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"Prêmio EMERJ Consciência Negra - 2024" condecora duas personalidades com Troféu Esperança Garcia

A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou nesta Quarta-feira (11) a cerimônia do “Prêmio EMERJ Consciência Negra”, edição 2024. duas personalidades da sociedade civil, reconhecidas em suas trajetórias de vida por ações efetivas na defesa dos direitos raciais no Brasil, foram agraciadas com a entrega do Troféu Esperança Garcia.

A comenda foi conferida à atriz e cantora brasileira Zezé Motta e ao médico João Paulo Conceição. A solenidade, organizada por meio do Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais, aconteceu na Sala Multiuso do Museu de Justiça do Rio de Janeiro. Houve transmissão pela plataforma Zoom, com tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Mesa da Premiação

A cerimônia, que homenageia Esperança Garcia, mulher negra escravizada no Brasil no século XVIII e reconhecida pela Ordem dos Advogados do Brasil do Piauí (OAB/PI) como a primeira advogada piauiense, que dá o nome  troféu, foi iniciada pelo presidente do Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais, juiz André Nicolitt, doutor pela Universidade Católica Portuguesa, declarou: “Nós temos a honra e alegria de homenagear e festejar o brilho, a longevidade e a força, o signo que essas pessoas representam para todos nós, negros e negras, as crianças, para as atrizes que tiveram esse caminho aberto por Zezé Motta e também homenagear esse verdadeiro herói, imagina um homem iniciou seus estudos há 60 anos atrás, um homem negro e que quebra um paradigma. Eu sempre falo para os meus alunos que eu sou um juiz negro e professor. Um juiz preto representa 1.4% da magistratura em todo o Brasil. Quando a gente entra em todos os espaços de poder, eu sou praticamente sempre o único e todos nós sabemos o que isso significa e impacta. Então vencer esses paradigmas é algo muito importante e nós temos que dar

Premiados

O primeiro premiado da noite com o Troféu Esperança Garcia foi médico João Paulo Conceição. A membra do Fórum, defensora pública Lucia Helena Silva Barros, realizou a entrega do troféu e declarou: “Esse Fórum  é uma inspiração para todos nós, é exatamente tudo isso que o juiz André falava agora há pouco, quando a gente entra nos espaços de poder, na defensoria pública e no ministério público também não, quando a gente entra nos espaços de poder e que muitas das vezes a gente percebe que é o único, isso nos incomoda muito, sobretudo quando a gente fala da mulher preta. A gente faz um recorte para a mulher preta a gente vê que esse percentual baixo muito. Então, esse é uma forma da gente propagar as nossas vozes, da gente levantar a nossa bandeira e dizer que o nosso lugar é o lugar que a gente quer."

João Paulo Conceição declarou: “Estou muito emocionado nesse momento. Tudo que eu sou, eu devo a minha mãe, minha mãe era uma pessoa que nos anos 50 ela tinha a visão de anos 2000. Quando eu tinha 13 anos de idade, em 1959 eu jogava futebol no Grêmio e minha mãe e meu pai me chamaram e perguntaram ‘Você quer ser médico ou jogador de futebol?”. Aquele dia foi um ultimato que ela deu, larguei o futebol e me dediquei a fazer vestibular de medicina, com muita dificuldade. Eu morava em um lugar de pessoas muito pobres, mas eu gostava muito de estudar. Eu agradeço. Eu vim para o Rio de Janeiro para estudar no Hospital do Câncer e a minha esposa, era minha noiva chorava muito e eu dizia para ela ‘tenha paciência que nós vamos vencer’. Eu queria gradecer a todas as pessoas nascidas, no Rio de Janeiro. Que povo maravilhoso! Eu continuo estudando, eu tenho paixão pela minha profissão!”                       

Na sequência, o homenageado com o Prêmio EMERJ Consciência Negra foi a atriz e cantora brasileira Zezé Motta. O Troféu Esperança Garcia foi entregue pela vice-presidente do Fórum, promotora de justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) Roberta Rosa Ribeiro, coordenadora do Fórum de Gênero e Raça da Associação do MPRJ (AMPERJ), que destacou: “Eu gostaria de agradecer a oportunidade de participar desse Fórum, que na realidade é um grande quilombo, que a gente tem a oportunidade dessa troca. Quando a gente faz esses relatos, muitas vezes pode parecer uma fonte de vaidade, de algo de centrado, mas na verdade é de como nós nos reconhecemos a partir da história do outro.”

Antes da entrega do troféu à homenageada, a atriz e cantora Isabel Filladis, interpretou a canção “Magrelinha”, de Luiz Melodia.

Após receber o troféu Esperança Garcia,  Zezé Motta afirmou: “Esse ano eu tenho  recebido muitas homenagens por conta também dos 80 anos de idade e 50 de carreira e tenho dito que ainda bem que não sofro do coração. Quero dizer que é com muita honra e alegria que celebro esse prêmio, porque receber essa  homenagem ressalta que a minha contribuição como artista na luta contra o racismo, na promoção da cultura brasileira. É um momento que me faz refletir sobre a minha trajetória, ao longo desses 80 anos de vida eu completei recentemente mais de 50 de carreira e são muitas histórias, muitos personagens, muita luta e muitos shows, muita estrada, muita batalha. Ao receber esse prêmio eu sinto que a minha história se entrelaça com a história de todos que lutam por justiça e igualdade. Minha carreira foi moldada pela busca de representatividade e pelo combate ao preconceito, estou muito orgulhosa disso. Muito obrigada por essa homenagem”

Ao fim de seu discurso, Zezé Motta presenteou todos os presentes com a interpretação da canção “Muito prazer Zezé”, composta por Rita Lee.

Encerramento

Ao final da solenidade a atriz e cantora Isabel Fillardis declarou emocionada: ‘Eu preciso contar uma coisa muito especial que está acontecendo aqui hoje, eu não sei se foi proposital, mas acho que não. Tudo começou com a mãe do doutor João Paulo, porque se a mãe dele não fosse aquela mulher de fibra que tivesse incentivado o filho a ser médico, eu não teria a minha dermatologista. Eu hoje sou a síntese desse encontro, porque eu sou paciente da filha do doutor João e amiga de Zezé Motta e isso é maravilhoso. “

Durante a cerimônia também houve a apresentação da banda Em Flores, que brindou a todos os presentes com sua performance, que conta, entre seus integrantes, com o  juiz André Nicolitt e a secretária-geral da EMERJ, Gabriela da Silva Rafael Carneiro.

 Foto - Sobre Esperança Garcia

Sobre Esperança Garcia

Esperança Garcia foi escravizada no século XVIII em Oeiras, município a 300 km de Teresina, capital do Piauí. Ela nasceu na Fazenda Algodões, que pertencia a padres jesuítas, e lá, aprendeu a ler e escrever. Porém, com a expulsão posterior dos catequistas, a propriedade acabou transferida à senhores de escravos. Esperança Garcia foi então separada dos filhos e do marido e enviada a outras terras.

Revoltada com a situação a que era cotidianamente exposta, com apenas 19 anos, em 1770, Esperança Garcia escreveu uma carta em que relatava os maus tratos sofridos pelos escravizados em uma fazenda da região e reivindicava direitos ao governador. O documento foi encontrado somente em 1979 pelo historiador Luiz Mott, no Arquivo Público do Piauí. Em 2017, 247 anos após ser redigida, a carta foi reconhecida como uma petição.

Esperança Garcia foi reconhecida pela OAB/PI como a primeira advogada piauiense. Uma pesquisa realizada pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI, frutificou no “Dossiê Esperança Garcia: símbolo de resistência na luta pelo Direito”, que aponta, dentre diversas conclusões, que ao escrever a carta, ela se reconheceu e atuou como membra de uma comunidade política. Sua reivindicação era um pedido ao que lhe era de direito segundo ordenamento jurídico da época, mas também demonstrou uma ampla consciência do seu mundo e dos limites da escravidão, utilizando as ações religiosas (batismo e confissão) como argumentos estratégicos para sensibilização.

A vida de Esperança Garcia, marcada pelo inconformismo, pela luta e pela coragem de resistir contra a desumanidade da sua época, é um símbolo da constante batalha contra o racismo e pela igualdade de raça, gênero e classe social no Brasil.

Homenageados

Foto - Homenagiados

Zezé Motta

Nascida em Campos de Goytacazes, no Rio de Janeiro, em 27 de junho de 1944, Maria José Motta de Oliveira, mais conhecida como Zezé Motta, é atriz e cantora reconhecida mundialmente pelo seu extenso trabalho no cinema e na televisão.

Nas redes socias, a artista se define como “Atriz, Cantora e Militante”. A intelectual brasileira Lélia González, em “Homenagem a Zezé Motta - História de vida e louvor”, expressou que a arte de Zezé Motta “também está a serviço das crianças pobres e órfãs, numa atuação marcada pela discrição e pela solidariedade". Militante do Movimento Negro Unificado (MNU), Zezé denunciou o racismo e atuou ativamente para combatê-lo. Em 2002, fundou o Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (Cidan), espaço de pesquisa sobre artistas negros.

Na televisão, a atriz estreou em 1968, na extinta Rede Tupi, na Novela Beto Rockfeller. Em 1976, a atriz protagonizou o clássico do cinema nacional filme “Xica da Silva”, sucesso de crítica e público devido à arrebatadora atuação de Zezé. O filme foi indicado, pelo Brasil, para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Em 1978, Zezé Motta gravou seu primeiro álbum, imortalizando a música “Prazer, Zezé”, composta para ela por Rita Lee.  O crítico musical Mauro Ferreira a descreveu como uma “arrojada cantora que movimentou a cena musical dos anos 70 sem se deixar enquadrar (de início) no rótulo de sambista”. Como musicista, a artista levou sua poderosa voz a palcos de todo mundo, incluindo o renomado Carnegie Hall, em Nova York.

Recentemente, a atriz foi a grande homenageada da 57ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, recebendo o prêmio Candango pelo conjunto de sua obra, na noite de abertura do festival.

Este ano, Zezé Motta atuou no filme “Por um fio”, baseado no livro de Drauzio Varella, no curta “Se eu tô aqui é por mistério”, de Clari Ribeiro, e na cinebiografia “Maurício de Sousa – O realizador de sonhos”, de Pedro Vasconcellos. A artista ainda se prepara para estrear um novo espetáculo musical, em comemoração aos seus 80 anos.

João Paulo Conceição

Formado pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, em 1967, o médico João Paulo Conceição dedica sua vida ao exercício da clínica geral e dermatologia especializada em peles negras.

Aos 70 anos de idade, João Paulo Conceição prestou prova para medicina legal e perícia médica e logrou êxito. Hoje, aos 82 anos, o profissional atua como médico perito da Justiça, onde foi nomeado por dezenas de juízes, e também como assistente técnico pericial em ações sobre erro médico.

 

Clique aqui para acessar as fotos do evento.

 

Fotos: Maicon Souza

11 de novembro de 2024

Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)