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EMERJ sedia primeiro dia da Conferência Internacional sobre Crime Organizado

A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) sediou nesta quinta-feira (26) o primeiro dia da Conferência Internacional sobre Crime Organizado. O encontro é promovido pelo Fórum Permanente de Direito Penal, pelo Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos, pelo Fórum Permanente de Hermenêutica e Decisão e pela Associação Internacional de Direito Penal (AIDP).

A reunião aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura, com transmissão via plataforma Zoom e tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Houve tradução simultânea do evento (italiano-português e espanhol-português) por meio da plataforma Zoom.

Abertura

O diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, destacou em sua fala de abertura da conferência: “Recentemente, nós tivemos um ataque terrível na cidade do Rio de Janeiro, onde foram incendiados 35 ônibus e até agora não sabemos se isso foi ação do crime organizado, da milícia ou do tráfico. A questão é que a população mais carente é a que mais sofre na mão dos milicianos e traficantes”.

“Nós, aqui desse encontro, vamos tratar de temas importantíssimos, como a questão de recuperação de ativos, a corrupção que, lamentavelmente, assola o nosso país, os crimes cibernéticos. Acredito que temos que apostar que eventos como esse podem contribuir concretamente para abalar as estruturas do crime organizado, a partir da detecção da sua origem”, concluiu o diretor-geral da EMERJ.

O presidente do Fórum Permanente de Direito Penal, desembargador José Muiños Piñeiro Filho, reforçou: “Talvez, esse evento seja uma forma de contribuir para recuperarmos o tempo do enfretamento, porque o Brasil se comprometeu, nos anos 90, em ter uma legislação própria sobre o combate ao crime organizado. No entanto, apesar desses compromissos internacionais, a primeira lei efetiva é de 2013, ou seja, o Brasil demorou muito tempo para realizar aquilo que já era compromisso internacional”.

“A AIDP não é uma associação de advogados e sim uma associação de juristas, alguns com origem no Ministério Público, outros da advocacia e da academia, e todos convivem muito bem, cada um com seu viés e pensamento, com objetivo de tentar construir um Direito Penal que seja efetivo e respeitador dos direitos humanos, ou seja, uma justiça mais eficiente e mais humana. É importante estarmos aqui na Escola da Magistratura, porque ao final dos estudos e mudanças legislativas, os magistrados, que são os aplicadores do Direito, vão utilizar o resultado desse trabalho. Então, esse intercâmbio e espaço aberto é muito bom para que todos possam ver o que está sendo visto e pensado sobre essa questão do crime organizado”, salientou o presidente do Grupo Brasileiro da AIDP Carlos Eduardo Machado.

Os professores Lênio Luiz Streck, presidente do Fórum Permanente de Hermenêutica e Decisão; Vicente de Paulo Barretto, presidente do Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos e vice-presidente do Fórum Permanente de Hermenêutica e Decisão; e John Vervaele, presidente da AIDP; também compuseram a mesa de abertura do encontro.

Conferência Inaugural

Na conferência de inauguração do evento, John Vervaele declarou: “Olhemos a Convenção de Palermo. O que encontramos é um marco significante na luta global contra a criminalidade organizada e uma evolução no conceito de delitos transnacionais. Isso não é tão simples, são delitos domésticos, que já temos em nossos códigos, estatutos e leis específicas, que se desenvolvem em delitos internacionais. A Convenção de Palermo tem uma história, já está em vigor há 20 anos e é o reconhecimento dos Estados soberanos; soberanos em sua jurisdição em matéria penal, da necessidade de cooperar e de lutar juntos contra uma certa forma de criminalidade que ultrapassa suas fronteiras. É um entendimento de que certos tipos de criminalidade eram um problema comum e necessitavam de uma resposta comum”.

“Primeiro, os pontos positivos. O conteúdo e a forma da Convenção, integrando a todos os elementos, em muitos sentidos é inovador. Também é importante que, em certos aspectos, há um compromisso entre tradições jurídicas muito diferentes, o Civil Law e o Common Law, o que em nível global não é tão fácil. Um compromisso não sempre fantástico, com problemas, mas existe. Outro ponto é o monitoramento da Organização das Nações Unidas (ONU) do segmento da Convenção, com assistência técnica para adaptação legislativa e capacitação à prática. Os Estados não ficam sozinhos. Porém, monitoramento também é um controle para ver se os Estados executam o conteúdo e objetivos da Convenção. Por isso, há uma Assembleia em Viena, a cada dois ou três anos, sobre a adaptação ao nível nacional da Convenção de Palermo e todos os Estados têm que informar. Há um controle bastante rígido sobre isso e se os Estados não cumprem, não há sanções jurídicas ou financeiras, mas pressão política. Existe também o Fundo de Solidariedade entre os países mais ricos e mais pobres, com a promessa de contribuição de até 20% dos produtos ilícitos confiscados para esse fundo, que ajudaria os países a adaptarem direito, prática e capacitação interna. Esta Convenção foi, sem dúvida nenhuma, a precursora de outra Convenção da ONU, que é a Convenção contra a Corrupção”, prosseguiu o presidente da AIDP.

John Vervaele afirmou em sequência: “Quanto aos pontos críticos e desafios. Em primeiro lugar, não está muito claro onde está o limite. O conceito de 'transnacionalidade' não está bem definido. Quando olhamos as sanções, é muito florido, não entra muito na harmonização das sanções. Outro ponto negativo é a responsabilização penal da pessoa jurídica, que é um campo aberto às sanções administrativas ou penais, a interpretação de cada Estado. Também é criticável que, naquele momento, os Estados analisaram apenas uma criminalidade bastante clássica. Hoje em dia, se discute porque certos delitos graves não entram na aplicação da Convenção, como tráfico ilícito de medicamentos, pesticidas, pesca ilegal estruturada em alto mar. Isso poderia entrar na Convenção, obviamente. Muitos destes delitos não estão no núcleo duro do texto, e para muitos países não entram na esfera de aplicação. A proteção das vítimas também é deficitária. Na formação do texto, a vitimologia e direitos para vítimas era muito forte, mas se analisarmos a atenção à vítima falta algo. Obviamente, há proteção de vítimas, mas é sempre na perspectiva de segurança do Estado. Não é um interesse próprio, há interesse na vítima porque interessa ao procedimento. A mesma crítica serve para a garantia dos direitos processuais, dos direitos humanos, há pouca coisa no texto. Isso está vinculado ao enfoque de segurança como interesse estatal”.

“Outro desafio é o pouco material que existe sobre adaptação ao nível nacional. Há muitos problemas. No nível legislativo, muitos países não adaptaram suficientemente seu direito interno e pior é na prática, na adaptação do direito administrativo e judicial. Muitos países nem os têm por falta de capacidade, dinheiro ou de interesse. Também há o afrouxamento do monitoramento da ONU, com atenção cada vez maior à luta contra a corrupção e o terrorismo. É um paradigma. Vinculado a isso, está o fracasso do fundo de solidariedade, que nunca funcionou e, obviamente, é um grande problema para Estados mais pobres”, pontuou o presidente da AIDP.

John Vervaele finalizou: “Há muito pontos positivos e pontos mais críticos, mas essa Convenção surgiu no auge da multilateralidade em matéria de Justiça Penal. Todos sabemos que vivemos em tempos que a multilateralidade não está em moda. As grandes potências estão muito separadas e não estão para negociar novos convênios, ao menos ao nível global, com conteúdos deste tipo. Creio que por agora, não vamos rever uma repetição deste convênio, com seus pontos positivos e fracos”.

Sessão I – Reformas no Direito Penal e o Processo Penal

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O presidente da mesa, desembargador Henrique Abi-Ackel Torres, doutor em Direito pela Universidade de Sevilha, frisou: "É uma grande responsabilidade presidir esse painel, um tema extremamente importante. Ontem, nós falamos bastante sobre as novas tecnologias e eu assisti o evento inteiro dos Jovens Penalistas. Foi muito interessante, porque as mudanças têm acontecido e a questão não é nem mais o que vai mudar e sim a velocidade com que as coisas vêm mudando. Nesse contexto, a curiosidade do pesquisador fica cada vez mais aguçada e, para isso, é importantíssimo nós discutirmos as reformas penais e processuais penais na sociedade pós-moderna que nós vivemos hoje, com tantos avanços tecnológicos e modificações nas próprias relações humanas”.

“Quem faz tese é o Parlamento. O Poder Judiciário julga o passado e o Parlamento cuida do futuro. Hoje, o Brasil é o único país do mundo que faz precedentes para o futuro e acha que o Judiciário é quem vai cuidar da droga e do aborto, por exemplo. Só que há um problema, o Parlamento está dando ‘backlash’, e isso acende a luz amarela sobre o papel do próprio Poder Judiciário”, disse Lênio Luiz Streck.

Vincenzo Mongillo, professor catedrático de Direito Penal da Università Unitelma Sapienza di Roma, e a procuradora de justiça Patrícia Mothé Glioche Béze, também estiveram presentes na primeira sessão.

Sessão II – Lavagem de dinheiro

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O membro do Fórum Permanente de Direito Penal Thiago Bottino do Amaral elucidou: “Hoje, o combate à lavagem de dinheiro e, portanto, também ao crime organizado, porque uma coisa está diretamente relacionada a outra, passa, fundamentalmente, por sermos capazes de regular todo tipo de atividade nova à medida que ela surge. Porque se demoramos dois, três ou quatros anos para parar e pensar: ‘isso é um potencial método de lavagem de dinheiro e nós não regulamos, então, nós estamos combatendo a lavagem de dinheiro’. Hoje, essa tem que ser a maior preocupação: identificar quais são os novos processos que precisamos olhar e enfrentar essa questão”.

“Esse tema é bastante atual e, lamentavelmente, nessa semana vivemos um momento muito duro para o Rio de Janeiro. Eu diria não só para o Rio, mas sim para todo o Brasil. Nós estamos atravessando um período muito complicado. Então, lamentavelmente, temos um encontro da atualidade e vivência prática com a teoria. É muito duro ter que aprender a teoria na prática e que nós não tenhamos tempo de experimentar a vivência de prevenir e nos ajustar antes das práticas nefastas do crime organizado”, destacou a membra do Fórum Permanente de Direito Penal, defensora pública Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira.

Também compuseram a mesa da segunda sessão do encontro o vice-presidente do Fórum Permanente de Direito Penal, desembargador Marcos André Chut, e Charlotte Claverie-Rousset, professora de Direito Privado e Ciências Criminais na Universidade de Bordeaux. O membro do Fórum, desembargador Luiz Noronha Dantas, realizou a presidência da mesa.

Sessão III – Confisco e recuperação de ativos

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O presidente da mesa Oswaldo Henrique Duek Marques, líder do Grupo de Pesquisa de Criminologia e Vitimologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de Direito Penal da PUC-SP e doutor em Direito e em Psicologia pela PUC-SP, afirmou: “Os grandes debates, acredito, nesses temas, estão um pouco fora da legislação. Acho que a questão, por exemplo, da lavagem de dinheiro, tem o tema interessante do crime antecedente à lavagem de capitais, que muitas vezes trabalhamos com o que seria uma realidade psíquica, que foge da realidade objetiva que deve nortear o processo penal. Imaginemos o sujeito que trabalha no órgão de fiscalização e, de repente, ele aparece com uma conta corrente completamente incompatível com aquilo que ele recebe. Seria origem de um determinado crime antecedente? Porque lavagem de capitais teria que ter um crime antecedente especifico. Ou seria uma realidade psíquica que imaginamos? Ele pode ter recebido uma herança, acertado em um cassino em Las Vegas, não sabemos. Hoje, está havendo aquilo, que também irá acontecer no confisco alargado, que é a inversão do ônus da prova. Acho isso muito perigoso no Estado Democrático de Direito, que uma suposição de uma diferença de renda seja suficiente. Precisa de condenação sim, mas há prova suficiente de que a diferença de renda veio do crime pelo qual foi condenado?”

O vice-presidente do Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos, desembargador federal aposentado Abel Fernandes Gomes, membro do Fórum Permanente de Direito Penal, pontuou: “O confisco foi considerado, há pelo menos 50 anos, um dos instrumentos para se atingir o calcanhar de Aquiles das organizações criminosas. Isso porque, está no histórico da evolução das organizações criminosas, o fato de que, entre as décadas de 30 e 50, a própria Assembleia Geral da ONU já havia percebido, nos desdobramentos dos fatos da época da Lei Seca, a necessidade de manter, no período de cinco em cinco anos, atividades para se discutir a prática do crime organizado transnacional e punir algumas condutas mais graves dessas organizações”.

“O confisco, com seus problemas, seria a forma de se efetivar, após um processo e uma condenação, aquilo que, na verdade, o crime de lavagem de dinheiro visa atingir, que são os ativos produzidos e conseguidos por essas organizações criminosas. Ocorre que a mistura dos ativos e a prova de que as pessoas têm o conhecimento a respeito disso, sempre foram questões muito difíceis de serem superadas, para que se levasse avante a efetividade dessas medidas contra as organizações criminosas. Surge então, na linha do combate à lavagem de dinheiro, a recomendação quatro do Grupo de Ação Financeira (GAFI): ‘os países devem tentar em suas legislações interiores e naquilo que for permitido pelo seu sistema constitucional, estabelecer a possibilidade de confiscos sem condenação ou produzidos em um processo que caberá ao infrator a prova da licitude dos bens’. Isso, obviamente, remete a questão do ônus probatório da derivação dos bens e ativos que se pretende confiscar”, explicou em sequência o vice-presidente do Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos.

O desembargador federal aposentado Abel Fernandes Gomes encerrou: “Nas convenções internacionais que passaram a surgir justamente para lidar com esses fenômenos criminais, que são as organizações criminosas, a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas, elas também estabeleceram a possibilidade de uma suposta inversão do ônus da prova da licitude desses bens. Isso está no artigo 7º da Convenção de Viena, no artigo 12 da Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional e no artigo 20 da Convenção da ONU contra a Corrupção. Tudo passou a circundar em torno da inversão do ônus da prova”.

Anabela Miranda Rodrigues, professora catedrática de Direito Penal da Universidade de Coimbra, afirmou: “A Convenção contra a Corrupção da ONU de 2003 dedica um de seus capítulos a recuperação de ativos. É interessante destacar como a Convenção incide sobre mecanismos de recuperação de ativos, que se revelam necessários para permitir as autoridades competentes executar uma ação de confisco emitida por um Tribunal de outro Estado participante, depois declarar o confisco de bens de origem estrangeira e declarar o confisco na ausência de sentença criminal quando, contra o autor da infração, não possa ser instaurado um procedimento criminal. Portanto, desta forma, com a consagração desta possibilidade inovadora, a Convenção vai ao encontro de opções político criminais, no sentido de ser admitido o denominado confisco sem condenação”.

“Gostaria de sublinhar, na Convenção o que está em causa é o confisco de bens na sua faceta de instrumento político-criminal contra um certo tipo de criminalidade lucrativa, grave e organizada, através da qual se tem visto que o crime não compensa, ultrapassando então as insuficiências das sanções penais. Se logra mais eficientemente o objetivo preventivo, em relação a uma criminalidade que gera benefícios econômicos, recorrendo então a mecanismos que atingem as vantagens que esta criminalidade proporciona. Aliás, é baseada nessa compreensão que a política criminal atual tem procurado estabelecer o que se pode designar como uma estratégia patrimonial contra o crime”, concluiu Anabela Miranda Rodrigues.

O desembargador Marcos André Chut e a defensora pública Ana Lúcia Tavares Ferreira também estiveram presentes na terceira sessão da Conferência Internacional sobre Crime Organizado.

Assista

Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=a3a4Yu5kV6Y / https://www.youtube.com/watch?v=4D56xtf02fs

 

Fotos: Jenifer Santos e Maicon Souza

26 de outubro de 2023

Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)