A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) sediou nesta sexta-feira (07) o congresso “A transformação tecnológica da justiça nos BRICS”.
O evento, promovido pelo Fórum Permanente de Inovações Tecnológicas no Direito, aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura, com transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
O diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, destacou na abertura do congresso: “Recentemente, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais passou a integrar o capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais. Então, vejam que hoje a proteção de dados é uma cláusula pétrea”.
“Hoje o evento foi programado não só para que nós tenhamos oportunidade de acessar essas informações, como trocar conhecimento e fazer o lançamento do nosso livro ‘Inovações Tecnológicas no Direito’, que esperamos que seja o primeiro de muitos que vem pela frente”, frisou o membro do Fórum, desembargador Humberto Dalla.
O presidente do Fórum, juiz Anderson de Paiva Gabriel, afirmou: “Esse momento aqui também é de lançamento da obra ‘Inovações Tecnológicas no Direito’. E uma alegria que eu tenho nesse livro e ao longo da minha carreira é ter conseguido me conectar com pessoas de diferentes lugares do mundo e ver como que a tecnologia tem impactado todos os lugares. Hoje, os desafios muitas vezes são globais. Como fazer para a população ter acesso a internet? Esse é um desafio para a Justiça, mas também para diversos serviços públicos. E esse desafio não é tão somente do Brasil e hoje nós vamos escutar o que os nossos colegas tem a dizer a respeito disso”.
“Gostaria de congratular a todos pelo lançamento da obra ‘Inovações Tecnológicas no Direito’, que eu acredito sim que possa ser apenas o primeiro volume de uma geração desse Fórum, para não apenas produzir diálogos, questionamentos e eventos, mas acima de tudo produzir conteúdo acadêmico e eu acho que esse livro é um reflexo disso”, salientou vice-presidente do Fórum, juiz Fábio Ribeiro Porto.
O juiz federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) Valter Schuenquener, em atuação na Secretaria de Assuntos Jurídicos da Organização dos Estados Americanos (OEA), disse em sequência: “O Brasil está numa posição, em matéria de transformação tecnológica, que é ímpar no mundo. Nós estamos na vanguarda e temos um produto de exportação, porque o Brasil é um país de judicialização desenfreada, pelo fato do nosso território ser de tamanho continental. Mas a verdade é que aquilo que acontece no Brasil e que nós vemos com naturalidade, não é nem de longe a realidade em muito dos países que conhecemos”
“Nós precisamos viver e mergulhar nessa nova realidade que é a tecnologia e ela não é só realidade no mundo do Direito, mas no mundo jurídico é até um pouco mais complexo, porque temos muitas liturgias e atos formais que precisam ser remodelados e ressignificados. Mas sem sombra de dúvidas, a tecnologia é uma nova onda renovatória de acesso à Justiça”, finalizou o advogado Rodrigo Fux, professor de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
1º Painel - A transformação tecnológica da Justiça nos BRICS – China, Etiópia, Egito e Rússia
Liu Xiaohui, diretora do Departamento de Gestão de Dados do Centro de Informação do Supremo Tribunal Popular da China, expôs: “A Revolução Tecnológica e a intensidade das transformações estão se acelerando e as inovações tecnológicas da Inteligência Artificial mudaram a produção das pessoas. Os tribunais chineses têm feito todos os esforços para promover a construção de tribunais digitais. Neste processo, estamos empenhados em promover a integração profunda da tecnologia de IA e do trabalho de julgamento dos tribunais populares, em uma luta para fornecer soluções chinesas e contribuir com a sabedoria chinesa para o progresso da civilização mundial do Estado de Direito na Era da Informação”.
“Falando sobre a eficácia da aplicação de IA nos tribunais chineses. Em primeiro lugar, para auxiliar no tratamento dos casos, incluindo a orientação de evidências e a revisão inteligente, a geração automática e a captura de documentos. Em segundo, para auxiliar no manejo do trabalho diário, como classificação e catalogação automática de informações. Terceiro, para auxiliar a fiscalização e a gestão judicial, incluindo a denúncia automática de condutas irregulares. Quarto, para apoiar o uso de big data judicial para servir a governança social, explorando a aplicação de IA generativa para auxiliar o tribunal. Por último, fornecer orientação de regras para aplicações tecnológicas. Atualmente, os tribunais da China estão construindo uma rede nacional de tribunais para criar uma plataforma de informação integrada para quatro níveis de tribunais, permitindo que mais de 3.500 tribunais em todo o país tratem de casos e trabalhem em uma única rede”, concluiu Liu Xiaohui.
Guo Tong, diretora do Centro de Tecnologia da Informação do Tribunal de Internet de Hangzhou, explicou: “Inaugurado em 18 de agosto de 2017, o Tribunal da Internet de Hangzhou incorpora uma figura de justiça e tecnologia, um espelho capaz de conectar o mundo inteiro. O tribunal é inspirado nas histórias de sucesso dos tribunais inteligentes da China e pretende que o contraditório se desenvolva profundamente através da sua exploração e inovação contínuas. Ele atende às demandas da Era da Internet e visa atender às necessidades do público de prestação jurisdicional conveniente e diversificada. Hangzhou também carrega características distintas da Internet. Ao contrário dos tribunais tradicionais, o tribunal adota o modelo inovador de julgamentos online, caracterizados pela profunda integração da tecnologia e da justiça. Cada procedimento, desde o arquivamento do caso até a audiência e execução, é realizado online, permitindo que as partes participem de todas as atividades de litígio em suas casas. Estabelecemos ritos processuais de litígio na internet e formamos um processo normativo abrangente para julgamento online. Isso garante que o litígio online seja aberto, totalmente interativo e digno, protegendo efetivamente os direitos das partes”.
“No Ministério da Justiça do Egito temos um setor judicial especializado que trabalha no desenvolvimento de Inteligência Artificial e de um sistema tecnológico que poderá ajudar advogados e juízes na execução de seus trabalhos. Foi desenvolvida uma plataforma online que permite a todos os litigantes e partes interessadas arquivar os casos imediatamente. Você pode arquivar, fazer uploads de todos os documentos que possam complementar o seu caso e também, às vezes, pode assistir às audiências online sem esperar muito tempo. Isso era um problema no sistema egípcio. A pessoa ia ao tribunal esperando que seu caso fosse ouvido, mas não sabia a que horas. Com esse sistema você tem a hora exata em que seu caso vai começar e não precisa esperar muito tempo. Isso dá ao juiz a oportunidade de ver ambos os litigantes ao mesmo tempo, mesmo que não estejam no mesmo país, e dá ao juiz a oportunidade de examinar e considerar o caso perfeitamente. Também há outras aplicações tecnológicas, como ajudar os juízes a encontrar facilmente precedentes judiciais que possam complementar a fundamentação de seus julgamentos”, pontuou o juiz egípcio MohaNed Bahr.
Juliya Kharitonova, professora na Universidade Estadual de Moscou, explicou: “Nossos tribunais na Rússia estão prontos e discutindo o uso de Inteligência Artificial para algum tipo de processo de tomada de decisão, não de julgamento. Mas temos alguns pontos de atenção, o principal, é claro, é a ciber-segurança e a capacidade dos nossos programas e plataformas de verificar essa questão”
“A pandemia da Covid-19 acelerou a necessidade de nós praticarmos diversos atos de maneira informatizada, porque as pessoas não podiam se aglomerar e nem ir aos Fóruns. Isso acarretou em um movimento sem volta, mas também criou alguns embaraços e situações no ponto de vista dos procedimentos diferentes”, reforçou o juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) Cássio André Borges dos Santos, secretário-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM).
O juiz Fábio Costa Soares concluiu: “Existe uma preocupação mundial com a necessidade da mudança de mentalidade e de cultura para que os magistrados se adequem a esse novo tempo e a essa nova forma de prestar a jurisdição. Também há uma preocupação global com a necessidade de uma mudança legislativa. É bom que estejamos caminhando na direção da modernização e do aperfeiçoamento, mas sempre com a preocupação da inclusão digital”.
Também compuseram painel: o juiz Fábio Ribeiro Porto; o procurador-geral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Henrique Couto da Nóbrega, presidente da Associação de Amizade Brasil-China; Wang Xiaofang, vice-presidente da Faculdade Nacional de Juízes na China; e o promotor Sauvei Lai.
O juiz Anderson de Paiva Gabriel conduziu a presidência da mesa.
2º Painel – A transformação tecnológica da Justiça – O Brasil na vanguarda mundial
O juiz Anderson de Paiva Gabriel e Henrique Couto da Nóbrega durante palestras no evento.
O juiz Mário Guerreiro, juiz auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), declarou: “Eu não posso deixar de falar um pouco sobre o momento que estamos vivenciando no Rio Grande do Sul e como a tecnologia está nos ajudando a superar as dificuldades. Como todos sabem, nós estamos em um momento de catástrofe climática com enchentes gravíssimas e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul conseguiu manter o seu sistema processual funcionando initerruptamente. Então, isso é um grande feito e esse processo de mudança começou na pandemia da Covid-19”.
“A resolução do problema do Judiciário realmente passa pela tecnologia, que é um dos grandes marcos de inovação e de avanços significativos para o Direito. Mas estamos sempre discutindo a necessidade da tecnologia para diminuir e resolver problemas, mas pensando sempre, talvez, na grande quantidade de processos. Só que a grande quantidade de processos no Brasil passa por um pequeno grupo de grandes litigantes. Nós também precisamos pensar, se a tecnologia for alinhada nesse sentido, como resolver preventiva ou repressivamente essa questão, porque se resolvermos isso, sobrará tempo e esforço para os outros setores. Esse me parece um gargalo importante a se pensar”, palestrou o advogado e professor Bruno Fuga, editor-chefe da Editora Thoth.
Em sequência, Bruno Fuga ressaltou: “A tecnologia não conseguirá ser precisa, no sentido da complexidade dos processos que existem, porque nós não conseguiremos, dadas as peculiaridades do Direito, uma Inteligência Artificial que consiga pensar no sentido de precisão, porque o julgamento não é preciso. Não sei se conseguiremos chegar a uma fórmula matemática para ter precisão nesse sentido”.
“O judiciário brasileiro sempre esteve à frente da vanguarda tecnológica, isso é inegável e muito provavelmente se dá porque a necessidade é a melhor força motivadora. Porque com o volume de processos que existem e a quantidade de serviços e demandas é inevitável pensar de maneira criativa em um modo de otimizar isso tudo. Seja em forma de processos internos ou de processo eletrônico, que foi um dos pioneiros globalmente”, evidenciou o advogado e professor Matheus Puppe.
O procurador-geral da Uerj Henrique Couto da Nóbrega encerrou: “Toda essa transformação não vem sem alguns desafios. Tenho plena convicção de que a Inteligência Artificial chegou para ficar no Poder Judiciário e cada vez mais será utilizada. O que temos que discutir para o futuro é saber qual será a função da máquina e até que ponto ela irá substituir atividades humanas”.
O juiz Anderson de Paiva Gabriel também esteve presente na mesa.
A presidência do painel foi conduzida pelo juiz Fábio Ribeiro Porto.
3º Painel - Iniciativas tecnológicas dos Tribunais brasileiros
O desembargador César Cury, os juízes Anderson de Paiva Gabriel e Marcelo Oliveira e o servidor Daniel Haab durante palestras.
O desembargador César Cury, diretor da Escola de Mediação (EMEDI), explicitou: “A tecnologia tem outros atributos além da instrumentalidade, da procedimentalidade e dessa propriedade intrínseca essencial de qualquer instrumento tecnológico. A tecnologia tem outras particularidades e propriedades, como por exemplo a autor referência ou auto reflexividade, a tecnologia sempre cresce a partir de si mesma. Quando ela entra em um determinado segmento para atuar, ela não sai mais e só se aperfeiçoa e desenvolve. Não há nenhuma experiência em que a tecnologia é abandonada, todas que surgem, dão sequência a outras mais novas”.
“Vejo a tecnologia sempre como um facilitador do acesso à justiça. Se não tivermos a percepção de que a tecnologia deve se prestar como um instrumento de facilitação do acesso à justiça, nada tem resultado positivo. Isso é importante ser dito, porque temos conceitos dogmáticos construídos ao longo desses 200 anos de formação jurídica dentro da concepção do Direito, que são tão estruturados que essa convergência entre Direito e tecnologia traz um grande grau de dificuldade. A finalidade precípua deve ser sempre a economicidade, a celeridade, a duração razoável do processo e a facilitação da justiça. Esses quatro conceitos devem sempre estar presentes quando se pensa na institucionalização de qualquer ferramenta tecnológica dentro do âmbito do sistema de justiça. E também, se nós, ainda que busquemos o emprego dessas ferramentas, não preparamos os usuários para utilização de todos esses facilitadores, me parece que teremos um carro de alta tecnologia, com todos os predicados, mas um emprego potencial de um carro 1.0. Isso nos mostra que essas ferramentas devem andar juntas com o preparo dos operadores do Direito, para que se valendo dessas ferramentas se busque o incremento de prestação da jurisdição, princípio esse que deve reger toda essa mudança que vivenciamos hoje em dia”, reiterou o juiz Marcelo Oliveira, juiz auxiliar da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).
O juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Rafael Leite Paulo, juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), citou: “É sempre bom lembrar que o Direito está no mundo desde antes de existir a palavra escrita. Hoje nós confundimos muito essa palavra escrita com o Direito, pois ela é o meio de produzirmos ciência, proferir os altos e registrar as decisões, mas o Direito estava aqui muito antes. Então, a tecnologia especificamente vai tocar com a parte da produção textual, como a inteligência artificial, mas ela não necessariamente está tocando no cerne do Direito. Porque se formos lembrar o cerne do Direito vai além dessa tecnologia específica. Ou seja, a própria linguagem e texto é uma das tecnologias utilizadas pelo Direito”.
“Eu gostaria de falar um pouco sobre os projetos do Conselho Nacional de Justiça de tentar trazer integração e automação. Nós ainda estamos no tempo de construir pontes entre sistemas e pontes voltadas a praxe burocrática do Poder Judiciário, que é uma característica que não podemos descuidar dela”, aludiu a juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN) Keity Saboya, juíza auxiliar do CNJ.
Daniel Haab, diretor de Tecnologia da Informação do TJRJ, finalizou: “A verdade é que estamos em um tsunami digital e devemos escolher se vamos surfar ou se seremos soterrados. A TI saiu do porão e está agora no balcão. Todas as decisões estratégicas, em maior ou menor medida, perpassam a TI. Ela está sentada nas mesas de debates e decisórias dos rumos que os tribunais e cada instituição, pública ou privada, terão em seu curto, médio e longo prazo. Estou seguro em afirmar que o futuro da TI, em todo e qualquer tribunal de justiça, é o desenvolvimento colaborativo. Todos os tribunais precisam embarcar nesse trem”.
O juiz Fábio Ribeiro Porto também compôs o painel.
O presidente da mesa foi o juiz Anderson de Paiva Gabriel.
Encerramento
O juíz Anderson de Paiva Gabriel e o servidor Daniel Haab durante exposições da reunião.
A juíza do TRF-2 Daniela Pereira Madeira, conselheira do CNJ, destacou: “Nosso objetivo dentro da inovação nessa gestão durante esses dois anos é ouvir todos os integrantes e a partir daí entregar o melhor produto possível. Acredito que sem essa mentalidade de equipe, de colaboração, ouvindo a ponta, não vamos conseguir entregar um produto que realmente seja efetivo”.
Lançamento de Livro
Durante o encontro também houve o lançamento do livro “Inovações Tecnológicas no Direito”, de coordenação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux e dos desembargadores Marco Aurélio Bezerra de Melo e Humberto Dalla Bernardina de Pinho.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=oJiLcNKnjGE / https://www.youtube.com/watch?v=Mihi_ndY67M
Fotos: Jenifer Santos e Maicon Souza
07 de junho de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)