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EMERJ realiza evento “Encarceramento na pós-modernidade e segurança pública: dois tempos de uma história”

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A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou nesta quarta-feira (28) o encontro “Encarceramento na pós-modernidade e segurança pública: dois tempos de uma história”.

A reunião, promovida pelo Fórum Permanente de Segurança Pública e Execução Penal, aconteceu presencialmente no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura. Houve transmissão via plataforma Zoom, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Abertura

O presidente do Fórum, desembargador Alcides da Fonseca Neto, declarou em sua fala de abertura do evento: “Essa ideia de encarceramento, a prisão, não resolve nenhum problema. Ao contrário, ela piora. Em uma situação ou outra é preciso prender, mas o problema da prisão no Brasil é a situação dos próprios apenados, porque o que fazer com eles? Temos esse mito do encarceramento, em que as pessoas acreditam que é preciso prender, e ainda há muitos que dizem que prendemos pouco, como se isso resolvesse alguma coisa. Qualquer um que entenda minimamente da matéria sabe que criar cadeias, prisões, principalmente no regime fechado, só piora a situação”.

“Existe reinserção social, ressocialização? Não. Só na lei. A lei fala em reinserção e muitos acreditam nisso, mas é uma balela. Se, ao menos, tivéssemos políticas públicas de empregos para essas pessoas quando saem das prisões, talvez a situação não fosse do jeito que está. Mas não há emprego nem para os que estão soltos, imagine para os que estão presos. Esse é o primeiro problema que temos, mas existe uma questão de fundo criminológico. Já pararam para pensar em quem está preso neste momento? Em 2022, havia 422 mil presos no Brasil, com idade média entre 35 e 40 anos. E com relação à questão racial? Será que existe algum tipo de racismo também em relação a isso no Brasil? O que temos hoje nas prisões é algo em torno de 70% de pessoas negras. Só se prender preto e pobre. Temos uma questão muito forte de seletividade no Direito Penal, porque a polícia investiga alguns crimes e algumas pessoas, ou seja, normalmente, ou quase sempre, os pretos e pobres, são esses que são levados para o cárcere. Mas só pretos praticam crimes no Brasil? Temos que voltar as teorias positivistas do século XIX? Onde estão os brancos, porque na prisão não estão? Então, temos, na verdade, um racismo estrutural muito forte nessa questão do Direito Penal, do Processo Penal e das prisões e do encarceramento. No Brasil, estamos encarcerando uma raça. Preconceito e racismo é o que acontece em matéria de encarceramento no Brasil”, concluiu o desembargador Alcides da Fonseca Neto.

O vice-presidente do Fórum, desembargador Luciano Silva Barreto, frisou: “Esse é um tema que não é de hoje e que, talvez, não tenha solução emergente”.

O coronel reformado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) Íbis Silva Pereira, membro do Fórum e doutor em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), também compôs a mesa.

Palestras

A advogada criminal Gisela França da Costa, professora de Direito Penal e Processo Penal da EMERJ e de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutora em Direito pela Uerj, afirmou: “Pensar em encarceramento como solução para a questão da criminalidade é algo que está nas antípodas da realidade, do que a própria história do sistema prisional demonstra para nós. Pretender ressocializar alguém o encarcerando é análogo a pretender se preparar para uma maratona permanecendo um ano deitado. Pretender preparar alguém para viver em liberdade o encarcerando é uma contradição em termos. A pena privativa de liberdade e todas as mazelas subjacentes ao cárcere denotam que, na verdade, não passa de um sofrimento inútil, que ao realizar a chamada a ‘prisionização’ faz com o que indivíduo, imediatamente, se descaracterize das suas qualidades, que eram necessárias para a vida em liberdade. Ao se compatibilizar com o regramento carcerário, que atinge inclusive aqueles que atuam diretamente dentro da instituição prisional, esse indivíduo, desadaptado nas instituições que Michel Foucault em ‘Vigiar e Punir’ chama para nós de ‘instituições totais ou de sequestro’, tem as suas subjetividade e individualidade, completamente aniquiladas. Essas são, evidentemente, condições para qualquer programa pretensamente reabilitador, se fosse possível, requereria a vontade do apenado”.

“A própria concepção de ressocialização, reintegração ou reinserção, é falaciosa, equivocada. O nosso sistema penal, desigual, parcial, atuando através da criminalização da miséria, trabalhando com paradigmas do estigmatizado, através do estereótipo do criminoso, se abatendo sempre sobre os mesmos indivíduos, ele se abate sobre indivíduos que sequer foram adequadamente socializados. Essa cultura ‘re’ é incompatível com a população carcerária de pretos, pobres, analfabetos, de indivíduos marginalizados socialmente”, prosseguiu a advogada criminal.

Gisela França da Costa encerrou: “Portanto, é condição ‘sine qua non’ para que possamos entender o grande encarceramento da pós-modernidade, esse movimento de aniquilação de corpos jovens, pobres, pretos, nós saibamos que antes de discutirmos ressocialização, muito mais digno e adequado seria que discutíssemos socialização, políticas públicas, sociais, que garantissem a maioria esmagadora da nossa população, alijada das condições básicas de sobrevivência e subsistência. Esse debate a cerca do encarceramento jamais será capaz de solucionar a intrincada problemática da criminalidade, que além de complexa e multivetorial, só pode ser minimamente analisada a partir de uma perspectiva interdisciplinar que dialogue com a Ciência Política, Sociologia, Antropologia, História, Filosofia, Psicologia, para que compreendamos que a prisão não é capaz, nem nunca foi capaz, de ressocializar ninguém, nem no Brasil, nem em nenhum país do mundo. Isso fica claro quando ela não cumpre seus dois pressupostos básicos declarados: impedir a reincidência e garantir a ressocialização do apenado. Quando penso no inferno de Dante, me lembro que no pórtico do inferno está a frase ‘deixai, vós que entrais, toda a esperança’. Certamente, no pórtico de todas as prisões brasileiras, essa deveria ser a inscrição”.

“Qual a porta de entrada do nosso sistema prisional no Brasil? É a audiência de custodia. Inicialmente, a audiência de custódia foi instituída por pactos internacionais para apresentar as pessoas capturadas, presas, a presença de uma autoridade judiciária. A questão é que os pactos firmados pelo Brasil, não estabeleciam exatamente nem a circunstância, nem o prazo em que essa apresentação deveria acontecer. A partir disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução 230/2015, institucionalizou, regulamentou, as audiências de custódia no Brasil. A partir de então as audiências começaram a acontecer, inicialmente, apenas nas hipóteses de flagrante delito. No início de 2020, o Supremo Tribunal Federal, julgando uma reclamação, determinou que as pessoas capturadas em razão de cumprimento de mandados de prisão também deveriam ser conduzidas a presença da autoridade judiciária e, portanto, deveriam passar pelas audiências de custódia”, salientou a juíza Ariadne Villela Lopes, professora de Direito Penal e Processual Penal da EMERJ e mestra em Justiça e Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fiocruz (ENSP/Fiocruz).

A juíza Ariadne Villela Lopes concluiu: “Praticamente um terço das pessoas presas estão encarceradas sem condenação criminal. A título de que? Prevenção de futuras reincidências. Precisamos nos atentar para essa circunstância. Exatamente nesse sentido que tem importância a realização das audiências de custódia como controle do ingresso de pessoas capturadas nas unidades prisionais. Precisamos refletir e pensar que sociedade queremos construir, em que Brasil queremos viver, para que possamos reformular nossas políticas e trazer uma compatibilidade entre o que pretendemos de sociedade para o que praticamos. Precisamos também revisar o sistema processual penal brasileiro”.

“Temos a missão de revelar que o conceito de ressocialização pode ser muito mais perigoso do que parece. É preciso descontruir esse mito. A começar por um estudo até etimológico da palavra ressocialização. Há um prefixo ‘re’ nessa palavra e isto vem com o pensamento penal moderno, com a escola clássica, as noções das culturas ‘re’, quer dizer, fazer de novo algo, reinserir socialmente, ressocializar, reintegrar. É o que Michel Foucault falava em ‘ortopedia da moral’, moldar a moral das pessoas encarcerando-as. Portanto, a ideia de ressocialização parte da premissa falsa de que já socializamos no passado, mas estamos falando de pessoas que não foram socializadas no passada, que estiveram sempre a margem da nossa sociedade e não tiveram sequer o mínimo existencial e não podemos chamar de socializados. Diante disso, o papel que cumpre a prisão, é o que diz nosso professor Juarez Cirino, a ideia de uma eficácia invertida, a prisão acaba cumprindo um papel contrário ao que pretende, sendo uma instituição criminógena que, ao invés de reduzir indicadores de violência e criminalidade, fomenta o crime e a violência, retroalimentando essas mazelas”, destacou o advogado criminalista Taiguara Líbano Soares e Souza, professor de Direito Penal da EMERJ e da UFF e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

O juiz Rubens Roberto Rebello Casara, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Corpo Freudiano e doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), expôs: “Encarceramento é o ato de colocar seres humanos em jaulas. E pós-modernidade? É um fenômeno que se opõe a modernidade e a modernidade poderíamos definir, de maneira resumida, naquele modelo divulgado a partir da Revolução Francesa, que se resume na máxima: ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’. A pós-modernidade é aquele momento histórico que ainda se fala de liberdade, igualdade e fraternidade, mas no sentido esvaziado. A pós-modernidade significa o esvaziamento da dimensão iluminista, é o momento do desaparecimento das grandes narrativas, da perda da importância de valores que até então eram tidos como imprescindíveis, como a verdade. A pós-modernidade é correlata a hegemonia da racionalidade neoliberal. Mais que uma teoria econômica, que uma governabilidade, hoje devemos pensar o neoliberalismo como uma racionalidade, que se torna hegemônica a partir da década de 80, que podemos definir como um certo modo de ver e atuar no mundo que trata tudo e todos como objetivos negociáveis, quando não descartáveis, a partir de cálculos de interesses. Essa hegemonia vai produzir uma mudança estrutural no Estado. Se o Estado moderno nasce da separação entre poder político e econômico, o Estado condicionado por essa nova realidade vai se caracterizar por uma reaproximação desses poderes. Não raro, o detentor do poder econômico exerce diretamente o poder político”

“Dentro dessa mudança estrutural, duas passam a ser as principais funções das agencias estatais, dentre elas o Poder Judiciário. Primeiro, a homologação dos interesses dos detentores do poder econômico. Outra função é o controle dos indesejados. A questão passa a ser: quem são os indesejados? Podem ser todos nós. Porque se o Estado condicionado pela racionalidade neoliberal tem um compromisso com os detentores do poder econômico, os restantes são indesejados em potencial. Primeiro os pobres, depois os inimigos políticos, lideranças sindicais, membros de movimentos sociais, funcionários públicos, intelectuais, estudantes, qualquer um que possa receber a etiqueta de indesejável por estar atuando ou defendendo interesses contrários aqueles que estão determinando o que é certo ou errado. Pode ser um juiz que, por exemplo, não esteja reproduzindo acriticamente o mito da ressocialização”, encerrou o juiz Rubens Roberto Rebello Casara.

Homenagem

Durante a reunião, o desembargador Alcides da Fonseca Neto foi homenageado com a entrega de uma placa de reconhecimento por sua trajetória e atuação: “Ao excelentíssimo desembargador e professor Alcides da Fonseca Neto, a sensibilidade do homem, a reflexão crítica e permanente das causas que dimensionam as desigualdades sociais, a contribuição para o questionamento ao dogmatismo, a imensa capacidade de resistir à tentação de acomodar-se ao Direito Positivo, representando e propagando novas teses para formalizar o sistema jurídico penal. E generoso, simples e lidador, transmitindo lições a gerações atuais e futuras, o faz merecedor de seu reconhecimento junto à presidência do Fórum Permanente de Segurança Pública e Execução Penal da EMERJ, ao Direito Penal e a academia”.

Lançamento de Livro

Ao final do encontro, houve o lançamento do livro “O Mito da Pena Ressocializadora – Exclusão Social e Direito Penal”, de autoria da advogada Gisela França da Costa.

Assista

Para assistir na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=XLzJjVIY5jc

 

Fotos: Maicon Souza

28 de agosto de 2024

Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)