O Conselho Consultivo aprovou por unanimidade a instauração do Fórum Permanente de Direito da Antidiscriminação da Diversidade Sexual da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). A oficialização ocorreu por meio da portaria nº 64/2023, assinada pelo diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, publicada na edição desta quarta-feira (07) do Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Rio de Janeiro (DJERJ/TJRJ).
“A criação do Fórum Permanente de Direito da Antidiscriminação da Diversidade Sexual é um momento de resgate da cidadania, do respeito às diferenças na forma como consta em nossa Constituição Federal. A discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero tem tomado conta de diversas demandas perante o Poder Judiciário, seja por questões de ofensa ou propriamente criminais, e já consta em resoluções do Conselho Nacional de Justiça [CNJ] e decisões do Supremo Tribunal Federal [STF]”, afirmou o diretor-geral da EMERJ.
“Esse fórum irá ajudar a sociedade a refletir mais e diminuir a discriminação através do conhecimento. O conhecimento ilumina a treva do preconceito. Que esse fórum possa iluminar as mentes e que, de uma vez por todas, isso deixe de ser uma questão de sofrimento e passe a ser uma questão de aceitação de todos. As questões jurídicas referentes à essa temática precisam ser tratadas, estudadas e debatidas, independentemente das opiniões pessoais e morais de cada um. Afinal, como já diziam os romanos, onde está a sociedade, lá estará o direito”, finalizou o desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo.
O novo fórum, presidido pelo juiz Eric Scapim Cunha Brandão, irá debater questões relativas à discriminação, ao preconceito, às políticas públicas de inclusão e proteção à população LGBTQIA+, dentre demais temas pertinentes à diversidade sexual, para contribuir para a construção de um mundo mais justo e inclusivo e correspondendo aos artigos primeiro e segundo do Ato Regimental 07/2023 da EMERJ, publicado na edição de 19/05/2023 do DJERJ/TJRJ, que dispõe sobre as funções e objetivos dos fóruns permanentes: “São núcleos acadêmicos de discussões temáticas, pautados pela constante atualização do estudo do Direito, das ciências humanas e sociais, que visam a aprofundar e disseminar o conhecimento jurídico, aperfeiçoando o sistema de justiça e informando a sociedade civil”.
“Estamos radiantes com a criação desse fórum permanente pelo desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, sempre muito sensível à proteção dos direitos humanos. A temática envolvendo a antidiscriminação e a diversidade sexual ainda demanda maiores debates e a disseminação de conhecimento para além do próprio Poder Judiciário, envolvendo toda a sociedade, inclusive a acadêmica. Questões envolvendo a multiplicidade de famílias, prenome e gênero [requalificação civil], violência civil e institucional, garantia de direitos fundamentais mínimos, direito à saúde, combate à discriminação e ao preconceito, LGBTfobia, etc. demandam uma maior discussão entre os operadores do direito e de outros saberes. A importância e a urgência de aprofundamento dessa temática chegaram, inclusive, ao CNJ que, por meio da Resolução nº 423/2021, determinou a inclusão da disciplina ‘Direito da Antidiscriminação’, incluindo-se, aí, a diversidade sexual como obrigatória nos concursos da magistratura. Daí a importância desse fórum: dar voz às minorias e promover o debate para a proteção integral dos direitos humanos em uma perspectiva universalista”, declarou o juiz Eric Scapim Cunha Brandão.
O Poder Judiciário e os direitos LGBTQIA+
Ao longo dos últimos anos, os temas ligados à diversidade sexual e direitos LGBTQIA+ têm sido enfoque no aprimoramento do estrato social, com garantias da efetivação, de fato, de direitos civis constitucionais fundamentais à população, conquistadas através de muitas lutas.
Não obstante, apesar das conquistas, a temática envolvendo a antidiscriminação e a diversidade sexual ainda carece de maiores debates e de disseminação de conhecimento para além do próprio Poder Judiciário e englobando todos os ramos da sociedade e outros saberes para além do Direito.
A importância do aprofundamento nessa temática é expressa através das resoluções do CNJ de nº 423/2021 (que determinou a inclusão obrigatória da disciplina “Direito da Antidiscriminação” na preparação de candidatos ao cargo de juiz), e nº 348/2020 (que estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população LGBTQIA+ que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente) e do Provimento nº 73/2018 (que estabelece a possibilidade de pessoas transgêneros alterarem seus prenomes e gênero diretamente nos cartórios extrajudiciais sem a necessidade de advogados, defensores públicos ou decisões judiciais).
Tais medidas do Poder Judiciário brasileiro, em específico a Resolução nº 348/2020, conquistaram reconhecimento mundial, como o da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que a classificou como um exemplo a ser seguido pelos países do continente no cuidado com essa população: “A CIDH convoca os Estados a adotarem medidas urgentes e efetivas para garantir a vida, segurança pessoal e integridade das pessoas LGBTI privadas de liberdade e diretrizes para o tratamento adequado das pessoas trans, não-binárias e de gêneros diversos nas prisões.”
A discriminação da diversidade sexual ou por identidade de gênero no Brasil
Segundo o estudo “A Violência LGBTQIA+ no Brasil”, publicado em 2020: “O Brasil possui altos índices de violências e mortes com base em desigualdades estruturais, o que apresenta elementos ainda mais agudos quando analisadas as parcelas específicas da sociedade que são vitimizadas letalmente com maior recorrência. Os dados do Segurança em Números, publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2022, ilustram que dos 20,4% dos homicídios ocorridos no mundo 2,7% se referem a cidadãos brasileiros. Os números são ainda mais alarmantes quando se referem ao perfil das vítimas: 77,9% negras, 50% entre 12 e 29 anos e 91,3% homens. Sob a mesma ótica, a violência contra a população LGBTQIA+ apresentou significativo crescimento, conforme evidenciado pelos dados do mesmo ano: 35,2% a mais de agressões, 7,2% a mais de homicídios e 88,4% a mais de estupros das pessoas identificadas como tais (FBSP, 2022). A violência contra a população LGBTQIA+ está estritamente relacionada à discriminação contra essa população, o que foi cunhado com o termo “LGBTfobia”, definido como “todo e qualquer tipo de conduta decorrente de uma aversão à identidade de gênero e/ou orientação sexual de alguém que possa gerar dano moral ou patrimonial, lesão ou qualquer tipo de sofrimento físico, psicológico e/ou sexual ou morte”.
“O processo de luta pelos próprios direitos e a crescente visibilidade na sociedade garantiram à população LGBTQIA+ avanços quanto à garantia de direitos igualitários e aqueles que atendem a suas especificidades. Esse processo de reconhecimento e garantia de direitos foi respaldado, em larga medida, por resoluções e decisões do Poder Judiciário, que se posicionou em temas como: a permissão da alteração do registro civil de pessoas trans ou não binárias – inclusive sem a necessidade de cirurgia de redesignação –, a extensão de direitos de herança e direitos previdenciários a cônjuges de relações homoafetivas – mesmo sem comprovação da união homoafetiva – e o direito de pessoas LGBTQIA+ se tornarem doadores(as) de sangue, entre outros. A manifestação do Supremo Tribunal Federal em processos que versam a respeito do ensino sobre diversidade de gênero – como no exame conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 5.537, 5.580 e 6.038 e das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 461, 465 e 600 – contribuiu para o entendimento de que a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias são princípios e diretrizes do sistema educacional brasileiro. Mais recentemente, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26/DF pelo STF, conjuntamente com o MI n. 4.733, determinou a extensão da tipificação dos crimes previstos pela Lei n. 7.716/89 aos atos LGBTfóbicos, até que haja uma lei específica para criminalização dessa conduta pelo Congresso Nacional”.
Fonte: Relatório da Pesquisa – Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+ do CNJ, produzida pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias e Laboratório de Inovação e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (LIODS) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Em 2019, STF equiparou ao racismo a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero e definiu que crimes de natureza homofóbica ou transfóbica sejam considerados hediondos. A Corte também determinou ao Congresso Nacional que tais decisões sejam convertidas em lei, assegurando proteção integral aos cidadãos. Atualmente, está em discussão na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7292/17 (PL 7292/17), conhecido como Lei Dandara, que visa aplicar as recomendações do STF, tornando hediondo o crime de homicídio motivado por menosprezo ou discriminação por conta da sexualidade ou identidade de gênero da vítima.
Confira abaixo a composição completa do Fórum Permanente de Direito da Antidiscriminação da Diversidade Sexual:
Presidente: juiz Eric Scapim Cunha Brandão, especialista em Direito Público e Direito Privado pela EMERJ e em Psicologia Jurídica pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e mestre em Políticas Públicas e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Vice-presidente: juiz André Souza Brito.
Membros: a desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) Salise Monteiro Sanchotene, conselheira do CNJ; o chefe de gabinete da diretoria-geral da EMERJ, Francisco Marcos Motta Budal; a defensora pública da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ) Mirela Assad Gomes; Cláudia Franco Corrêa, pós-doutora em Antropologia Social e Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e em Serviço Social com foco em Direito à cidade pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), conselheiro do Ministério dos Direitos Humanos e doutor em Psicologia pela UFRJ; Ericka Gavinho D’ Icarahy, subsecretária de Gestão na Secretaria de Ciência e Tecnologia da Prefeitura do Rio de Janeiro e doutoranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio; Giowana Cambrone Araújo, especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em Diversidade Sexual e Direitos Humanos pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO); Tatiana dos Santos Batista, especialista em Direito Público e Privado pela EMERJ; e Thamirys Nardini Nunes, coordenadora titular da área de Proteção à Criança, Adolescente e Famílias da Aliança Nacional LGBTI+.
07 de junho de 2023
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)