A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) promoveu, no dia 29 de novembro, o “II Congresso Internacional de Inovações Tecnológicas no Direito”. O evento foi realizado pelo Fórum Permanente de Inovações Tecnológicas no Direito e contou com transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinas (Libras).
Abertura
O presidente do Fórum, juiz auxiliar do Supremo Federal Tribunal (STF) Anderson de Paiva Gabriel, pontuou: “Esse é um tema em grande ebulição no Brasil. Neste momento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está se debruçando sobre a questão por meio de um grupo de trabalho instaurado. Após a fala da professora Florence G'sell, teremos a participação do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, presidente desse grupo de trabalho”.
O desembargador Humberto Dalla, membro do Fórum, professor titular de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), da Universidade Estácio de Sá (Unesa) e do Ibmec e doutor em Direito pela Uerj, concluiu: “Quando o juiz Anderson de Paiva Gabriel me procurou para organizarmos o segundo grande evento, o II Congresso Internacional de Inovações Tecnológicas no Direito, não poderíamos imaginar que o momento seria tão apropriado. Todos temos acompanhado as discussões no âmbito do STF, especialmente no que diz respeito ao Artigo 19 do Marco Civil da Internet e a uma série de sustentações feitas na última sessão. O STF se debruçará sobre a matéria, com dois temas de repercussão geral e, portanto, julgamentos que se tornarão vinculantes para nós. Em paralelo, há uma série de discussões sobre a regulação da inteligência artificial”.
Palestras de abertura
“O meu estudo “Regulating Under Uncertainty: Governance Options for Generative AI” analisa o cenário atual das iniciativas globais voltadas para a regulação da inteligência artificial (IA), com foco especial nas particularidades da inteligência artificial generativa. A pesquisa explora as abordagens e os desafios das políticas de governança da IA, mas o ponto central que gostaria de destacar é a enorme incerteza que permeia o campo da inteligência artificial atualmente. A tecnologia, apesar de estar em rápida evolução, ainda não é completamente compreendida. Hoje, sabemos o básico sobre como essas ferramentas funcionam e suas aplicações mais imediatas, mas existem inúmeras questões fundamentais que permanecem sem respostas. Não entendemos completamente os mecanismos internos dessas tecnologias nem os impactos de longo prazo dos resultados gerados por sistemas de IA avançados. Além disso, é difícil prever as maneiras pelas quais as pessoas irão usar essas ferramentas no futuro e o que isso significará para a sociedade como um todo. Essa incerteza é um problema significativo, pois a evolução da IA pode seguir direções inesperadas. Muitos especialistas sugerem que a IA poderá, eventualmente, alcançar capacidades além do que imaginamos atualmente, levando ao surgimento de uma inteligência artificial geral (IAG) com habilidades cognitivas comparáveis às humanas, ou até superiores. Esse cenário, embora ainda hipotético, levanta questões profundamente preocupantes, especialmente no que diz respeito aos riscos existenciais que uma tecnologia dessa magnitude pode representar. Compreender esses riscos e definir como regular a IA, enquanto ainda nos encontramos em um estágio de incerteza tão avançado, é um desafio complexo e urgente que exige um debate global robusto e contínuo”, salientou a diretora do Programa de Governança de Tecnologias Emergentes de Stanford, Florence G’sell, professora visitante de Direito Privado no Cyber Policy Center da Universidade de Stanford e professora de Direito Privado na Universidade de Lorraine. A professora também ocupa a cadeira de Governança Digital e Soberania em Sciences Po.
1º Painel
O conselheiro do CNJ Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, doutor em Estado de Direito e Governança Global pela Universidade de Salamanca, reforçou: "Vou tentar, objetivamente, pontuar as questões que estão sendo colocadas no debate atual sobre a regulamentação da inteligência artificial no Poder Judiciário. O debate está bastante avançado. No ano passado, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, criou um grupo de trabalho para discutir esse tema de maneira mais aprofundada. Diversos membros desse grupo estão presentes aqui. O grupo entregou uma primeira minuta para debate, e realizamos uma audiência pública durante três dias, que se tornou a segunda audiência pública mais assistida da história do CNJ, com mais de 20 mil visualizações até o momento, o que demonstra o grande interesse da comunidade jurídica por esse tema”.
O desembargador federal da 6ª Região Pedro Felipe de Oliveira Santos, integrante do Grupo de Trabalho de Inteligência Artificial do CNJ, relatou: "Sobre a evolução da informatização no Poder Judiciário, saímos de uma fase em que as ferramentas eram inteiramente corporativas e havia quase uma aversão ao uso de ferramentas externas para uma fase em que, hoje, estamos construindo um alinhamento, tentando utilizar todo o conhecimento e a técnica desenvolvidos no mercado em relação a essas ferramentas, mas trazendo as especificidades de quem presta um serviço público de acesso à justiça — um serviço público jurisdicional que precisa ter uma visão diferenciada. Não estamos aqui discutindo ferramentas que vão construir minutas, atas de reuniões ou propostas de contratos de mercado. Estamos aqui discutindo ferramentas que vão decidir a vida das pessoas em um serviço jurisdicional delicado, sensível e importante para a sociedade brasileira”.
"É natural que a tecnologia evolua antes da regulamentação. A regulamentação vem, justamente, para estabelecer diretrizes para as ferramentas tecnológicas que começam a se inserir nas comunidades, provocando mudanças no comportamento e, especialmente, no mercado de trabalho e nos serviços essenciais à população. Quando começamos a informatizar o processo judicial e, com essa informatização, a formar grandes bancos de dados jurídicos, algumas ferramentas já começaram a surgir, gerando preocupações quanto à regulamentação no âmbito do Poder Judiciário. No passado, começamos a desenvolver ferramentas que já nos permitiam compreender o comportamento de escritórios de advocacia e de determinadas empresas nos processos", destacou a secretária de Tecnologia de Inovação do STF Natacha Morais de Oliveira.
A juíza auxiliar da presidência do CNJ Keity Saboya, integrante do Grupo de Trabalho de Inteligência Artificial do CNJ, concluiu: "Sou uma pessoa absolutamente entusiasta e esperançosa de que o uso da inteligência artificial no Poder Judiciário é inevitável. Diferentemente de algumas, acredito que todas as propostas aqui lançadas, assim como todo o trabalho feito por outra parte da academia e pelo Poder Judiciário, têm o objetivo de contribuir para a eficiência do Poder Judiciário. Todas essas ideias estão em total conformidade com os princípios de transparência e controle rigoroso no uso dessas ferramentas. E não há dúvidas de que temos um dos Judiciários mais abertos do mundo".
A mesa de debate foi presidida pelo presidente do Fórum, juiz Anderson de Paiva Gabriel. O desembargador Humberto Dalla também compôs a mesa.
2º Painel
O juiz auxiliar da Presidência Alberto Republicano pontuou: "Sobre a corrida dos tribunais no desenvolvimento e na aplicação de ferramentas de inteligência artificial, temos pressa, e isso já foi dito aqui hoje. Todos nós temos pressa e não podemos esperar; estamos sendo atropelados pela advocacia. Todos os grandes escritórios utilizam ferramentas de inteligência artificial, e, em questão de segundos, suas ferramentas e aplicações respondem aos comandos judiciais nos processos eletrônicos. Portanto, temos pressa em utilizar o que já podemos fazer no momento. Sabemos que todos os tribunais do país também têm pressa, porque há um desespero comum por utilizar as ferramentas que surgem, e a pressa também visa evitar o retrabalho, as contratações repetidas dos mesmos fornecedores por vários tribunais, entre outros".
O secretário-geral de Tecnologia da Informação e Comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), Daniel Haad, relatou: "A inteligência artificial generativa é uma realidade inexorável na advocacia, e as ferramentas privadas de inteligência artificial generativa também são uma realidade para magistrados e servidores. O número de funcionários nos órgãos judiciais, no ecossistema judicial, tende a uma queda gradativa ao longo do tempo. Temos observado isso em diversos tribunais, com o aumento do número de distribuições, que também apresenta uma tendência crescente ao longo de muito tempo. Quem acompanha a Justiça em Números do CNJ pode ver que, no relatório de 2023, referência 22, havia 70 milhões de processos e, no relatório de 2024, referência 23, já houve um aumento para 84 milhões de processos — um país extremamente beligerante. Diante dessa situação, surgiu o Assistente de Inteligência Artificial Generativa (ASSIS), um produto de inteligência artificial generativa desenvolvido para elaborar minutas de decisões e relatórios e para responder perguntas sobre o processo em estudo".
A desembargadora Helda Meireles ficou a cargo da presidência da segunda mesa do evento.
3º Painel
O procurador da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) Marco Antonio Rodrigues, doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ressaltou: “O interesse de agir se modifica com as plataformas digitais e suas formas de solução de controvérsia. Porém, temos um caminho para definir as consequências, as ações que sejam propostas e tenham sob missão a essas plataformas, e me parece que hoje o melhor caminho ainda é a suspensão do processo e não diretamente a extinção”.
“Nós tivemos uma hiperdigitalização, especialistas calculam vinte e até trinta anos que nós teríamos para nos digitalizar o que nós estamos hoje, que ocorreu em dois ou três anos no máximo. Então, nossa vida se hiperdigitalizou muito rápida, nós tivemos diversos temas que entraram em nossa vida de uma maneira muito mais intensa e isso tudo ocorreu sem nenhum tipo de regulamentação. E eu não falo só do mundo digital, o mundo digital é um fato que fica muito óbvio que nos impõem aqui. Nós temos um código que está em vigor há vinte anos e ficou em tramitação por trinta, só aqui nós temos cinquenta anos de atraso legislativo, de atraso de uso de costumes, de atraso com o que está acontecendo com a sociedade, então o digital fica evidente, mas são diversos outros temas que foram atualizados por conta desses cinquenta anos que nós temos de uma necessária atualização”. E completou: “O que foi pedido para que não trave o sistema, não trave o desenvolvimento da própria tecnologia foi criar conceitos gerais, princípios e fundamentos que pudessem trazer uma estrutura como uma espécie de estrutura central, para que cada tema que está ali tivesse como ter desenvolvimento. Muitos dos temas precisarão de uma lei específica para trazer uma maior regulamentação”, expôs a advogada Laura Porto, consultora jurídica especializada em Direito Digital, LGPD, Compliance e Extrajudicial.
A advogada Layanna Piau, especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi, concluiu: “O novo sempre vem, a vida é movimento, e a gente vai ter que entender de que forma o Direito olha para essa realidade sem sufocar essa realidade, essa realidade que é tão necessária. Eu queria fazer minha fala para primeiro trazer um momento de olhar para essa realização econômica globalmente desenvolvida na plataforma, com o olhar de que há relações jurídicas irradiadas dessas plataformas que já estão regulamentadas pelo nosso sistema. A gente já tem a dogmática que existe regularmente grande parte dessas relações, naturalmente não todas, porque a plataforma, a tecnologia e tudo que vem sendo desenvolvido em cada uma delas, muitas vezes é naturalmente híbrido, então, eu vou ter uma série de relações jurídicas que serão apresentadas para sociedade de uma forma mais imbricada, mas são relações jurídicas que já estão regulamentadas”.
A presidência do terceiro painel do evento ficou a cargo do professor Rodrigo Fux.
4º Painel
O juiz do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Luiz Carlos Figueiredo, especialista em Direito Processual Civil pela Uninassau, destacou: “Ainda hoje o processo criminal ainda é muito baseado na prova testemunhal, no volume. O que a gente tem são processos cuja instrução depende e muito das palavras das testemunhas de acusação, de defesa e da vítima, quando tem vítima identificada e interrogatório. Mas a gente vê que o cenário vem mudando, essa prova que ainda é muito forte, a prova oral, vem, não digo substituindo, mas ganhando força pela forma técnica, pelo dado que é muito mais seguro e traduz e traz as realidades dos fatos para o processo. O tema que nós vamos conversar diz exatamente sobre essa quebra indistinta e generalizada de dados, telemáticos dentro da execução criminal“.
O promotor do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) Sauvei lai, especialista em Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), relatou: “O princípio da proporcionalidade rege as provas digitais ou um simples motivo. Está na convenção de Budapeste, de 2001, que é o primeiro e principal tratado internacional de crimes cibernéticos e provas digitais, que o Brasil foi signatário no ano passado, decreto 11.491, de 12 de abril de 2023. Há mais de ano e meio que o Brasil é signatário da Convenção de Budapeste, que estabelece um norte na produção de provas digitais, inclusive a possibilidade de ataque bruto e forçado do sistema de informática do investigado, levando em conta o princípio da proporcionalidade”.
O promotor do MPRJ Pedro Mourão, professor no Instituto de Educação Roberto Bernardes Barroso do MPRJ (Ierbb/MPRJ), pontuou: “A gente tem olhado muito para essas evidências que envolvem a evidência digital com um olhar protocolar, de encontrar critérios pontuais que possam ser reunidos e que, com eles, a gente consiga validar algo e eu venho sustentando que a gente está olhando pelo método errado. Esse não é um problema que vá atrair mais métodos, esse é um problema de linguagem, Direito é sobre linguagem. O que a gente está encontrando nesses arestos é, justamente, através da análise de critérios dizer algo que em todas essas decisões não me parece que está ostensivamente escrito, mas é o que de fato se extrai como resposta e o sistema de justiça através da experiência jurídica está dando ao Ministério Público em todos esses casos, quanto ao manejo dessas provas. A gente está tratando de um problema de linguagem através da linguagem de fundamentação, essencialmente de razoabilidade e proporcionalidade, principalmente de proporcionalidade”.
O professor Walter Aranha Capanema, advogado e diretor de Inovação e Ensino da Smart3, concluiu: “É cada vez mais importante as autoridades policiais, o Ministério Público, magistrados e advogados lerem as políticas de privacidade dos sites e aplicativos, porque esses documentos enunciam sempre quais os documentos que são coletados, e esses dados enunciam sempre quais os documentos que são coletados, os dados que são coletados. Os dados que são coletados são e podem ser usados eventualmente por inquéritos policiais ou em processos. A base legal aqui por tanto é o artigo 10, parágrafo primeiro do Marco Civil. Então, se pode ter acesso a esses documentos armazenados desde que, obviamente, por dizer respeito a privacidade ou intimidade, dele se tenha uma ordem judicial específica”.
A professora Márcia Holanda realizou a presidência do painel.
5º Painel
O procurador da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro (PGM-RJ) Patrick Vasconcelos, assessor no STF, ressaltou: “A gente tem sempre que, como sociedade, incentivar essas implementações das inovações tecnológicas, mas sempre com um pé atrás, sempre em uma situação de ter limites. Eu posso escrever o que eu quiser porque ninguém está me vendo, não é terra de ninguém, é uma situação virtual, mas tem responsabilidades. Não só responsabilidade civil, mas popular e eleitoral, tem tudo ali que tem que ser discutido, as pessoas têm que ter essa consciência. É um papel tanto do Estado, que é muito pouco feito, quanto o papel de conscientização. Acho que o papel nas escolas, de passar essa conscientização, é muito importante. Então, eu acho que o Estado tem que atuar muito mais, não só reprimindo, mas também ensinando e dando um caminho”.
O professor Antonio Brito, assessor no STF, pontuou: “Considero eu que o principal desafio que nós temos pela frente são as formas de regulamentação ou autorregulação das redes sociais. A internet que, quando foi editado o Marco Civil, certamente não é a mesma inerente que nós vivemos hoje, em 2024. Então, é necessária a evolução do debate tendo em vista alguns pontos que hoje avultam como preocupação da doutrina. Eu cito alguns como a proteção de direitos fundamentais, a legitimidade democrática e a capacidade institucional de formular políticas públicas sobre o tema, porque esse novo caráter da internet ganhou uma afeição sistêmica, o que enseja medidas, por consequência, sistêmicas para enfrentar esses problemas“.
Thay Graciano, pesquisadora na Universidade de Stanford, concluiu: “O Brasil, na verdade, está liderando, está na ponta de muitas coisas. O ministro Barroso estava aqui, em Stanford, em conferência, mês passado e estava em conferência com o CEO da Google. Ele ficou impressionando que o Brasil está liderando e está lidando com essas demandas de maneira formidável, estamos na frente, e isso de resoluções, de pensar em deepfakes e de ter esse requerimento e falar que as propagandas têm auxílio da IA, estamos liderando“.
A desembargadora eleitoral Daniela Bandeira de Freitas ficou a cargo da presidência do último painel do evento.
Assista
Para assistir na íntegra acesse: https://www.youtube.com/watch?v=NvOcv97ioNU
Fotos: Maicon Souza
2 de dezembro de 2024
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)