Nesta segunda-feira (30), a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) sediou o seminário “Projeto do Novo Código de Processo Penal”. O evento também homenageou o desembargador aposentado João de Deus Lacerda Menna Barreto.
O encontro, promovido em parceria com o Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB), aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Abertura
O diretor-geral da EMERJ, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), destacou na abertura do seminário: “Hoje, mais uma vez, a EMERJ está cumprindo realmente o seu papel fundamental de disseminar conhecimento jurídico. É um desafio para um país como o nosso conseguir adequar essas garantias fundamentais com o combate que temos que fazer ao crime”.
O desembargador Peterson Barroso Simão, presidente do IMB, pontuou: “Por que não estudarmos a criação de uma agência de segurança e inteligência no Estado, de altíssimo nível e com poder de ação dentro da lei, para combater e neutralizar as organizações criminosas? Esse evento tem por objetivo debater a necessidade e atualização da legislação penal e processual penal brasileira, e nossos expositores encontram-se à altura de um debate produtivo e repleto de boas ideias”.
“Eu espero que hoje tenhamos boas propostas, porque vivemos aqui no Rio de Janeiro uma situação mais ou menos parecida com a que Israel está vivendo atualmente no Oriente Médio. O Brasil é o país onde mais se mata no mundo. O número de homicídios no Brasil é equivalente ao total homicídios da América do Norte, Europa Ocidental, do resto da América do Sul e também do Oriente Médio, somados”, concluiu o desembargador Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes.
O juiz André Ricardo de Franciscis Ramos, juiz auxiliar da 2ª vice-presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e JDS da 7ª Câmara Criminal, também esteve presente na abertura do evento.
Mesa 1 – Análise crítica das novas tendências processuais probatórias no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
O procurador de justiça Marcelo Rocha Monteiro, membro do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e professor auxiliar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), declarou: “Não é possível que nós tenhamos um tratamento tão distinto. Para uns, o mais exacerbado garantismo na não admissão de provas obtidas de forma lícita e legítima, com base em uma interpretação equivocada da Lei Processual, que leva absolvição de traficantes e assaltantes. Para outros, a violação do devido processo legal: violação do princípio do juiz natural, da regra do duplo grau de jurisdição e da óbvia regra que a ampla defesa pressupõe a ciência exata da acusação, ou seja, você tem que saber exatamente da conduta que você teria praticado e do que está sendo acusado. Depois de 35 anos de magistério, eu não quero agora ter que ensinar aos meus alunos um Direito Processual Penal de duplo padrão. Para um, todas as garantias, para outro, linchamento processual”.
“Há várias formas de contar a história de um país, uma delas é através da evolução da criminalidade e da resposta que a sociedade dá a essa questão. Eu talvez pertença à última geração de brasileiros que conheceu um país onde era possível andar na maioria das ruas e cidades sem medo de ser vítima de um crime violento. Hoje, meus filhos vivem em um país onde o medo é onipresente. Ter sido assaltado à mão armada é a experiência comum que uni todos os brasileiros do Rio Grande do Sul ao Amazonas. Já fiz centenas de palestras pelo Brasil e começo pedindo ‘todo mundo que já foi assaltado, levante a mão’, ficam poucas mãos abaixadas”, disse o comentarista político Roberto Bezerra Motta, escritor e mestre em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ).
O deputado federal Eduardo Pazuello, general de divisão do Exército Brasileiro, membro titular da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, afirmou: “Está sendo desenhando em Brasília e eu vou propor uma frente parlamentar pelo endurecimento da legislação penal. É exatamente o que estamos falando aqui. Mas é preciso compreender que vou buscar as assinaturas e acho que conseguirei. Acredito também que a partir disso vamos ter um instrumento na mão, para que os senhores possam utilizar essa frente para fazermos propostas e agir no nível federal”.
O desembargador Gabriel de Oliveira Zéfiro, presidente da mesa e mestre em Direito pela Unesa, finalizou: “Segundo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no estado do Rio de Janeiro há mais de quatro milhões de pessoas que vivem sob o julgo de organizações criminosas. Nos últimos 10 meses, houve menos 31,4% apreensões de drogas no Brasil, comparado ao mesmo período do ano passado. Hoje, infelizmente, vivemos em sociedade dividida, onde cada um entende uma coisa e vê a solução de um lado. Creio que um desses lados têm muitas pessoas que são inocentes e úteis, e muitas outras que pregam um determinado princípio, que atende a certas sociedades ocultas: ‘a ordem vem do caos. Estabeleça o caos e todo mundo vai querer a ordem’. E aí vem a ordem que eles querem”.
Ao fim da primeira mesa o desembargador aposentado João de Deus Lacerda Menna Barreto, de 93 anos, foi agraciado com a outorga da Medalha EMERJ. A comenda, que homenageia aqueles que contribuíram para a formação e qualificação dos magistrados fluminenses e prestaram relevantes serviços à Escola, foi recebida por sua nora Lúcia Frota Pestana de Aguiar Silva, vice-presidente do Fórum Permanente de Pós-Humanismo e Defesa dos Animais Cláudio Cavalcanti e diretora da Escola de Administração Judiciária (ESAJ).
Mesa 2 – O enfrentamento das organizações criminosas e os mecanismos de investigação
O desembargador Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes, presidente da segunda mesa do seminário, frisou: “A polícia brasileira não é muito bem armada, não tem recursos técnicos que deveriam ser providos, mas com muita garra ela consegue ter a medalha de ouro no enfrentamento do crime organizado. Precisamos dar a estrutura para a polícia agir de forma técnica e eficiente”.
O delegado da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ) Fabrício Oliveira, coordenador da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), ressaltou: “É uma grande responsabilidade falar em um evento como esse, pois falo em nome de muitos policiais que muitas vezes não têm a oportunidade de apresentarem suas realidades. A polícia é muito criticada, quase sempre incompreendida, e enfrenta enormes desafios em todo Brasil, mas no Rio de Janeiro é um caso à parte”.
“Ainda que tivéssemos a melhor polícia do mundo aqui no Brasil, a grande maioria dos problemas de criminalidade persistiriam. O problema não é apenas de polícia, nem é somente a polícia que tem condições de resolver. Se trata de um sistema que está em colapso. Temos uma legislação penal branda com os criminosos, a execução penal no Brasil não encontra paralelo com nenhum outro lugar do mundo. Com criminosos violentos em liberdade rapidamente se provoca um desgaste da polícia pelo retrabalho com indivíduos com vasta ficha criminal, que deveriam estar presos se a legislação fosse mais rígida e aplicada com mais rigor. Isso é grave e não depende da polícia. Ainda temos enormes vulnerabilidades no sistema carcerário, que não consegue afastar o delinquente do convívio social com as lideranças das organizações criminosas, e restrições às atuações policiais. O resultado disso tudo é catastrófico, com uma impunidade muito grande e um estímulo à delinquência. Não há força policial que consiga fazer frente à multiplicação de delinquentes. Não é uma viatura na esquina que impede um crime. A sociedade deve temer a lei, um indivíduo tem que pensar antes de praticar um crime, sabendo que a sanção será pesada. Aqui no Brasil, infelizmente, se perdeu esse respeito”, salientou em sequência o delegado da PCERJ Fabrício Oliveira.
A promotora de justiça Elisa Ramos Pittaro Neves, membra do MPRJ e mestra em Direito Penal pela Uerj, reforçou: “O controle dessas organizações, com uso de extrema violência é exercido de forma explícita. Eles não têm pudor em expor seus fortes armamentos nas redes sociais, de forma ostensiva. Esse tipo de postura demonstra que nosso sistema criminal perdeu totalmente o efeito intimidatório para essas pessoas. O território é deles, sem receio de serem identificados, porque dentro daquele território eles fazem o que querem. Além disso, esse tipo de atuação gera uma forma de intimidação difusa, porque quem será testemunha? Quem irá cooperar com a polícia e com Estado, em qualquer contexto? É um tipo de violência, que em todo o tempo que estou no Ministério Público, nunca tinha visto, extorsões, tortura, execuções. Ainda assim, com toda a atuação da polícia, conseguimos ver que os grupos criminosos conseguem construir uma narrativa totalmente desconectada da realidade, em que as pessoas banalizam a atuação desses grupos e esses indivíduos que praticam esses tipos de atrocidades são colocados como vítimas. Imagino, em um primeiro momento, que seja por falta de informação de pessoas que não estão habituadas a um trabalho com segurança pública”.
“Esse tipo de dominação traz consequências reflexas. Se a polícia tem dificuldade operacional, para investigar é pior ainda. A investigação é difícil e complexa. Além disso, ninguém será testemunha, ou seja, sem investigação esse grupo criminoso sai mais fortalecido e a população fica com o sentimento de abandono e cada vez mais vulnerável. Toda nossa legislação, nosso Código de Processo Penal, foi elaborado nos moldes de um Estado Democrático de Direito, onde existem regras. Quando colocamos nossa legislação nesses locais, ela é totalmente ineficaz. Ali não existe efetivamente um Estado Democrático de Direito, talvez porque quando nossa própria Constituição foi elaborada era inimaginável que em pleno centro urbano se teriam territórios inteiros tomados por regras próprias. O Rio de Janeiro, como um todo, está assim. Se nada for feito em tempo razoável, se todos que trabalham com sistema criminal no Brasil não se conscientizarem que algo precisa ser feito, e nós temos todos um inimigo comum que tira nossa paz, aonde vamos parar?”, encerrou a promotora Elisa Ramos Pittaro Neves.
O jornalista Eduardo Tchao destacou: “Trabalho há 27 anos cobrindo segurança pública. O Rio de Janeiro enfrenta a pior crise de segurança pública dos últimos anos. Acredito que não tenha solução, porque só piora. A situação chegou a um ponto insustentável. Concordo com tudo que foi dito anteriormente: as leis são muito fracas, todos voltam para a rua. Parece um estímulo ao cometimento de crimes. A população só sofre com isso”.
Assista
Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=oK0QVAJXtTA / https://www.youtube.com/watch?v=Hkdaw00pg4A
Fotos: Maicon Souza
30 de outubro de 2023
Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)