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EMERJ realiza palestras sobre “Regulação das Plataformas Digitais” com presença do ministro do STF Luís Roberto Barroso

Nesta sexta-feira (25), o Fórum Permanente de Liberdade de Expressão, Liberdades Fundamentais e Democracia da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou o encontro “Regulação das Plataformas Digitais”. A reunião foi enobrecida com a presença do excelentíssimo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

O evento, promovido em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Liberdades de Expressão, Liberdade de Imprensa e Mídias Sociais (NUPELEIMS), aconteceu no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura, com transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Abertura

O vice-presidente do Conselho Consultivo da EMERJ, desembargador Cláudio Luís Braga Dell’Orto, destacou em sua fala de abertura da reunião: “É um prazer enorme receber todos aqui. Temos hoje um recorde de inscrições presenciais. Falo em nome do diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, que está participando do Colégio de Diretores de Escolas da Magistratura, além de ter sido convidado pelo Senado para integrar a Comissão de Revisão do Código Civil, portanto, está em Brasília cumprindo a agenda da Escola".

"O tema da regulação das plataformas digitais transcende o mundo do Direito, ele ultrapassa as barreiras exclusivamente da normatividade. Precisamos entender as plataformas digitais, algoritmos, blockchains, preço dinâmico, inteligência artificial, dentre tantos campos, que ainda não compreendemos muito bem e precisamos, como operadores do Direito, ter a dimensão desse processo tecnológico para podermos ter as regras e normas necessárias para dar segurança, evitando golpes e distorções nas operações do sistema. Temos diversas outras questões como a trabalhista, propriedade intelectual, tudo que está envolvido com a mudança do meio através do qual se produz e se leva, comercializa, as coisas”, prosseguiu o desembargador Cláudio Luís Braga Dell’Orto.

O vice-presidente do Conselho Consultivo da EMERJ concluiu: “Mas temos uma questão, que estamos tratando mais especificamente, que é a liberdade de expressão. As plataformas digitais permitiram que qualquer pessoa possa ter um grande número de seguidores, pessoas que são seu público, mas que público é esse? Que tipo de controle pode ser feito sobre isso? Qualquer pessoa por meio das plataformas digitais pode ser um produtor de notícias, de informação, muitas vezes sem a devida verificação daqueles dados que são distribuídos como se fosse verdades absolutas. São temas que nos preocupam como operadores do Direito e esbarram nesse limite da liberdade total, que sabemos que não existe, mas que é preciso estabelecer regras para o bom convívio nos espaços”.  

“Mesmo nos Estados Unidos da América (EUA), onde a liberdade de expressão tem uma amplitude sem precedentes no mundo, ela não é absoluta. Então, há um equívoco de que em nome da liberdade de expressão, tudo é possível. Não, nem tudo é possível. A liberdade de um termina onde começa a liberdade e o direito do outro, esse que é o princípio fundamental, liberdade com responsabilidade. E essa responsabilidade das plataformas digitais e dos atores que participam desse ecossistema comunicativo, é o que nós vamos discutir aqui hoje. O que fazer para encontrar uma forma de regular as plataformas digitais, se devemos e como devemos fazer essa regulação, sem prejuízo e sacrifício desse princípio que é fundamental à democracia que é a liberdade de expressão”, afirmou o presidente do Fórum, desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, coordenador do evento e do NUPELEIMS.

Painel 1: Desafios do mundo digital

O vice-presidente do Fórum Gustavo Binenbojm, procurador do estado do Rio de Janeiro, salientou: “O mundo se encontra em uma encruzilhada e o Brasil tem à sua disposição uma discussão muito séria. Não é perfeita e nem ideal, mas muito bem conduzida agora na Câmara dos Deputados pela relatoria do deputado Orlando Silva, no sentido de entregar ao país um regramento das plataformas digitais que possa traduzir os objetivos desse projeto que são, nomeadamente, garantir liberdade, responsabilidade, transparência e integridade nas redes sociais”.

“Gostaria de focar no ponto específico da estrutura do mercado das plataformas e da enorme concentração que existe hoje nas mãos de poucas empresas e, obviamente, vou destacar Google e Facebook. Esse é um desafio estrutural desse mundo digital que temos hoje e se ele não viabiliza, no mínimo, ele potencializa muitos dos problemas que temos. Qualquer debate que trate dos caminhos possíveis para regulação das plataformas precisa levar em conta essa questão. As quatro maiores redes sociais do mundo são detidas pelas duas empresas que mencionei e isso também se reflete na concentração de verbas publicitárias. Do total dessas verbas hoje, em todo mundo, 65% estão nas mãos de Google e Facebook. A pergunta é: por que existe essa concentração?”, afirmou Andreia Saad, Data Protection Officer (DPO) do Grupo Globo.

“Temos algumas explicações pelas próprias características desse mercado, que juntas fazem com que exista uma tendência natural de concentração. Algumas delas não são novas, mas o que diferencia o mundo das plataformas é que ele congrega várias características ao mesmo tempo: efeitos de rede, economias de escala, altos custos de troca, vantagem do pioneirismo, dentro outras. É um mercado concentrado, mas as plataformas também caminharam para essa concentração, através das fusões e aquisições, que permitiu a essas empresas aprofundarem a sua dominância e expandi-la para mercados adjacentes, com operações que passaram abaixo do radar das autoridades antitruste. Algumas sequer foram notificadas e levadas à aprovação, outras foram submetidas, mas aprovadas sem nenhuma questão. Isso aconteceu muito por conta da aplicação tradicional do método de análise de truste, que não funciona nesse mundo das plataformas. Se o problema fosse só esse, já seria ruim, mas as plataformas já praticam há algum tempo condutas anticompetitivas muito sérias. As consequências nós já conhecemos. As práticas anticompetitivas, o auto favorecimento, exclusividade e venda casada, mas também temos a questão com o consumidor, que chamo de 'práticas exploratórias' do consumidor, que não dependem do poder de mercado para acontecer, mas quando são adotadas por empresas com poder de mercado, os efeitos são especialmente deletérios e abrangentes. Um exemplo são as violações à privacidade dos usuários, dados pessoais são o ativo mais essencial desse mercado, porque é através deles que as plataformas conhecem seus usuários e fazem a entrega de publicidade direcionada e assertiva. Existe hoje um incentivo econômico a maximização da coleta e uso dos dados pessoais, o que muitas vezes acontece em detrimento da privacidade das pessoas”, declarou em sequência Andreia Saad.

A Data Protection Officer (DPO) do Grupo Globo continuou: “Temos também as práticas de manipulação dos usuários, de indução de comportamento que vai contra o próprio interesse deles. Cito um ponto que acredito que seja pouco falado no Brasil, que são as técnicas sofisticadas que as plataformas adotam para fazer com que as pessoas passem ainda mais tempo nas plataformas. O que vemos hoje são pessoas, especialmente jovens, com problemas de vício, que também é um problema para a saúde mental e para a saúde pública. Ainda existem as falhas na moderação de conteúdo, que também independem do poder de mercado das plataformas. Falha não se refere apenas a omissão, mas na proatividade das plataformas na amplificação de conteúdos violentos. Isso está documentado e comprovado, que essa amplificação proposital acontece. Isso acontece porque são algoritmos que são usados e eles simplesmente buscam sempre o engajamento e, infelizmente, são esses tipos de conteúdos que geram mais engajamento. Sabemos onde isso desemboca”.

Andreia Saad finalizou: “Quais as ferramentas que existem para lidarmos com essa questão? Existe um meio de resolver ou minimizarmos os efeitos dessa concentração sobre o mercado? O consenso é de que não há uma bala de prata, mas sim um conjunto de medidas. Especificamente no contexto brasileiro, acredito que primeiro precisamos tentar estabelecer a competição até agora evitada pelas plataformas, alterando a lei antitruste. O CADE também tem um papel bastante importante e precisa dedicar um olhar especial as grandes plataformas, atualizando seus métodos. Por último, a ANPD tem uma função muito importante, como a regulamentação da portabilidade dos dados, que pode estimular a migração de serviços e a competição. É preciso também ter um olhar para os consumidores das plataformas, se atentando as políticas de privacidade. Entretanto, nada dispensa a necessidade de uma regulação, por temas como: transparência, autonomia do usuário, responsabilização, dever do usuário. Tudo isso precisa de regras claras, que sejam bem aplicadas. Esse debate precisa acontecer o quanto antes”.           

Guilherme Canela, chefe da Área de Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), reforçou: “A primeira questão importante que eu gostaria de sublinhar, é que nós temos que olhar esse processo, reconhecendo os enormes avanços que o advento da internet e, portanto, das plataformas digitais, trouxeram para a proteção e promoção da liberdade de expressão. Desde que Gutenberg inventou a imprensa, essa é a maior revolução para a liberdade de expressão”.

O desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, moderador da mesa, pontuou: “A tecnologia é desejável. Ninguém aqui é contra as plataformas digitais, pelo contrário, não podemos abrir mão disso que vemos hoje como uma conquista civilizatória, que democratiza a comunicação. O que queremos é, na verdade, encontrar meios e modos de combater o abuso dessa tecnologia. Essa é a ideia comum, achar uma regulação que preserve a democratização da liberdade de expressão, mas que ao mesmo tempo consiga coibir essas externalidades, para que não afetem os processos democráticos, a saúde pública e os direitos individuais das pessoas”.

Painel 2: Plataformas digitais e algoritmos

A advogada Laura Schertel Mendes declarou: “Vivemos hoje um momento de inflexão. Quando falamos de plataformas, infraestrutura de comunicação de redes sociais, estamos falando de uma esfera pública. Sabemos que na teoria tradicional da democracia, e cito Habermas, a esfera pública exerce um papel fundamental, não há democracia sem esfera pública, sem liberdade de expressão, de informação e de formação da opinião das pessoas. A esfera pública é um elemento essencial da concepção de qualquer país democrático. A grande questão hoje é que estamos tentando compreender como essa esfera pública digital transforma nossa sociedade, seus benefícios e seus riscos, para que possamos regulá-la”.

“Os algoritmos são a expressão de que a neutralidade, se é que um dia ela existiu, hoje não acontece mais. Não existe neutralidade na relação das plataformas com o conteúdo que circula, muito pelo contrário. As plataformas hoje são, em grande medida, curadoras de conteúdo, mas a partir de quais regras? Que regras definem o fluxo de informações e a dimensão e o exercício da liberdade de expressão? O conceito central é retomar e trazer a participação pública para uma regulação democrática de regras que, até hoje no Brasil, são tomadas exclusivamente, e sem qualquer interferência, pelas plataformas. Quando falamos dessas regras, elas são implementadas em grande parte pelos algoritmos, que fazem uma curadoria personalizada. Não se sabe o porquê o algoritmo toma ou outra decisão, qual a regra ou critério foi seguido. Então há uma ausência, e uma incapacidade, de regular aquilo que sequer pode ser observado. Toda a discussão de transparência é fundamental para que o sistema possa ser regulado de forma democrática. Superado o paradigma de que as plataformas são isentas de responsabilidade, precisamos de regras procedimentais, mas quem irá observar e monitorar essas regras?”, encerrou Laura Schertel Mendes.       

“Esse é um tema que precisa de provocação. Primeiro, deve se regular o tema. A questão é o como, a cautela. Segundo, é fundamental dizer que estamos falando de informação, não tem como falar de plataformas sem falar de meios de comunicação. Os problemas não foram inventados agora com as plataformas, são questões discutidas há 50 anos. Estamos em um cenário de tardio remédio e não podemos esquecer, além de uma dificuldade de eficácia, que os vulneráveis estão sempre à margem da regulação. Quando pensamos em regulação de plataformas, precisamos lembrar de que o sistema funciona como uma onda e, geralmente, quem vai estar na ponta são os vulneráveis. Precisamos pensar na regulação das plataformas a partir do problema da eficácia e da externalidade negativa”, disse o professor Fabro Boaz Steibel.

Fabro Boaz Steibel continuou: “Na audiência do Supremo sobre o Artigo 19, minha tese era que o artigo acerta em propor duas soluções: para alguns casos haverá responsabilidade objetiva, para outras subjetiva. O Direito nos ajuda a pensar em como separar esses dois lados, mas talvez tenhamos que pensar que o Direito terá que conviver com a capacidade do algoritmo de entregar esse tipo de resultado. Acho ruim declarar o Artigo 19 inconstitucional. Essa é a pior situação. O Marco Civil tem 10 anos e vários estudos demonstram que foi melhor inserir o Judiciário do que deixá-lo fora. Isso não quer dizer que é uma boa solução, mas pior do que está pode ficar. Precisamos lembrar também que as empresas têm e aplicam práticas privadas, então códigos de conduta são ótimas ideias, e desincentivos comerciais também funcionam. Existem coisas que o algoritmo não fará direito e é melhor deixar para o juiz. Por exemplo, a visibilidade social do etarismo como um problema é nova. Não peça para um algoritmo identificar etarismo. Peça para a sociedade, para um juiz, para vários contextos formularem o que é etarismo. Tenho certeza de que se colocarem uma automação para tirar o etarismo, pessoas mais velhas serão excluídas das plataformas. Isso não quer dizer que não devemos ter coisas que não sejam de responsabilidade objetiva de algoritmos”.

“Precisamos tomar muito cuidado de não pegar o status quo que vimos no passado para usar como padrão no futuro, porque não é por esse caminho que a tecnologia está indo. A legislação precisa ter um vilão e esse vilão tem que ser a indústria que se profissionaliza em abusar do algoritmo. A desinformação amadora não deve ser ato de regulação. Não que eu concorde, mas não é grande o suficiente para o Estado intervir, mas existe uma indústria da desinformação e nós vemos isso acontecer. É por esse caminho que devemos pensar”, concluiu Fabro Boaz Steibel.

A advogada Yasmin Curzi de Mendonça também compôs a mesa do segundo painel. A moderação foi conduzida pelo professor Fábio Carvalho Leite.

Painel 3: O papel do executivo na formulação de políticas públicas

O cientista político João Brant afirmou: “É evidente que o debate desse novo conjunto de soluções não foi feito com tempo e profundidade adequada. Isso se dá ante um tipo de tramitação bastante acelerada no legislativo e que ainda permanece a lógica e o sistema de tramitação que valeu na época da Covid-19, pulando comissões e trabalhando com a ideia de regime de urgência. Mas entendemos que isso não deveria ser um obstáculo para sua aprovação, já que, antes de tudo, nós temos um conjunto de danos que estão sendo causados e que nós temos vivido e assistido no ambiente digital, que em primeiro lugar, precisam de um mecanismo de proteção. Ou seja, as respostas precisam, pelo menos, andar na mesma velocidade que os problemas, se não nós vamos ter sempre o problema muito mais rápido que as respostas. E em segundo lugar, nós acreditamos que esse sistema da maneira que ele está, permite correção de rumo na sua própria implementação”. 

“Precisamos pensar em um novo modelo e o que eu proponho é um modelo de autorregulação regulada, que tem elementos essenciais: o primeiro é a definição de standarts gerais em lei, que impõe as plataformas algumas obrigações, como transparência e análise de riscos sistêmicos, mais uma certa autonomia das plataformas na operacionalização e desenvolvimento dessas obrigações. E um órgão de fiscalização com composição majoritária da sociedade civil, não do Estado, que seja capaz de monitorar o funcionamento sistêmico das plataformas. Não é responsabilizar as plataformas por uma decisão específica em que se discorde da classificação que elas fizeram quanto a licitude de um discurso. É analisar se o sistema funciona, se ele garante devido processo legal, se ele é transparente, se ele tem termos de uso que atendem a determinados requisitos. Esse é o modelo que me parece que consegue, por um lado, evitar a censura estatal, que nós não queremos, mas também evitar uma censura privada das plataformas de tecnologia”, destacou a advogada Luna Van Brussel Barroso.

A advogada Estela Aranha também participou como expositora do terceiro painel do evento. A moderação foi realizada pela membra do Fórum, professora Chiara Spadaccini de Teffé.

Painel 4 – A regulamentação das plataformas digitais pelo Legislativo

A jornalista Patrícia Campos Mello salientou: “Nos encaminhamos para mais uma eleição no ano que vem, sem uma regulação mais atualizada de plataformas de internet, que é algo que nos assusta um pouco. De novo, vamos depender de decisões judiciais, que foram importantes, mas que não estão sistematizadas. O PL 2.630/2020 começou a ser discutido no começo de 2020, ano passado houve uma tentativa de votá-lo que não foi bem-sucedida, muito por conta do lobby das grandes plataformas, e esse ano, novamente, uma combinação de fatores levou ao adiamento da votação”.

“No ano passado tivemos os ministros Barroso, Fachin e Alexandre de Moraes abordando com bastante assertividade a questão da regulação de plataformas e desinformação eleitoral, mas não podemos depender de quem estiver à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha uma ação rápida em relação as tentativas de minar o processo eleitoral. Isso precisa estar sistematizado de alguma maneira e o ideal é que isso seja pelo Congresso, de uma forma democrática e debatida pela sociedade”, encerrou Patrícia Campos Mello.

O advogado Marcelo Bechara de Souza Hobaika declarou: “Antigamente tínhamos uma visão muito romântica da internet. A Carta de Independência do Ciberespaço, escrita por John Perry Barlow, é uma poesia. Naquele momento realmente acreditávamos que existia uma internet livre, mas não existe internet livre. Se John Perry fizesse uma revisão dessa carta hoje, ele não faria uma carta direcionada aos Estados, mas as plataformas, porque se é possível dizer que a internet tem dono, esses donos têm nome e são as plataformas”.

O advogado prosseguiu: “Existem muitos projetos de leis sobre o tema, o que mostra que há uma necessidade da sociedade de dar resposta a algumas questões. Estamos entrando na questão da Inteligência Artificial e sequer conseguimos resolver a questão da desinformação. O que fez o Marco Civil da Internet andar? Foi uma reação da sociedade civil a uma tentativa de criar uma forma de que todo internauta tivesse que ser identificado na internet. Na época, havia muitos problemas de roubo de dados de bancos e eles fizeram um lobby para tentar responsabilizar os usuários. Todos teriam que ter uma assinatura criptográfica para navegar. Imagine o pesadelo que ia ser para a inclusão digital das escolas. A sociedade civil organizada então pensa que, antes de criminalizar as pessoas, é preciso defendê-las, e aí nasce o Marco Civil. O que faz um projeto de lei andar é pressão social, vontade política ou um acontecimento. Costumo dizer que na área da internet, o que faz o projeto acontecer é um escândalo. No caso do Marco Civil da Internet foram dois: o caso das revelações de Edward Snowden e as marchas de junho de 2013, em que houve perplexidade do poder público em lidar com aquelas orquestrações em relação as manifestações que foram feitas pelas redes sociais. O Marco Civil da Internet merece todo nosso respeito, porque apesar de obsoleto, é uma carta da parte constitucional bastante relevante. O que fez o PL 2.630/2020 andar? Os atos de oito de janeiro, os massacres nas escolas”.

“O algoritmo de recomendação é a nova nicotina. Estamos falando de um novo momento em que há uma indústria com impacto tão relevante na sociedade, que é preciso sim uma regulação. Não há dúvida sobre a necessidade. O PL 2.630 é um bom projeto, não é perfeito e jamais será, porque a política é a arte do possível. Quem estiver procurando a perfeição, não encontrará e o projeto nunca andará. Quando for aprovado, e eu espero que seja, com problemas e erros, que serão reparados no foro adequado que se chama Poder Judiciário. O PL 2.630 precisa resolver um ponto que é a questão da entidade, da agência reguladora, que vai ser independente de órgão executivo que vai fazer valer essa legislação”, finalizou Marcelo Bechara de Souza Hobaika.

A moderadora do quarto painel foi a desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves.

Painel 5 – A responsabilidade das plataformas e o papel do Judiciário

O professor Daniel Sarmento disse: “A primeira coisa que me parece importante destacar, é que Inovações tecnológicas sempre impactam a liberdade de expressão. Foi isso ao longo de toda a história, da invenção da imprensa, depois com os veículos de comunicação de massa, com a internet e com a plataformização. Então, embora isso tenha ganhado uma dimensão extraordinária, isso é quase a história da liberdade de expressão, que é, de certa maneira, percorrida por essas diferentes mudanças tecnológicas”.

O advogado Antônio Claudio Ferreira Netto reforçou: “O nosso tema diz mais respeito ao judiciário, mas eu não poderia começar sem reforçar que a solução definitiva para esse problema é uma regulação. É necessário e ela tem que acontecer. Eu entendo que a democracia tem seus caminhos e seus tempos e eles chegarão e a regulação há de vir”. 

O membro do Fórum, professor Carlos Affonso Souza, também palestrou no quinto painel.

O mediador da mesa, desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, ressaltou: “O tema que estamos falando envolve aquilo que, talvez, nos caracterize como seres humanos e nos diferencie das outras espécies, que é a comunicação sofisticada, capaz de criar civilizações e um universo próprio. Heidegger diz ‘a linguagem é a morada do ser’ e é verdade. Vivemos na linguagem, somos o que somos pela linguagem. A palavra tem um poder imenso. Achar que não precisamos nos preocupar com a regulação das plataformas digitais é fazer pouco caso do poder que as palavras têm. Ao mesmo tempo em que nos fazem amar e sonhar, elas também machucam e podem matar. Me preocupo imensamente com o que minhas filhas consomem na internet. Achar que não devemos moderar conteúdo por essa ideia absolutista da liberdade de expressão é uma loucura. A liberdade de expressão é a alma da democracia e do ser humano, mas ela não é absoluta, ela esbarra na liberdade do outro. A vida em sociedade impõe limites, alguns sociais, morais e outros jurídicos”.

Painel 6 – Encerramento

O presidente do Fórum Permanente de Direitos Humanos da EMERJ, desembargador Caetano Ernesto da Fonseca Costa, 1º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), afirmou: “Temos que lembrar sempre do que nossos avós e pais nos ensinaram: nossa liberdade termina quando começa a do outro”.

O excelentíssimo ministro do STF Luís Roberto Barroso declarou em sua palestra de encerramento da reunião: “É um grande prazer e uma grande honra estar na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Sempre gosto de participar dos eventos da EMERJ”.

“O Direito, como sempre, está correndo atrás da história para tentar regular essas inovações e todas as novidades. O mundo viveu três grandes revoluções industriais. A do século XVIII é simbolizada pelo vapor como fonte de energia. A segunda, na virada do século XIX para o século XX, é simbolizada pela eletricidade e pelo motor de combustão interna. A terceira é a que estamos vivendo, a revolução tecnológica, a revolução que substitui a tecnologia analógica pela digital, e é caracterizada pela universalização dos computadores pessoais, dos telefones celulares inteligentes e, sobretudo, pela internet conectando bilhões de pessoas em todo o mundo. Essa revolução digital transformou de uma maneira muito substancial a maneira como vivemos e nos comunicamos. Tudo isso promoveu nas nossas vidas novas utilidades que até ontem não conhecíamos, mas que hoje não sabemos viver sem. Estamos vivendo esse admirável mundo novo da tecnologia da informação, da biotecnologia, da nanotecnologia, da computação quântica, carros autônomos e algoritmo, que vai se tornando o conceito mais importante do nosso tempo. A partir do momento nas nossas vidas, em que as decisões mais importantes que nos digam respeito possam ser tomadas heteronomamente, estará ruindo talvez o pilar mais importante da nossa civilização liberal, que é o livre arbítrio. O conceito sobre o qual se assenta a ideia de liberalismo é que cada pessoa é livre para fazer suas escolhas existenciais”, prossegui o ministro Barroso.

O ministro do STF continuou: “E nesse cenário, o Direito sempre correndo atrás. Com muita frequência os tribunais precisam decidir essas questões antes do Direito, das leis, chegarem. O Supremo, provavelmente, vai ter que decidir responsabilidade de plataformas digitais antes de chegar a lei. Essa é uma circunstância do nosso tempo: a judicialização prévia a legislação. Evidentemente isso aumenta a subjetividade, que não é ativismo, é a necessidade de resolver os problemas que surgem antes da legislação”.

“Na democracia há espaço para todos, de modo que sempre que alguém se apresentar como único representante do povo está vendendo uma ilusão e suprimindo a possibilidade das pessoas serem diferentes. Houve uma ascensão do populismo autoritário no mundo, e chegamos ao nosso tema, que se utiliza com frequência das plataformas digitais, das redes sociais, disseminando desinformação, discursos de ódio, destruição de reputações, mentiras deliberadas, teorias conspiratórias. Portanto, o tema que estamos tratando tem uma dimensão de violação de direitos individuais, mas tem uma dimensão institucional muito grande, que é a preservação das instituições democráticas contra uma escalada autoritária que abalou diferentes partes do mundo. Mesmo países com democracia consolidada viveram os problemas dessa manipulação, para não mencionar o oito de janeiro aqui no Brasil”, prosseguiu o ministro Barroso.  

O ministro do STF destacou em sequência: “A internet produziu um impacto muito intenso sobre a comunicação social e interpessoal. A internet teve um papel extraordinário na democratização do acesso ao conhecimento, informação e ao espaço público e isso transformou positivamente o mundo, apesar da frustração das expectativas de que ela pudesse se transformar em uma ágora para um grande debate público global. Porém, da mesma forma que a internet democratizou o acesso ao espaço público, também permitiu que chegasse a desinformação, os comportamentos ilícitos, as teorias conspiratórias e os ataques à democracia. Passamos de um alcance de centenas de milhares para alguns bilhões na comunicação social e interpessoal. Essa é a grande revolução que estamos vivendo com essas transformações, que trouxe muitas coisas positivas, mas trouxe muitos problemas e destaco três. O primeiro é a circulação sem filtro da desinformação, da maldade e dos discursos de ódio. O segundo, produz um especial impacto sobre a democracia e o espaço público, que é uma certa tribalização da vida. O que os algoritmos fazem é criar tribos de pessoas que só consomem o que corresponde aos seus interesses e demandas. Quando se vive em um mundo em que tudo que se lê, confirma e reitera aquilo que você acha, cada vez mais você se torna intolerante com o diferente e se radicaliza, perdendo a capacidade de comunicação com o outro, que é o que estamos vivendo agora. O terceiro é que se criou uma crise no modelo de negócio da imprensa tradicional, que não é apenas uma atividade privada, é uma atividade com grande papel de interesse público, que é criar um conjunto de fatos compartilhados pela sociedade. As pessoas têm direito a sua própria opinião, mas não tem direito aos seus próprios fatos, e a imprensa tradicional cria esse ambiente fático que permite a interlocução”.

“Quando a internet surgiu, o credo era de que ela deveria ser aberta, livre e não regulada. Infelizmente, a vida não fluiu dessa forma e hoje em dia não há dúvida de que é preciso regular a internet. Em primeiro lugar, no plano econômico, para tributação justa, impedir dominação de mercado e violação de direitos autorais. Em segundo lugar, para proteger a privacidade das pessoas. É imperativo que haja uma regulação para que as informações sobre a vida pessoal não sejam usadas de maneiras abusivas ou impróprias. Por fim, também é preciso regular por uma razão ainda mais complicada, que é evitar conteúdos ilícitos e os comportamentos coordenados inautênticos, que multiplicam o alcance da desinformação pela utilização de robôs, provocadores, perfis falsos e pela criação de enormes grupos. São comportamentos perigosos para a democracia, para a saúde pública, para a credibilidade das instituições. Embora não exista dono da verdade em uma sociedade aberta e plural, a mentira tem e é preciso enfrenta-la. A verdade é que com todas as modernidades, os grandes valores que devem reger a humanidade continuam a ser os mesmos: o bem, a justiça e o respeito à dignidade humana”, concluiu o excelentíssimo ministro do STF Luís Roberto Barroso.

O vice-presidente do Conselho Consultivo da EMERJ, desembargador Cláudio Luís Braga Dell’Orto, encerrou: “Em nome do diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, quero agradecer ao ministro Barroso pela possibilidade de estarmos participando desse evento histórico. Sua palestra foi brilhante. O evento trouxe um debate aprofundado e crítico sobre essa questão fundamental da regulação das plataformas digitais”. 

Assista

Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=alJ9Qfub5AM / https://www.youtube.com/watch?v=MLSehnvSf4w

 

Fotos: Jenifer Santos e Maicon Souza

25 de agosto de 2023

Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)