretora de Cultura da Acquilerj, Elizabeth Fernandes, relatou: “Nós somos ameaçados dentro do nosso território constantemente. Eu fui ameaçada de morte dentro do meu território e tive que sair. Fiquei com o apoio dos direitos humanos. Muitas vezes, temos que diminuir nosso território para evitar até mesmo o conflito externo e também interno.”
E finalizou: ”Cada quilombo é diferente, mas as lutas são as mesmas. É luta para permanecer no seu território, luta para conseguir ficar ali... Quando você é quilombola, tem o seu sentimento de pertencimento quilombola, carrega a história dos ancestrais ao modo de vida de fazer e de viver. Esses são os quilombolas do Brasil e do estado do Rio de Janeiro.”
A mesa contou com a coordenação da juíza e coordenadora do Interior do Estado da Coem, Elen de Freitas Barbosa. Para a função de debatedor, a mesa recebeu o juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE) Francisco Tojal.
4º Painel: Violência Psicológica e sua Caracterização: Lançamento do IAVP – Instrumento de Avaliação de Violência Psicológica

A assistente social e de Coordenação e Incidência Política da ONG Criola, Danielle Moraes, reforçou: “Hoje, eu vim para dialogar um pouco sobre a perspectiva da violência psicológica das mulheres negras, cis e trans, e olhar para essa violência não só como uma violência direta, mas também como único ponto de violência que atravessa todas as outras violências, porque todas as outras violências têm possibilidade de construir sofrimento psicológico, seja violência patrimonial, física, sexual, vicária... Todas elas, em algum nível, vão atravessar a violência psicológica, e ela pode se dar tanto como ato de forma direta ou como produto de outras violências. Mas quando a gente fala de mulheres negras, está falando de algo muito específico, que tem um contexto em que, de início, elas experenciam a violência psicológica enquanto pessoas excluídas e marginalizadas da sociedade no acesso a bens e direitos e também no acesso à justiça.”
E completou: “As mulheres negras são maioria em todas as notificações de violência e todas acumulam mais de um registro de violência, seja físico e psicológico, seja físico e sexual.”
A juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luciana Lopes Rocha, proferiu: “Nós, de fato, ainda temos uma longa estrada para vermos o que são as estratégias de violência psicológica perpetrada pelos autores de violência e aqui a gente destaca que esse crime não é um crime só no contexto da violência doméstica e familiar. Houve uma grande valorização do direito penal, trazendo esse crime como exercício de poder contra as mulheres no Código Penal. Então, além de ser um crime contra a mulher em situação de violência, ele também é um crime de gênero, um crime de exercício de poder introduzido no artigo 147.”
A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e especialista em Gênero e Enfretamento à Violência contra a Mulher, Valéria Scarance, ressaltou: “A violência psicológica tem sido uma das violências mais noticiadas nas pesquisas. No último ano foram quase 52 mil relatos de violência psicológica. Mas por que nós não temos 52 mil processos? Porque eu, como promotora de justiça, não tenho tantas denúncias de violência psicológica. Na mesma intensidade que essa violência psicológica acontece, ela é também sutil, invisível e específica. Eu costumo dizer o seguinte: a violência psicológica é a única violência absolutamente individualizada. A lesão é muito padronizada, é o olho roxo, o ataque ao feminino... O feminicídio é padronizado, o estupro é padronizado; a violência psicológica, não. A violência psicológica está relacionada aos dons ou às vulnerabilidades daquela pessoa específica.”
O último painel do dia contou com a coordenação da juíza e coordenadora da Baixada Fluminense da Coem, Érica Bueno Salgado. A função de debatedora do painel foi ocupada pela vice-coordenadora da Coem, juíza Katerine Jatahy Kitsos Nygaard.
Ao fim do painel, ocorreu o lançamento do Instrumento de Avaliação de Violência Psicológica (IAVP).
Oficinas Temáticas Restritas aos Convocados(as) e à Equipe Técnica
Plenária
Após as oficinas temáticas, foi realizada uma plenária para votação dos enunciados aprovados nas oficinas.
Encerramento
O presidente da Cogen – 1º grau, desembargador Wagner Cinelli, reforçou: “É uma felicidade estar aqui, mas, ao mesmo tempo, a gente está tratando de um tema muito forte e árido: a violência doméstica. A violência contra mulher é um tema trágico, histórico, importante e é um tema mais do que urgente.”
Também estiveram presentes no encerramento do encontro a desembargadora Adriana Ramos de Mello e a juíza e coordenadora do Interior do Estado da Coem, Elen de Freitas Barbosa.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=KOC4hAS1-1k, https://www.youtube.com/watch?v=ZgV-57OR71U, https://www.youtube.com/watch?v=n1t10HW1PHE e https://www.youtube.com/watch?v=waIxVzVhWMM
Fotos: Jenifer Santos
22 de setembro de 2025
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)